Mesmo após mais de 100 anos da assinatura da Lei Áurea, que legalmente findava com a condição de escravização dos negros no Brasil, ainda nos dias de hoje há vestígios das raízes escravocratas e coloniais do país que constituem sua história e formação social. Opressões como o racismo contra negros e indígenas, o machismo contra mulheres e a LGBTQIAPN+fobia, estão enraizadas nas estruturas sociais do país. Esses padrões discriminatórios também se manifestam no contexto do futebol.
O futebol é o esporte mais popular do mundo e, no Brasil, este esporte está diretamente ligado à nossa identidade cultural. Desta forma, torna-se um terreno de expressão do preconceito racial, velado ou explícito, por parte das torcidas, dos jogadores e dos demais atores deste esporte, ainda que os grandes ídolos do futebol sejam homens negros. O racismo estrutural se faz presente nas linguagens, nas manifestações e nas interações simbólicas desta modalidade esportiva, desta forma, refletindo padrões de discriminação racial.
O preconceito, como o racial, são opressões enraizadas nas estruturas da sociedade e se fazem presente de múltiplas formas. “Longe de ser uma democracia, o futebol carrega consigo preconceitos já presentes na sociedade que os toma de volta, muitas vezes, mais fortes e naturalizados” (COSTA, p.178, 2021). Encontra-se nas arquibancadas a liberdade para se expressar de forma mais explícita, através dos cantos expressam essas opressões, na maioria das vezes utilizando o jocoso, que, ditas no cotidiano, serão “malvistas”.
O racismo religioso, que é a intolerância religiosa que se apresenta de maneira racializada, visto que é direcionada a religiões de matriz africana como a Umbanda e o Candomblé, é uma forma de reproduzir o preconceito racial através de pessoas iniciadas nessas religiões. Segundo o site da organização Criola, o racismo religioso é:
Um conjunto de práticas violentas que expressam a discriminação e o ódio pelos povos de terreiros e comunidades tradicionais de religiões de matriz africana e seus adeptos, assim como pelos territórios sagrados, tradições e culturas afro-brasileiras.O termo “intolerância religiosa” não é suficiente para descrever esse conjunto de violências, que na verdade são mais uma faceta do racismo estrutural no país. (https://criola.org.br/iniciativas/basta-de-racismo-religioso/?doing_wp_cron=1741128992.9237608909606933593750 ACESSO EM: 02/03/2025)
O racismo religioso também se manifesta no futebol de forma recorrente com ataques direcionados às religiões de matriz africana como a umbanda e o candomblé. Alguns jogadores, nos últimos anos, que manifestaram suas crenças religiosas nestas religiões, sofreram e sofrem perseguições com o discurso de ódio dentro e fora dos estádios de futebol, principalmente nas redes sociais.
O jogador Paulinho, que atualmente está no Palmeiras, sofre há alguns anos com o racismo religioso no que tange a sua relação com as religiões de matriz africana. Iniciado no Candomblé quando tinha 17 anos, herdou o amor e a devoção pela religião de sua mãe.
Paulinho passou a sofrer forte perseguição e discurso de ódio no que se refere a sua religião, o candomblé, nas mídias sociais em 2021, quando o jogador foi convocado para representar o Brasil na seleção olímpica e competir nas Olimpíadas de Tóquio. Na ocasião, ele agradeceu a convocação com a frase: “Nunca foi sorte, sempre foi Exú”. Embora o atleta já tivesse feito postagens anteriores relacionadas à sua fé, foi com a convocação para a seleção olímpica que sua página e essa mensagem viralizaram nas redes sociais. Mesmo após conquistar a vitória na competição, Paulinho continuou sendo alvo de ataques de racismo religioso.
Em 2023, já jogando pela seleção principal, o jogador comemorou um gol fazendo o sinal de uma flecha, em referência a entidade Oxóssi, orixá no qual o jogador foi iniciado na religião. Após o Brasil perder para a Colômbia no jogo das Eliminatórias para a Copa de 2026, mais uma vez Paulinho foi atacado com discurso de ódio referente a sua religião nas redes sociais.
