Os jogos Paralímpicos Paris 2024: como o legado do Comitê Olímpico Brasileiro estabelece novas expectativas sobre o desempenho esportivo no megaevento internacional

Por Lucas Matheus Feitosa

O esporte contemporâneo pode ser compreendido de diferentes formas e significados. A principal maneira é como uma manifestação que reflete as diferentes realidades socioculturais, socioeconômicas, construções de valores e normas positivas através do contexto cultural em que se inseriu (MARQUES; GUTIERREZ, 2014).

O Paralimpismo caracteriza-se como um subcampo esportivo que possui suas próprias configurações para ser operado, influenciado e, especialmente, compartilhado de modo significativo tanto para as Pessoas com Deficiência (PCD), quanto para as Pessoas sem Deficiência. O desenvolvimento do esporte fornecido ganhou importância a partir dos anos de 1990, graças ao processo informacional, mercadológico e financeiro que se mostrou promissor com a vinculação do profissionalismo esportivo junto à população indicada (MARQUES; GUTIERREZ, 2014).

É importante ressaltar que o fortalecimento do ambiente paralímpico se dá por meio de uma conexão eficaz e cuidadosamente construída nas relações hierárquicas, institucionais e de convívio interpessoal entre os indivíduos inseridos no ambiente. À vista disso, é necessária uma preparação social com as possibilidades de fomento para o desempenho de alto rendimento, educação esportiva e práticas de convívio entre os agentes envolvidos, objetivando o distanciamento dos estigmas preconceituosos e capacitadores¹.

Na busca do aprimoramento de ideias e aspectos específicos dentro do esporte adaptado, em suas mais diferentes áreas, o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) (2023), por meio de ações e programas, estabelece princípios que se caracterizam em quatro modelos crescentes de desenvolvimento esportivo : inclusão, iniciação, alto rendimento e medalhas. Entre as ações mais realizadas pelo Comitê, dependendo dos princípios categorizados pela instituição, estão:

  • Festival Paralímpico (Inclusão)
  • Paralimpíadas Escolares (Iniciação)
  • Paralimpíadas Universitárias (Transição para o alto rendimento)
  • Circuito Brasil Loterias Caixa (Alto rendimento, sendo o principal evento nacional de Para-Atletismo, Para-Natação e Para-Halterofilismo).
Festival Paralímpico na cidade de São Paulo, em 2022. Fonte da imagem: Alan Morici/CPB

O modelo adotado pelo CPB (2023) pode ser considerado exemplar no cenário do esporte adaptado mundial, uma vez que, desde a infância, os PCDs são educados para compreender os contextos culturais que estão inseridos, utilizarem o esporte como um momento de lazer e bem -estar e são auxiliados a desenvolver suas potencialidades como futuros/os atletas de alto rendimento.

De maneira complementar, é importante destacar que as iniciativas desenvolvidas pelo comitê não se limitam apenas aos grandes centros do país, mas abrangem grande parte do território nacional. No âmbito da formação, no ano de 2023, o CPB realizou o Festival Paralímpico em 180 localidades do Brasil em 27 unidades federativas, sendo também o primeiro ano com duas edições do programa, ocorrendo nos meses de maio e setembro (Comitê Paralímpico Brasileiro, 2023 ). Ao que diz respeito ao esporte para profissionais, o Comitê junto ao patrocínio das Loterias Caixa realiza o “Encontro Paralímpico”, que possui como objetivo o desenvolvimento esportivo nos municípios do país, não apenas oportunizando a competição, mas colaborando para os acréscimos de valores.

Outro ponto relevante a ser mencionado é a importância do Programa Bolsa Atleta para os membros da delegação brasileira que participaram dos jogos de Paris deste ano. Na edição anterior do megaevento, das 72 medalhas conquistadas pelo Brasil em Tóquio, 68 foram atribuídas aos membros do programa. O Bolsa Atleta atende esportistas que obtiveram bons resultados, que atendem aos critérios de inclusão, incluindo – e mantenham – atividades plenas de treinamento e alcancem resultados nas etapas qualificatórias determinadas pelas federações.

A partir da base de dados do Instituto de Pesquisa e Inteligência Esportiva (IPIE)², da Universidade Federal do Paraná (UFPR), vamos observar registros referentes aos valores distribuídos pelo Bolsa Atleta. Segundo o IPIE, o ciclo está caracterizado entre os anos de 2022 e 2024, ou seja, um ano a menos do que ocorre normalmente, por conta do acontecimento atípico da pandemia de COVID-19. Torna-se necessário considerar alguns fatores antes da análise:

  • Iremos observar atletas contemplados na categoria “Paralímpico”, visto que a bolsa é distribuída também para as classes chamadas: Atleta de Base, Estudantil, Internacional, Nacional e Pódio.
  • No momento da redação do texto, os dados não estão completamente fechados, visto que algumas vagas serão preenchidas pelos atletas, como também o fato de que o Ministério do Esporte abriu as inscrições do programa para o ano atual no dia 08/04/2024, existindo a expectativa da liberação de visualização da lista de atletas contemplados somente em meados de junho.
  • Não será possível uma análise direta dos valores comparativos brutos do ciclo de Tóquio e Paris, visto que o atual caminho paralímpico ainda não está fechado, mas poderá haver uma compreensão por meio da comparação de porcentagens entre ciclos até o momento.

