Por Laura Quadros e Leticia Quadros
Que atire a primeira pedra quem, no meio do esporte, nunca falou do “Psicológico” de algum atleta ou de algum time: “A equipe tem de controlar seu Psicológico”; “Fulano tem o Psicológico forte”… São apenas dois exemplos, de vários, que trazem essa referência em forma de entidade, como se fosse um ser independente, e que às vezes parece ter vontade própria. Mas afinal, quem é o tal “O Psicológico”?
De uma maneira bem simples, talvez a primeira coisa que venha à cabeça é que o Psicológico é o que atua na nossa mente, nosso poder de concentração, foco, pensamentos e até sensações. Há também a ideia dele ser uma expressão emocional, muitas vezes algo à parte, independente do jogador e seu universo mais imediato. Se nos voltarmos para a visão mais clássica, o predomínio da dicotomia razão-emoção, indivíduo-sociedade, natureza-cultura traz alguns equívocos na compreensão dessa misteriosa atuação do tal psicológico em nossas vidas.
Recentemente, o atacante do Fluminense Caio Paulista deu uma entrevista depois do jogo contra o Atlético Mineiro, no qual marcou seu primeiro gol como profissional, mencionando o trabalho da psicóloga do clube, Emily Gonçalves. Seguem as palavras de Caio:
“Foi a psicóloga do clube que conversou bastante comigo. Falou para mim durante a noite pensar no gol, pensar na jogada, respirar a cada movimento no jogo. Hoje acho que foi muito disso”.
Nessa fala espontânea e entusiasmada, percebemos que, provavelmente, há uma relação de confiança entre o jogador e a profissional que o acompanha no clube. Talvez, mais do que a ideia de pensar no gol, esteja ali envolvida uma gama de bons afetos que produzem um vínculo acolhedor entre esse atleta e a psicóloga do Fluminense, que procura acionar as potências nessa difícil tarefa que é a busca pela vitória.
Então, a questão que levantamos é: existe esse psicológico fora de uma relação? Se o atacante do Fluminense não acreditasse no processo com a psicóloga do clube, se ele não confiasse no trabalho que se dá no campo (e aqui não nos referimos ao campo de jogo, mas ao campo relacional), será que bastaria ele imaginar, que o gol iria sair? Não estamos aqui descartando, é claro, o trabalho feito nos treinos físicos e táticos, mas, se apenas pensar no gol fosse suficiente, qualquer um poderia fazê-lo, não é? Estamos, menos ainda, desqualificando qualquer recurso técnico utilizado pela psicóloga de acordo com as abordagens oriundas de estudos e pesquisas nessa área. O que estamos querendo colocar é que, para além do próprio esforço do atleta, a confiança na relação profissional, a aposta no trabalho com a psicóloga foram pontos chave para que ele ganhasse confiança. Seria ilusório dizer que o gol saiu exclusivamente pela técnica de mentalização aplicada, assim como seria leviano descartá-la totalmente do mérito no gol.
Sabemos que poucos times da séria A do Brasileirão contam com uma/um profissional de psicologia em seu plantel. Em 2019, apenas 8 clubes, entre os 20, dispunham desse trabalho. Sabemos também a enorme pressão que um atleta sofre dentro e fora de campo. Nesse sentido, a ideia de uma mente “forte” ou “fraca” constitui-se em um reducionismo, visto que são múltiplos os fatores que atravessam esse campo (sem trocadilhos) e afetam o rendimento dos atletas. Aliado a isso, mesmo em pleno século XXI, ainda há um preconceito muito grande, e não apenas no esporte, com a atuação da psicologia. Não é raro que ela seja considerada somente em situações extremas ou de adoecimento instalado.
A importância do reconhecimento da psicologia pelos clubes de futebol pode legitimar a noção de que o trabalho não deve se dar só em partes, mas sim privilegiar um todo. Isso inclui treinamentos táticos, físicos, nutrição, fisiologia, interação social, família, torcida, remuneração, bom ambiente de trabalho, enfim, toda vivência que afeta a vida do atleta e que acontece de forma integrada e não dicotomizada. Portanto, mais que um simples elogio, a declaração de Caio traz a público a força de um trabalho diário de afirmação de potências, de acolhimento aos temores, de desenvolvimento de recursos e, sobretudo, de reconhecimento de si mesmo em relação ao mundo.
Assim, o tal psicológico acontece num campo de forças coletivas e não sozinho como, às vezes, parece ser. Vimos, por exemplo, excelentes atletas perderem um pênalti, bem como jovens estreantes acertarem de primeira. Podemos atribuir apenas ao psicológico? Podemos excluir fatores como condicionamento físico, treinamento, vontade de bater, salários em dia, questões familiares, questões políticas, dentre outros?

Acreditamos que, nesse contexto, colocar na conta do psicológico o que não conseguimos discutir de forma ampla pode ser tanto uma injustiça, quanto uma estratégia de invisibilizar outros problemas mais indigestos. Antes de culpar “o psicológico”, que tal dar uma olhadinha no que está em volta? Antes de criticar o psicológico do seu time, que tal procurar saber se, de fato, há um profissional da psicologia atuando no seu clube?
Se o psicológico fosse uma entidade autônoma, coitado dele! Viver sendo cobrado, enquanto a verdadeira cobrança por um trabalho sério da psicologia é sempre jogada para escanteio e esquecida pela imprensa, comissão técnica, torcida, atletas… A questão do futebol e o psicológico não é um embate entre duas entidades, mas sim uma aproximação de áreas que devem dialogar como um todo. Afinal, retomando nossa indagação inicial, o psicológico se constitui numa rede de relações que inclui pessoas, objetos, procedimentos, enfim, processos de vida que acontecem num movimento incessante. Destacar uma parte e tomá-la como todo empobrece a questão. Afinal, como no futebol, um jogador, isoladamente, não ganha um jogo. É preciso trocar passes e manter a bola rolando para o melhor resultado. Parafraseando o poeta João Cabral de Melo Neto, “Um galo sozinho não tece uma manhã”. Então, vamos deixar o tal psicológico vestir a camisa do time e integrar a equipe. Quem sabe assim o jogo não fica mais interessante?
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