Heróis da vitimização

Na minha pesquisa de doutorado, ao analisar a representação dos atletas paralímpicos nos jornais brasileiros durante a cobertura dos Jogos de 2012, a temática “comparação entre os atletas olímpicos e paralímpicos” surgiu. Mesmo em quantidade modesta a categoria nos intrigou. Nos impressos, Daniel Dias foi comparado algumas vezes com o nadador americano Michael Phelps pelo número de medalhas conquistadas, Alan Fonteles recebeu a alcunha de “Bolt Brazuca”, por ser o mais veloz nos 100m rasos, além disso, alguns atletas e treinadores se apropriam desse discurso comparativo, como por exemplo, o caso do dos jogadores de futebol de cinco Jefinho e Ricardinho (…) comparados a Neymar e Messi.

Alguns autores apontam que essa prática por um lado enfatizava a excelente performance dos atletas com deficiência, por outro desqualificavam o atleta com deficiência pela necessidade de legitimar seu sucesso através da comparação, dando a ideias de que se busca a “normalidade”.

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Alan Fonteles ganhou notoriedade após vencer o recordista sul-africano Oscar Pistorius nos 200m para biamputados em Londres-2012.

De diversas formas a participação das pessoas com deficiência no esporte é uma maneira de lidar com o estigma da deficiência. Nixon (1984) e Asken (1991) elucidam que essa participação dá a ideia de que as pessoas com deficiência não são significativamente diferentes dos outros. E, por isso, a comparação entre os atletas olímpicos e paralímpicos pode ser fundamentada nessa ideia. Contudo, não podemos deixar de notar que essa prática enfraquece as tentativas das pessoas com deficiência em criar sua própria identidade.

Exemplo clássico é livro “Paralympics: Where heroes comes” de Steadward e Peterson (1997). De acordo com os próprios autores, no prefácio, o manuscrito foi inspirado no slogan dos Jogos de 1996 “(…) the Olympics is where heroes are made. The Paralympics is where heroes comes” (as Olimpíadas são onde os heróis são construídos. As Paralimpíadas são onde os heróis vão). Na primeira sentença, percebe-se que para atingir o status de herói o atleta olímpico precisa atingir o patamar mais elevado, através da alta performance conquistada por esforço, treinamento e disciplina, ou seja é um processo ativo. Em contraste, a segunda sentença nos mostra que todo atleta paralímpico é herói, independente de sua performance, e assim temos um processo passivo. Esse contraste inferioriza os atletas paralímpicos em sua performance, a importância de suas conquistas, de seu treinamento, estratégia, organização, etc. Aqui temos a associação à ideia de que o atleta paralímpico teve de superar a deficiência, portanto só o fato de participar de um evento esportivo o tornaria herói.

Assim, as comparações delineadas visam atingir a legitimidade do atleta e esporte paralímpico, só atingida através das relações estabelecidas com o esporte e atletas convencionais. Contudo, atletas que transitam entre as duas categorias, como o caso de Pistorius, podem gerar maior interesse da mídia, mas não chegam a ultrapassar a barreira entre os esportes, uma vez que não podem pertencer às duas categorias ao mesmo tempo. Os atletas não querem ser comparados, querem, sim, escrever seus nomes na história esportiva brasileira a partir de seus próprios feitos.

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