Por Fábio Lisboa
O cantor americano de ascendência cubana Pitbull divulgou na última sexta-feira o clipe da música oficial da Copa do Mundo de 2014: “We Are One” (“Nós somos um”, em tradução livre). Na canção, Pitbull é acompanhado pela cantora americana de ascendência porto-riquenha Jennifer Lopez e pela brasileira Cláudia Leitte.
A letra da música, a estética do clipe e a escolha do trio de artistas para a interpretação da canção permite que sejam feitas algumas considerações sobre a questão da identidade, ou identidades, no contexto da próxima Copa do Mundo.
Identidade
Antes de um olhar mais detido sobre o clipe, serão feitas algumas considerações sobre a categoria identidade.
Na contemporaneidade, aceita-se cada vez mais a percepção de que, ao invés de essências imanentes, as identidades (sejam elas individuais, institucionais ou coletivas) são resultados de processos de construção que se dão em diversos âmbitos da sociedade por meio da ação de inúmeros atores.
Consequência direta desta mudança é que as identidades deixam de ser elementos que tendem à fixidez, como ocorreu em momentos anteriores da história, e passam, no momento atual, a ter um caráter variável e descartável, como afirma Stuart Hall em “A identidade cultural na pós-modernidade”.
Neste contexto, parte-se do pressuposto de que o clipe evidencia uma opção da FIFA, Federação Internacional de Futebol, de tentar fazer convergir, durante o período da Copa do Mundo realizada no Brasil, duas identidades: uma baseada no esporte e no espetáculo, e outra relacionada a elementos de um determinado tipo de “brasilidade”.
Intérpretes
O primeiro elemento que chama a atenção no clipe é a escolha dos intérpretes da música. Apesar de a Copa do Mundo ser um megaevento de caráter internacional, pode causar certo estranhamento, principalmente para o público brasileiro, a opção por Pitbull e Jennifer Lopez cantarem a música oficial de um Mundial sediado no Brasil.
A única representante brasileira no trio de cantores é Cláudia Leite, que tem uma participação diminuta na música.
A escolha da FIFA por Pitbull e Jennifer Lopez parece ser um indício de que a entidade privilegia o potencial comercial dos artistas no mercado global, em detrimento da relação dos mesmos com a cultura brasileira.
Ambos são artistas de ascendência latina, e já possuem uma carreira estabelecida no âmbito internacional, enquanto Cláudia Leite ainda tem uma incipiente carreira internacional.
Estética
Outro elemento a ser considerado no clipe é a estética do mesmo, as imagens escolhidas para sua elaboração. O clipe consiste em uma sequência de imagens de três naturezas: lances de competições organizadas pela FIFA, imagens da cidade do Rio de Janeiro e sequências com os três intérpretes.
Entre as imagens de competições organizadas pela FIFA, têm protagonismo as relacionadas à seleção brasileira de futebol. Neste quesito aparecem imagens das conquistas das cinco Copas do Mundo pelo Brasil, além de lances de grandes estrelas do futebol brasileiro como Neymar e Pelé.
O uso destas imagens parece ter a intenção, primeiro, de reforçar a ideia de que o Brasil é o país do futebol, e, em segundo lugar, de convencer o público de que a canção faz parte deste universo.
Outro tipo de imagem é a das paisagens da cidade do Rio de Janeiro, considerada um dos principais destinos turísticos do Brasil. Além disso, é no Rio que fica localizado o estádio do Maracanã, tido como um dos “templos” do futebol mundial.
Um terceiro tipo de imagem é a dos três intérpretes. Eles sempre aparecem rodeados por elementos que os aproximam da cultura brasileira, como bandeiras nas cores verde e amarelo, passistas de escola de samba, praticantes de capoeira e músicos da banda Olodum.
O uso destas imagens tem a clara intenção de “abrasileirar” os cantores, de os aproximarem de uma pretensa identidade brasileira vinculada ao samba, ao futebol e à festividade.
Letra da música
Por fim se destaca a letra da música. A mensagem central da mesma é a de que, por meio da Copa do Mundo, “nós somos um”, assumimos uma mesma identidade.
O futebol seria o fio norteador desta união, em especial quando o mesmo é praticado no “país do futebol” durante a realização da Copa do Mundo.
Em tempos de Copa, por intermédio do futebol, nós somos um? Chegamos ao final destas considerações sem uma resposta ao questionamento inicial, mas com indícios de caminhos a serem percorridos.
Além disso, estas considerações confirmam uma afirmação que Ronaldo Helal e Álvaro do Cabo fazem na introdução do recém-lançado “Copas do Mundo: Comunicação e Identidade Cultural no País do Futebol”. Segundo eles, “o futebol em tempos de Copa do Mundo, é um texto privilegiado para se entender o Brasil, sua questões e dilemas”. Concordo com eles.
Como explicar a exposição da bandeira de Cuba durante o clip? Propaganda ideológica feita de forma subliminar? Cuba estará representada na Copa? Pra quem não viu a bandeira aparece em pelo menos três vezes no clip. A mais visível a 1:34 minutos. É muita cara de pau desses políticos.