Disponível em: https://www.itatiaia.com.br/esportes/futebol/atletico/2023/11/17/paulinho-do-atletico-sofre-intolerancia-religiosa-apos-jogo-pela-selecao ACESSO EM: 03/03/2025
Disponível em: https://ge.globo.com/futebol/times/atletico-mg/noticia/2023/11/29/paulinho-do-atletico-mg-e-alvo-de-intolerancia-religiosa-apos-gol-contra-o-flamengo.ghtml ACESSO EM: 03/03/2025
Ainda hoje, o jogador é com frequência atacado por sua religião, mas Paulinho exprime a resistência e luta contra o racismo religioso no futebol e na sociedade brasileira. A voz dada as religiões de matriz africana, como o Candomblé, em suas mídias sociais, em comemorações de gol e até expressas em seu corpo com tatuagens, tem sido de extrema importância para levantar este debate no âmbito esportivo, mas também fora dele. Neste carnaval, o jogador foi convidado pela G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira para estar no carro com outras figuras negras que “venceram” na vida, contudo Paulinho recusou o convite.
A realidade na qual Paulinho e muitos outros representantes das religiões de matriz africana sofrem na sociedade não se perpetuam da mesma maneira em outras religiões. Há alguns anos, o programa Fantástico conta com um quadro dentro da sua parte esportiva chamado “O Artilheiro Musical”. O jogador que marcar três gols ou mais em uma mesma partida naquela rodada de futebol de domingo pode pedir uma música para ser tocada no programa enquanto aparecem seus gols. É muito comum jogadores solicitarem músicas do gênero gospel, entretanto, sem sofrerem qualquer tipo de perseguição religiosa em suas mídias sociais.
O jogador Neymar, na final do futebol nos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro, usou uma faixa na cabeça com a frase “100% Jesus”. Há outros casos em que jogadores usaram camisas e faixas após títulos com frases remetendo às religiões evangélicos, pentecostais e católica. Curiosamente, a maioria dos jogadores que se manifestam publicamente sobre sua religião pertence a igrejas pentecostais.
Foto retirada do Facebook de Neymar em: 04/03/2025
A luta contra o racismo religioso requer mudanças profundas na educação e na forma como a sociedade brasileira lida com a diversidade religiosa. No futebol, isso significa um esforço contínuo para promover o respeito pelas crenças de todos os atletas e torcedores, independentemente de sua religião. As campanhas de conscientização e a formação de grupos de apoio para vítimas de intolerância religiosa nos estádios são algumas das medidas que podem contribuir para um ambiente mais inclusivo.
Print da bio do jogador Paulinho na rede social Instagram com referência ao orixá Oxóssi
BIBLIOGRAFIA
COSTA, Leda. Futebol e gênero: o som do machismo e da homofobia que vem das arquibancadas. In.: MAGALHÃES, Lívia Gonçalves; TEIXEIRA, Rosana da Câmara. Futebol na sala de aula: jogadas, dribles, passes, esquemas táticos e atuações para o ensino de Ciências Sociais e de História. Niterói: Eduff, 2021.
CUNHA, Christina Vital da. “Traficantes evangélicos”: novas formas de
experimentação do sagrado em favelas cariocas. PLURAL, Revista do Programa de Pós?Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.15, 2008, pp.23-46
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Abril Cultural, 1978, pp. 205-219.
ROSA, Mário Miranda Rosa. Um ramo de arruda na chuteira do futebol brasileiro e os bastidores dos campeonatos do mundo de 1958 e 1962. 1ª ed. São Paulo: EDICON, 1994.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Clart, 2016.
ACESSOS:
Basta de Racismo Religioso | Criola
Paulinho, do Atlético, sofre intolerância religiosa após jogo da Seleção | Itatiaia
Paulinho, do Atlético-MG, é alvo de intolerância religiosa após gol contra o Flamengo | Globo Esporte