Falando de missas sem ver o padre

No presente post farei o papel de péssimo comentarista esportivo. Falarei de diversos assuntos que estão em pauta sem ter acompanhado detalhadamente os acontecimentos. Tal postura é academicamente absurda, porém acredito que seja muito comum no meio jornalístico e por isso vou aproveitar o presente espaço para apresentar um devaneio crítico confessando de antemão o que muitos profissionais não admitem: não assisti na íntegra o jogo, a cerimônia, ou o pronunciamento papal.

Começarei abordando a acachapante derrota sofrida pela equipe do Santos em amistoso realizado contra o Barcelona. Não precisei assistir a partida para sentir vergonha. Parecia a antiga piada do hipotético jogo Fluminense x Barcelona:

 

A equipe santista foi humilhada e as diversas piadas nas mídias sociais refletiram o escárnio da goleada sofrida e a revolta dos torcedores da gloriosa equipe paulista. Os debates televisivos em cima da partida versaram sobre a fragilidade das equipes brasileiras em relação aos times europeus, mas, como na maior parte das vezes, não chegaram a nenhuma conclusão. Independentemente da grandeza do Santos, uma partida que deveria ser festiva virou um marco negativo na bela história do “Peixe”. Nada justifica a violência de alguns torcedores com os jogadores da equipe, mas o deboche da dança do “quadradinho de oito” conforme capa do jornal sensacionalista Meia Hora ou a charge de Alpino ficarão gravadas na memória do torcedor.

Outro assunto esportivo marcante da semana passada foi o ressurgimento triunfal do nadador César Cielo. Apesar de ter acompanhado a prova ao vivo, não esperei para ver a emocionante cerimônia em que o atleta se derramou em lágrimas ao ouvir o hino nacional. Contra diversas previsões pessimistas e a descrença de antigos ícones do esporte como o russo Popov, o nadador se tornou tricampeão mundial na prova dos 50 metros sem qualquer contestação e demonstrou um apego patriótico verdadeiro ao Brasil, que cativou os compatriotas presentes na piscina do Palau Sant Jordi de Barcelona, estrangeiros e a mídia especializada. Para aqueles que acompanham a natação brasileira como eu, foi um momento sublime, mas confesso que só vi o pódio nos jornais da noite. Empolgado resolvi sair para dar uma nadada na praia.

Ainda falando sobre natação, felizmente a pressão das ruas nas manifestações políticas difusas ocorridas nas últimas semanas levou o governador Sérgio Cabral a recuar na devastação do complexo esportivo do Maracanã mantendo assim o Parque aquático Julio Delamare, que é um dos símbolos do esporte em nosso país, além da escola Arthur Friendenreich e a pista de atletismo Célio de Barros. Só falta o Maraca voltar a ser do Silva.

Um fato que também me chamou atenção nas últimas semanas foi a presença do Papa Francisco no Rio de Janeiro e as diversas correlações feitas com o esporte, sobretudo o futebol, ao longo da sua visita. Eu não estava na cidade durante a maior parte do megaevento católico, mas acompanhei atentamente através das mídias sociais as diversas matérias sobre sua paixão pelo San Lorenzo de Almagro, los cuervos, o resgate da memória de seus ídolos futebolísticos como o atacante Portoni que teria atuado pela Portuguesa de Desportos, o emocionante encontro com o atleta Oscar, e as diversas camisas de clubes que foram doadas a Sua Santidade ao longo da Jornada, inclusive pelo ídolo flamenguista Zico.

Ademais fiquei atento às referências diretas ao futebol e a organização da Copa do Mundo pelos brasileiros, presentes em seu discurso proferido para milhares de fiéis na Praia de Copacabana. A “princesinha do mar” parecia uma Fun Fest cristã antecipando à algazarra futebolística que ocorrerá nas mesmas areias em 2014.