Primeiramente, considere o valor total investido para a categoria paralímpica em comparativo com os dados olímpicos:

Gráfico 1 – Dados referentes ao ciclo paralímpico

Fonte da imagem: Instituto de Pesquisa Inteligência Esportiva

 

 

Gráfico 2 – Dados referentes ao ciclo olímpico

Fonte da imagem: Instituto de Pesquisa Inteligência Esportiva

 

É possível visualizar nos gráficos que os R$ 8.556.000,00 aportados aos atletas dos paradesportos, representam 38,09% de um montante total de R$ 22.458.800,00 aplicados aos esportes paralímpicos e olímpicos. Ou seja, ainda há uma preponderância significativa de apoio a atletas sem deficiência.

Além disso, o número de bolsas e atletas já contemplados possui uma variação bastante expressiva. Pode-se considerar ambos os casos de valor mercadológico e midiático ainda majoritariamente desenvolvidos para esportes olímpicos, o que acaba influenciando fortemente em diversas áreas do ambiente esportivo. Entretanto, é extremamente positivo o crescimento de aproximadamente 7% da contribuição destinada aos esportistas paralímpicos, quando comparamos ao investimento no ciclo passado que, lembramos, teve um período maior (4 anos) em relação ao atual, que não está finalizado e ainda terá maiores contribuições monetárias.

Outros temas a serem mencionados, e que possuem influências diretas na manutenção dos atletas, são referentes à regionalidade e ao sexo daqueles que participam do megaevento. A seguir, números referentes a essas questões serão apresentados:

Gráfico 3 – Dados referentes à regionalidade e sexo dos contemplados

Fonte da imagem: Instituto de Pesquisa Inteligência Esportiva

 

Dos atuais atletas que fazem parte do Programa na modalidade aqui discorrida (Paralímpico), nota-se um ambiente concentrado em parcelas sociais/populacionais do país. Historicamente, os atletas das regiões sul e sudeste do país são maioria nas delegações brasileiras do evento. Tal situação ocorre por conta da centralidade política e organizacional esportiva dos esportes adaptados do país em estados como São Paulo e Rio de Janeiro. Espera-se, entretanto, um maior número de atletas do Nordeste, Norte e Centro-Oeste quando as vagas são totalmente preenchidas, visto o trabalho nacional feito pelo CPB na coleta de talentos.

Na imagem também é disponibilizada uma percentagem comparativa entre os sexos, identificando-se um aumento significativo das mulheres contempladas com o programa. Pode-se referir isso a uma inserção feminina cada vez maior no esporte adaptado, que como um subcampo do esporte e, assim, uma manifestação da sociedade, teve a presença masculina majoritariamente presente ao longo dos anos (FELICIANO; ALVES; ALVES, 2021) .

Ainda referente ao investimento realizado, a delegação brasileira contou com o maior número de atletas em competições paralímpicas no exterior. Foram contabilizados 236 esportistas com deficiência (sem incluir atletas-guia, goleiros e timoneiro), sendo 225 integrantes do bolsa atleta (BRASIL, 2023).

É certo que o apoio financeiro se torne substancial para a manutenção dos atletas no esporte, gerando também o crescimento de participantes na competição. Não é incomum o abandono de atletas paralímpicos e olímpicos que se mantêm, nas práticas de suas respectivas modalidades, por meio de trabalhos em horários contrários ao seu desempenho como atletas de alto rendimento.

Em Tóquio, no ano de 2021, como já selecionado, o Brasil conquistou o total de 72 medalhas, sendo distribuídas em 22 de ouro, 20 de prata e 30 de bronze. Sendo assim, configura-se como a melhor campanha quantitativa de pódios em jogos, além de um 8º lugar geral no ranking mundial da competição (BRASIL, 2023). O sucesso crescente tornou o país como um forte concorrente nas competições paralímpicas, especialmente quando nos concentramos no atletismo e na natação, esportes que obtiveram resultados históricos nos recentes mundiais, com um segundo e quarto lugar nos rankings de medalhas nas respectivas modalidades.

É evidente que grandes potências como Grã-Bretanha, Austrália, China e Estados Unidos, têm expectativas sempre elevadas, porém o Brasil com o seu crescimento pode superar a sétima posição no ranking de premiações obtidas em Tóquio.

