Nesse período de recesso entre temporadas futebolísticas, o jornalismo esportivo carece de boas fontes para suas matérias. Daí, vermos Cadernos esportivos cada vez mais enxutos e com menos informação. O que vemos são normalmente notas sobre treinos e outras miudezas. De todo modo, apenas comentei sobre essa escassez para justificar o porquê de nesse post rememorar um fato esportivo não tão atual assim. Falarei das Olimpíadas de 2012 com um enfoque bastante específico: como os atletas lidaram com as cobranças da imprensa.
Primeiramente, explico que esse texto é uma pequena parte, não aproveitada, do artigo que escrevi para a disciplina “Comunicação e Esporte”, ministrada pelo professor Ronaldo Helal no PPGCom da Uerj. Nele, abordei como se deu a narrativa jornalística sobre os atletas medalhistas olímpicos brasileiros nos Jogos Olímpicos de Londres 2012, no Caderno Esportivo da Folha de São Paulo, no período de 17 de junho à 14 de agosto.
Entrando brevemente no processo de redação do artigo, um making of dele, se me for permitida essa apropriação do termo cinematográfico, explico algumas dificuldades que encontrei. Como foi uma pesquisa preliminar e preparatória para a redação da dissertação, enfrentei dilemas de neófito e problemas com o tamanho do corpus. De início, pensei ser factível trabalhar com quase dois meses de um jornal diário. Conforme ia desenvolvendo a pesquisa, percebi ser esse um conjunto de dados demasiado grande para um artigo – no período olímpico, o Caderno de Esportes possuía cerca de dez páginas em formato tabloide. Nesse amontoado de dados, torna-se fácil perder o foco. Acabei encontrando dados secundários, fora da temática pretendida, que mesmo assim prenderam minha atenção (o tema desse post, aliás, foi um deles, que tive de descartar por falta de espaço no artigo). Escrevi sobre eles e, ao final, tive de cortar essas partes, pois não se aplicavam ao artigo. Hoje, faria diferente. Enfocaria apenas o período dos jogos e manteria minha atenção apenas aos atletas medalhistas. Talvez apenas aos medalhistas de ouro. Em um trabalho maior e com mais jornais, creio ser mais produtivo analisar as narrativas sobre menos atletas, porém de modo mais detido e minucioso. Delimitar o objeto – o mantra da metodologia de pesquisa – é aqui mais necessário do que nunca. Estabelecer categorias como raça, disciplina, técnica, vontade, auxílio externo, sorte, habilidade e enumerar o seu aparecimento também poderiam ter encurtado meu processo de análise.
Feita essa digressão de pesquisador, começo a abordar o porquê desse post. Analisando a tabela abaixo, vemos que o Brasil ao longo das edições dos Jogos Olímpicos nunca teve um desempenho comparável ao de outras potências do esporte.
Nas Olimpíadas de Londres, a trigésima da história dos Jogos[1], disputada entre os dias 25 de julho e 12 de agosto, a delegação brasileira contou com 259 atletas em 32 modalidades, sendo 136 homens e 123 mulheres, tendo conquistado 17 medalhas (3 ouros, 5 pratas e 9 bronzes). No total, os Jogos contaram com a participação de cerca de 10 mil e quinhentos atletas de 204 Comitês Olímpicos nacionais , segundo próprio site do COI, distribuídos em 26 esportes e 39 modalidades. Era a terceira vez que Londres recebia os Jogos (em 1908 e 1948, ela já havia sido a sede).
A preparação do Time Brasil para Londres 2012 contou com elevados investimentos do governo brasileiro e dos patrocinadores (empresas públicas e privadas). O aluguel do Crystal Palace, complexo esportivo que abrigou somente atletas brasileiros de 12 modalidades, era um exemplo desse esmero. Foi um investimento elevado visando o melhor desempenho dos atletas e um apuro final no treinamento para os Jogos. Além disso, uma equipe de cozinheiros veio do Brasil exclusivamente para servir os atletas e psicólogos foram contratados para dar o suporte emocional necessário (Folha de SP, Caderno de Esportes, 22/07, p. D9). Tendo em vista todo esse suporte, era esperado que a opinião pública, no artigo representada pela imprensa, cobrasse resultados convincentes de nossa delegação. E foi justamente isso que encontrei em minha pesquisa, como exponho sucintamente a seguir.