O simpático e carismático franciscano com certeza tem consciência da força retórica do futebol não só para os brasileiros e argentinos, mas para diversos povos no mundo todo e, assim como João Paulo II, utiliza metáforas da “bola” para se aproximar do seu “rebanho”, tendo inclusive abençoado o Atlético Mineiro contra um rival da sua equipe de coração segundo reportagem do Lancenet.

Todos os comentários feitos até o momento não se comparam com a fonte inspiradora desse post. A ideia de escrever sobre assuntos esportivos recentes sem ter acompanhado integralmente os fatos veio de um fato midiático que pode ser emblemático para refletirmos sobre os programas de debate esportivo.

No final do mês de julho eu participei, junto com diversos colegas historiadores, do Encontro Nacional de História – ANPUH/2013, que foi realizado na aprazível cidade de Natal, e que possui um Simpósio Temático sobre esportes que vem evoluindo qualitativamente a cada edição. Quem quiser mais informações com um panorama dos trabalhos acadêmicos apresentados neste evento, leia a crônica do colega André Couto.

Após uma jornada de debates acadêmicos retornei ao hotel para descansar um pouco e assistir os canais locais. Junto com meu amigo Luiz Carlos assistimos a mesa esportiva, Esporte Mix, onde os comentaristas discutiam a atual situação do futebol potiguar, mas especificamente as péssimas colocações de ABC e América no campeonato da segunda divisão.

Enquanto criticavam violentamente a atuação da equipe do ABC em um empate de 0x0 com o Joinvile em partida válida pela série B, analisando imagens da partida, surge um comentário do telespectador que o apresentador começa lendo de forma entusiasmada, mas aos poucos vai diminuindo o tom da voz:

Vocês estão falando da Missa sem ver o padre. Essas imagens que vocês estão analisando é do jogo ABC x Joinvile do campeonato do ano passado.

A reação dos comentaristas foi de estupefação ou como se diz por lá, ficaram “abestalhados” na frente das câmeras.

 

 “É mesmo!”. “É o Roberto ou o Antônio no gol”. “ Não lembro dessa bola na trave”.

Enquanto reviam as imagens debatiam se era a partida realizada no sábado anterior ou no campeonato do ano passado. De forma constrangedora não chegaram a uma conclusão e postergaram para o programa do dia seguinte o veredicto. Ou seja, as críticas jorravam aos jogadores e comissão técnica e possivelmente os “especialistas” não tinham nem assistido a partida.

Este fato além de ter inspirado este opinativo texto serve para refletirmos sobre as mazelas da imprensa esportiva em nosso país. Não se trata de uma crítica específica aos comentaristas potiguares, pois acredito que essa gafe é reproduzida inadvertidamente em vários programas esportivos, pois como é possível comentar diversos jogos ou a rodada inteira do brasileirão sem cair na superficialidade de criticar os que estão perdendo e louvar os ganhadores? Muitos comentaristas renomados do eixo Rio/São Paulo com certeza também devem falar das missas sem enxergar os padres.  Amém.

2 thoughts on “Falando de missas sem ver o padre

  1. Álvaro, gostei do texto e da reflexão sobre a lfalácia indiscriminada da mídia sem o mínimo conhecimento do q falam. Só fica uma ressalva, embora o Papa seja Francisco, ele não é da Ordem Franciscana (discípulos de São Francisco De Assis) ele é oriundo da ordem dos Jesuítas, portanto discípulo de São Francisco Xavier. Abs.

  2. Olá, Álvaro:

    Parabéns pelo post. Pois é, não precisamos sair do Rio, por exemplo, para encontrar mesas redondas parecidas como esta que descreveu em Natal. É interessante que um produto midiático como este que tem tantos aficionados, seja realizado, em sua maioria, com pouca qualidade discursiva, técnica e, por vezes, comunicacional.

    Vale mais do que a pena fazer um estudo sobre este tema.

    Um abraço,

    André Couto

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