As manifestações populares que estão acontecendo no Brasil geraram, até agora, mais perguntas do que respostas. Algumas delas se relacionam diretamente com os temas colocados em discussão por quem pesquisa a interface Comunicação e Esporte. Nas últimas postagens deste blog foram várias as contribuições para ampliarmos nossa reflexão. No entanto, nota-se certa dificuldade em discutir um tema específico. Foram constantes nas mobilizações críticas aos grandes grupos de imprensa que comandam a mídia no Brasil.
Essas críticas sempre existiram, mas desta vez, foram além dos gritos sufocados e se transformaram numa raiva incontida capaz de colocar fogo em carros de emissoras e até agressão a jornalistas que estavam trabalhando. Nesse momento, é fundamental fazer uma importante ressalva sobre a diferença que precisa ser feita entre o profissional que está na linha de frente da cobertura de um protesto e as políticas editorias dos grandes conglomerados de comunicação. A ética e o compromisso de um repórter que se vê obrigado a testemunhar os acontecimentos não pode ser confundida com os interesses escusos espalhados nas mesas dos editores que, esses sim, representam e publicam fielmente o que a política oficial da empresa determina.
Parece legítima a dúvida se esta discussão encontraria neste espaço um ambiente adequado. A resposta fica evidente quando percebemos que o maior grupo de comunicação do Brasil, as Organizações Globo, são hoje o principal parceiro do futebol brasileiro. As cifras investidas pela emissora criaram uma relação de extrema dependência, da qual os clubes são cúmplices e por incompetência administrativa própria acabam virando reféns. Tomando o cuidado para não cair numa armadilha maniqueísta, propomos o exercício de imaginar um cenário diferente. Qual seria o impacto? São vários os economistas que evidenciaram que se os clubes comercializassem os direitos de exibição separadamente poderiam lucrar mais. Ao invés de negociar com a Globo a exclusividade na transmissão do Campeonato Brasileiro, os clubes poderiam receber cotas separadamente para cada mídia comercializada. Emissoras diferentes teriam o direito de transmitir os jogos e os clubes lucrariam quantias diferentes para cada segmento (TV aberta, por assinatura, pay-per-view, internet e telefonia móvel). A tendência é que esse bolo fosse maior.
A questão é controversa e exige cálculos complexos e até de certa maneira intangíveis. É difícil avaliar se vale realmente a pena receber mais e ter sua marca exibida em uma emissora com menos audiência. No entanto, um impacto diferente seria gerado inevitavelmente. A pluralidade seria benéfica para o torcedor. Ver seu time em jogos transmitidos por emissoras diferentes seria positivo. E, principalmente: emissoras que não fossem parceiras diretas do evento, que não agissem como reais patrocinadoras do espetáculo, certamente teriam mais independência na cobertura. Por outro lado, o jornalismo da maior empresa de comunicação do Brasil, a Rede Globo, deixaria de trazer apenas a “versão oficial” dos fatos. A empresa não precisaria se silenciar ante os escândalos de corrupção da Confederação Brasileira de Futebol, uma vez que a relação comercial entre as duas entidades não seria mais de tamanha interdependência.
A regulamentação da venda dos direitos desses eventos esportivos poderia trazer ainda mais benefícios. É justo que uma empresa compre os direitos de transmissão de um evento e se recuse a transmití-lo? Ou que escolha apenas exibir os jogos principais? Não seria interessante criar formas de viabilizar as transmissões em televisões regionais, estimulando o esporte e as competições que acontecem fora dos principais centros urbanos brasileiros?
Assim como nas manifestações populares, esses cenários ainda apresentam mais perguntas do que respostas. No entanto, é evidente que uma reforma na legislação atual é fundamental. O controle social da mídia é requisito para qualquer democracia madura. No Brasil, o assunto é sempre tratado com viés político e eleitoreiro o que acaba deixando o tema para depois em virtude da pressão empresarial e política. O descaso e a falta de interesse fazem com que se confunda, propositadamente, regulação da mídia com censura, o que é um erro. Fato é que no dia em que esta questão avançar, será fundamental incluir nela a relação dos órgãos de imprensa com o esporte. E, para isso, as pessoas que se dedicam ao tema no país precisam estar prontas para discutir o tema e reivindicar participação na discussão.