Um dos nomes mais identificados com a Seleção Brasileira em seus quase 104 anos de história esteve presente na concentração da equipe na Granja Comary na última semana. Mário Jorge Lobo Zagallo esbanjou carisma, belas histórias e otimismo pelo selecionado em vídeos que circularam pelas redes. Tetracampeão do Mundo, foi jogador em duas Copas, técnico em outras três e supervisor em 94. Um discurso apaixonado, ufanista, inflamado sempre que se refere à equipe. Lembro-me agora de um episódio em 98, antes dos pênaltis diante da Holanda na semifinal. É emocionante a postura dele de garra e amor à camisa amarela, como mexeu com os atletas e com a gente, torcida.
Zagallo é carregado de simbolismos. Aos 86, lúcido e admirável, seu discurso me fez pensar sobre nossa relação com os rapazes de amarelo. Já fui mais como ele. Já troquei figurinhas, comprei pôsteres dos onze, colecionei minicraques… Já vi pelas ruas, a essa altura, um verde-amarelo mais abundante. Para alguns, já fomos mais apaixonados. Para outros, mais alienados.

Apesar de tantas campanhas publicitárias que visam “vender” o megaevento, estamos hoje mais preocupados com a falta de gasolina do que com o retorno de Neymar. O que é legítimo, claro, mas nem sempre foi natural.
Não é novidade que, historicamente, seleções e Copas são usadas para dar visibilidade a projetos de sucesso de estados nacionais. Fora assim na maioria dos Mundiais. Como se vencer no campo esportivo fosse influenciar em vitórias em outros terrenos como na saúde, educação, economia.

Ao longo dos últimos anos, pesquisei como a imprensa (principalmente os jornais impressos) representa a seleção em épocas de Copa. Um megaevento propício a despertar sentimentos de nacionalismo numa disputa esportiva. E pude perceber como é nítida a queda de interesse do torcedor pela equipe brasileira.
(http://www.ppgcom.uerj.br/wp-content/uploads/Tese-Francisco-Brinati.pdf)
Num processo que não vem de hoje, mas que foi exacerbado com a eliminação para a Alemanha em 2014. No Mineiratzen – ao contrário do clima de tristeza que o país viveu após a derrota para o Uruguai na Copa de 1950 – tivemos vergonha. O vexame em campo virou deboche. Levamos um revés para o risível. Não sofremos, ironizamos. Rimos muito do 7×1 nosso de cada dia.
Desde então, no caminho até a Copa do Mundo da Rússia 2018, alguns eventos também ilustraram as relações entre o simbolismo da Seleção Nacional e o povo brasileiro. Dentro e fora das disputas esportivas.
A camisa da Seleção de futebol fora utilizada como “uniforme” em atos relacionados a pensamentos políticos voltados para a extrema direita e manifestações orquestradas por setores contrários ao Governo da Presidente Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, que culminariam com o Golpe Parlamentar, Jurídico e Midiático no ano de 2016. Isso afastou parte dos torcedores que discordavam desta parcela da população, muitos deixando de usar e se identificar com a camisa amarela da CBF. Pela internet, surgiram modelos alternativos, misturando ideologia política com futebol, substituindo as cores originais do uniforme pelo vermelho, com símbolos de partidos de esquerda.

No mesmo ano, contudo, mas com impacto menor nessa relação, a equipe conquistaria a primeira medalha de ouro olímpica em sua história diante do selecionado sub-23 anos da Alemanha, no Maracanã, nas Olimpíadas do Rio.
O time principal brasileiro também apresentou mudanças de representações em quatro anos. De Seleção desacreditada sob o comando de Dunga – que assumiu após a Copa de 2014, mas deixou o cargo de treinador em 2016 – à retomada de uma confiança e favoritismo para o próximo Mundial diante da nova comissão técnica liderada por Tite.
Às vésperas do torneio, enquanto o avião do time seguia para a Europa, a camisa Canarinho estava novamente nas ruas, aparecendo em manifestações após a greve dos caminhoneiros pedindo, entre diversas pautas, até uma intervenção militar!
São eventos que nos ajudam a entender o cenário edificado nos últimos anos, onde o estereótipo de “pátria de chuteiras” sofre com um processo de desconstrução no qual não temos mais a ligação entre Seleção e torcida como ideação majoritária.
Já escrevi por aqui que uma Copa moldou minha personalidade. Guiou minha vida. Tem relevância no que me tornei e trabalho. Por isso, ainda mantenho, mesmo com o olhar crítico e acadêmico, interesse pelo que está por vir.
(https://www.leme.uerj.br/2014/05/27/faca-copa-nao-faca-guerra-um-mundial-e-seus-fantasmas/)
Em 20 dias, o Brasil joga na Rússia cercado de expectativa. Não só pela estreia em campo, mas pela reação do torcedor. No ônibus que levará a equipe até o estádio de Rostov, uma frase estampada escolhida após enquete no site da Fifa: “Mais que 5 estrelas, 200 milhões de corações”. Cinco estrelas temos certeza. Já quanto ao número dos corações “em ação” pela Seleção, só ao longo da Copa de 2018 poderemos realmente contabilizar.