Na crise da Ucrânia, o Shakhtar foi abatido pelo próprio dono

Rinat Akhmetov, proprietário de uma empresa de mineração, se tornou o principal investidor do Shakhtar Donetsk ainda nos anos 1990. Desde então, o clube conquistou treze campeonatos ucranianos. O ápice foi o título da Copa da UEFA (atual Liga Europa) em 2009, o único de um time da Ucrânia. No entanto, a atual crise entre o país e a Rússia coloca em risco até a existência do Shakhtar. E se isso acontecer, o seu próprio dono tem uma parcela de culpa.

Mesmo empilhando títulos, a “Laranja mecânica do leste europeu” nunca cativou a Ucrânia, por ser um clube da região leste do país, de maioria russa, e cujo dono tem origens étnicas russas.

Rinat Akhmetov fez investimentos bilionários no Shakhtar Donetsk, que conquistou títulos com elencos compostos majoritariamente por jogadores brasileiros.
Foto: UEFA.

Russos que vivem no leste da Ucrânia se consideram discriminados e buscam a independência ou a anexação do território à Rússia. Desde 2014, o choque de interesses desencadeou uma guerra que já matou 14 mil pessoas. E em meio ao conflito, Akhmetov não ficou isento. O proprietário do Shakhtar é acusado de financiar grupos armados separatistas pró-Rússia na região.

Independentemente do que vai acontecer, a guerra, na qual Akhmetov deu sua colaboração nos últimos anos, já vitimou o Shakhtar. Desde 2014, o time não joga mais no seu estádio de 400 milhões de dólares (cerca de 2 bilhões de reais na cotação atual), erguido por Akhmetov em 2009, mas fechado por ter sido danificado por mísseis.

Dombass Arena, estádio do Shakhtar, foi bombardeada em conflitos entre milícias que querem a independência do leste da Ucrânia e as forças armadas ucranianas. Foto: Shakhtar Donetsk FC

Nesta semana, no mais tenso capítulo do confronto em oito anos, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, reconheceu como independente a província ucraniana de Donetsk, justamente a sede original do Shakhtar, como desejava o proprietário do clube.

No entanto, não há indícios de a FIFA, tampouco a UEFA e outros países vão reconhecerem a independência de Donetsk. Há oito anos, uma situação similar aconteceu com a Crimeia, outra região de maioria russa na Ucrânia que se tornou independente e posteriormente se anexou à Rússia em plebiscito. 

Os clubes de futebol da Crimeia deixaram de participar dos torneios ucranianos devido à emancipação, mas também não jogam as competições russas por vetos da FIFA e da UEFA, porque as entidades não reconhecem como legal a anexação da região pela Rússia. Primeiro campeão da história do campeonato ucraniano, em 1992, logo após a dissolução da União Soviética, o Tavriya Simferopol deixou de existir na Crimeia.

No caso do Shakhtar, se a região de Donetsk de fato se tornar um país independente, não deve ter o reconhecimento das entidades que comandam o futebol mundial, não podendo criar uma confederação nacional de futebol e tampouco organizar campeonatos para o Shakhtar disputar. Caso Donetsk se anexe à Rússia, a união de territórios tampouco deve ser aceita, não podendo o clube jogar o campeonato russo.

A única alternativa para o Shakhtar, nesse beco sem saída, parece se transformar, em definitivo, em um “clube refugiado”, jogando em uma outra região da Ucrânia, como o clube faz de forma provisória há oito anos, distante da sua torcida historicamente ligada à cultura russa e, portanto, sem identidade. O time já sente os reflexos em campo: se em 2011 chegou às quartas-de-final da Liga dos Campeões, não passou da fase de grupos em 2019, 2020, 2021, e terminou a atual edição do torneio na lanterna da sua chave, com apenas dois pontos.

O tão poderoso do leste europeu no século XXI foi abatido por fogo amigo. Akhmetov atirou no próprio clube.

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