A primeira matéria da Folha de São Paulo, presente no corpus de análise, data de 16 de junho de 2012, quando a presidente Dilma se reuniu com 20 atletas para prestar apoio e encorajamento. Os quase 260 atletas formavam uma delegação menor que aquela da China 2008, mas tiveram maior verba disponível nos 4 anos de preparação – de 2009 a 2011 estimam-se 420 milhões de reais provindos apenas da Lei Piva[2] (BRITO, 2012a). Com esse aumento no investimento, uma cobrança da sociedade por medalhas era esperada. Até atletas aposentados, como o ex-boxeador e medalhista olímpico Servílio de Oliveira, fizeram eco a essas cobranças: “Na minha época era mais difícil, não havia o apoio que há hoje. Tem que trazer medalha” (07/08, p. D6). A revista americana Sports Illustrated estimava em 24 o número de medalhas brasileiras; a Infostrada Sports, consultoria holandesa a serviço do COB, estimou em 16; o ministro do Esporte Aldo Rebelo, em 20; e o COB, em 15 (26/07, p. D6). A cobrança da imprensa pode ser exemplifica em um parágrafo da coluna de Juca Kfouri: “O alvo da coluna foi o paternalismo que há muito nos leva a desculpar fiascos com o superado argumento de que o atleta olímpico no Brasil é um herói por si só, dada a falta de apoio ampla, geral e irrestrita” (09/08, p. D7). Após o fraco desempenho brasileiro nas terras da rainha, Antonio Prada faz ressurgir o “complexo de vira-latas” de Nelson Rodrigues para explicar os atletas brasileiros e exalta que “o brasileiro e, mais ainda, o atleta brasileiro, que é antes de tudo um forte, enxergue no espelho uma imagem digna de sua grandeza” (13/08, p. D11).
Junto da cobrança da imprensa e do governo, vemos reações adversas dos atletas favoritos e seus técnicos diante da derrota. Dentre estes, acredito que as palavras da treinadora Rosicleia Campos, do judô, sejam as mais emblemáticas de certa, digamos, condescendência com os fracassos e transferência da culpa para terceiros, alheios à competição direta no tatame: “Para criticar, você precisam conhecer. A Rafaela Silva e o Leandro Guilheiro foram muito criticados, mas eles também são heróis. Eu li muita coisa que não gostei […] O brasileiro ignora o judô fora dos Jogos. É ignorante no sentido de não ligar para o esporte […] É muito sacrifício. Só quem vive sabe. Estas judocas são maravilhosas. Só tenho a agradecer a todos. Sou uma abençoada” (06/08, p.D6). Ainda que embebida de fortes emoções, as frases da treinadora são cheias de significado. Postura parecida àquela da jogadora de vôlei feminino Thaísa: “O brasileiro está acreditando muito pouco na gente. Foram poucos que mandaram mensagens acreditando na nossa vitória. Acho que a gente se superou. Temos que exaltar o fato de não termos desistido nunca” (04/08, p. D8). O cavaleiro José Roberto Reynoso também segue esse padrão: “O esporte não é divulgado, não tem público como tem numa Olimpíada. A cultura europeia é voltada ao cavalo, a gente lá [no Brasil] tem uma cultura, a pessoa é voltada a ter um cachorro em casa” (07/08, p. D7).
Outro modo de encarar o infortúnio é chorar por aquilo que não foi conquistado, mas congratular-se pelo que veio, vide a medalha de bronze do favorito ao ouro Cesar Cielo: “Não foi o ouro que eu queria, mas é uma medalha importante. É bola para a frente. Para não ficar tão ruim saiu uma medalha de bronze” (04/08, p. D2). Outra atitude é a simples vergonha presente nos discursos daqueles que falharam. Diego Hypólito, da ginástica artística, afirma: “Caí de cara. Minha competição foi uma vergonha. Não sei o que acontece comigo. Tantas pessoas confiaram em mim e se decepcionaram” (29/07, p. D12). Maurren Maggi, do salto em distância, adota postura semelhante: “Não era meu dia. Não consegui encaixar meu salto no final. Não vou botar a culpa em outra coisa. Infelizmente, não consegui” (08/08, p. 10). Considero esta última uma forma mais honesta de encarar a derrota. Isto é, admitir que, apesar do esforço e do treinamento, não se conseguiu desenvolver, no momento da competição, tudo aquilo que foi trabalhado. Culpar terceiros e a pressão da opinião pública, ainda que com argumentos plausíveis, não me parece ser o melhor caminho, afinal, no Rio 2016, esta só tende a aumentar sobre os nossos atletas.
[1] Londres disputou com as seguintes cidades o direito de sediar os Jogos: Leipzig (Alemanha), Rio de Janeiro (Brasil), Istambul (Turquia), Havana (Cuba), Partis (França), Madri (Espanha), Nova Iorque (EUA), Moscou (Rússia). Após quatro turnos de votação, a cidade britânica conquistou o título de sede olímpica em 15 de julho de 2003 durante a 112ª reunião do COI.
[2] Lei que estabelece que 2% da arrecadação das Loterias Federais devem ser destinados aos esportes.