 

Fonte da imagem: Daniel Zappe/Exemplus/CPB

 

No que diz respeito à divulgação dos atletas nas mídias, o Comitê Paralímpico Brasileiro desempenha um papel relevante ao transmitir notícias sobre o desempenho esportivo dos atletas do país, bem como a divulgação de cada ação promovida pela entidade. As mídias sociais do CPB, em particular o X (antigo Twitter) e o Instagram, são as principais fontes de conteúdo sobre a causa do paralimpismo no Brasil, somando juntas mais de 290 mil seguidores.

Com frequência tem-se o uso das imagens dos atletas para promover competições, eventos e temas atuais que possam contribuir para o crescimento do campo, como celebrações em datas comemorativas, educação e histórias de atletas reconhecidos no cenário nacional e internacional.

Fonte da imagem: Instagram/CPB

 

Em seu livro “O que é deficiência”, a antropóloga Debora Diniz (2007) comenta sobre a causa opressora com a PCD, descrevendo que os fatores sociais são significativamente importantes para potencializarem ou prejudicarem o exercício de sua cidadania. Desta forma, podemos entender que o desenvolvimento de estratégias promovidas pelo Comitê Paralímpico Brasileiro são fundamentais para o crescimento do esporte adaptado no Brasil. Proporcionar aos atletas um modelo de inclusão e promoção da saúde e educação é um mecanismo de criação de atletas com grandes chances de atingir seus potenciais, mas também de compreender seu espaço na sociedade. Soma-se a isso, o fato dos programas políticos, como o Bolsa Atleta, agirem como um contribuinte importante para a permanência desses indivíduos no esporte de alto rendimento.

Aferimos, dessa forma, que o desenvolvimento exponencial do caminho paralímpico brasileiro aumenta e beneficia as expectativas para resultados futuros no megaevento a ser realizado. Isso não se resume apenas às competições e modalidades em destaque, mas também por toda a construção que, apesar de, sim, necessitarem de investimentos, garantirem um ambiente mais frutífero e livre das amarras preconceituosas.

Os Jogos Paralímpicos de 2024 em Paris aconteceram entre os dias 28 de agosto e 8 de setembro, com 22 modalidades e diferentes categorias válidas por medalhas. O Estarão apresenta 184 Comitês Paralímpicos Nacionais, com 4.400 dos melhores atletas paralímpicos do mundo. Inúmeros locais serão palcos de competições na “Cidade Luz”, entre eles temos o Stade de France e o Palácio de Versalhes. O evento, assim como as Olimpíadas, contará com cerimônias de abertura e encerramento. Você, leitor, terá a oportunidade de acompanhar inúmeras histórias sendo escritas e conquistas brasileiras em um dos maiores eventos esportivos do mundo.

 

Referências Bibliográficas:

 

BRASIL. Ministério da Cidadania. Jogos Paralímpicos de Tóquio encerram com recorde de ouros para o Brasil: Bolsa Atleta está presente em 94% de todas as conquistas de medalhas por atletas brasileiros [ S. I ] Ministério da Cidadania, 6 set. 2021. Atualizado em 31 ou. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/cultura-artes-historia-e-esportes/2021/09/jogos-paralimpicos-de-toquio-encerram-com-recorde-de -ouros-para-o-brasil . Acesso em 06 abr. 2024.

COMITÊ PARALÍMPICO BRASILEIRO. Festival Paralímpico Loterias Caixa 2023 é o 1º com duas etapas no mesmo ano; lembre-se da 1ª edição . 2023, Disponível em: https://cpb.org.br/noticias/festival-paralimpico-loterias-caixa-2023-eo-1o-com-duas-etapas-no-mesmo-ano-relembre-a-1a-edicao / . Acesso em 15 de abril. 2024.

COMITÊ PARALÍMPICO BRASILEIRO. Planejamento estratégico 2022 – 2024 . São Paulo. 2023. Disponível em: https://cpb.org.br/wp-content/uploads/2023/07/Planejamento-Estrategico-2022_2024_revisado.pdf

DINIZ, D. O que é deficiência . 1.ed. São Paulo: Brasiliense, 2007.

FELICIANO, N. F; ALVES, ML T; ALVES, IS Uma mulher com deficiência no esporte: perspectivas de atletas paralímpicos. In : CONGRESSO INICIAÇÃO CIENTÍFICA

INSTITUTO DE PESQUISA INTELIGENCIA ESPORTIVA: Instituto de pesquisa inteligência esportiva , 2014. Página inicial. Disponível em: < http://www.inteligenciaesportiva.ufpr.br/site/ > Acesso em 14 de abr. 2024.

UNICAMP, 29., 2021, Campinas. Anais eletrônicos … Campinas: Unicamp, 2021. Disponível em: https://proceedings.science/unicamp-pibic/pibic-2021/trabalhos?lang=pt-br . Acesso em: 14 abr. 2024.

MARQUES, RFR; GUTIERREZ, GL O esporte paralímpico no brasil: profissionalismo, administração e classificação de atletas. 1 edição. São Paulo: Forte, 2014.

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