Participação e desempenho de mulheres e homens do Brasil (2004-2016): um pequeno alerta.

Com Hugo Lovisolo.

Olhar para os atletas masculinos e femininos planteia um problema terminológico. Deveríamos falar do desempenho por gênero ou por sexo? No mundo das olimpíadas, parece que predomina o sexo biológico como base da classificação e o olhar como eliminador de dúvidas. O gênero aparece em declarações voluntárias de atletas que não sabemos se foram solicitadas. Diante das declarações voluntárias poderíamos pensar que se está pretendendo uma classificação por gênero?

Na Olimpíada inaugural de Atenas-1896, não houve mulheres. Em Paris-1900, a representação foi pequena. Temos que ir para Atlanta-1996 para que a participação feminina se aproxime de 30%; Sidney-2000 (46%) e Atenas-2004 (49%) são os pontos altos da curva. Em Londres-2012, a participação caiu para 47% e no Rio para 45%. Embora contemos com percentuais próximos aos 50%, as vozes que apontam a baixa participação das mulheres, e mesmo a descriminação, continuam sendo ouvidas.

Surge uma questão relevante: a participação igualitária deve ser um fato para respeitar o valor da igualdade ou a participação deve ser orientada pela probabilidade de medalhas, de sucesso? O critério da probabilidade das medalhas se aplica tanto à distribuição entre mulheres e homens quanto a qualquer modalidade esportiva se o objetivo da participação é a obtenção de medalhas. A probabilidade pode determinar desigualdades de natureza variadas (gênero e modalidade esportiva principalmente).

Tomemos os dados da participação de homens e mulheres do Brasil nas últimas quatro olimpíadas de verão:

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Tabela de atletas e medalhas por gênero

Iniciemos por 2004 em Atenas, isto é, lendo a tabela de baixo para cima. A participação é igualitária com 50% de homens e 50% de mulheres. Na coluna de medalhas, no entanto, podemos observar que os homens ganharam o 80% e as mulheres 20%. Em termos do índice “medalhas-atletas” os homens tiveram um desempenho 4 vezes superior ao das mulheres.

Em Pequim, 2008, a participação feminina foi 2% inferior à masculina. Entretanto, as mulheres ganharam 7% menos medalhas e, no índice, tiveram um placar um pouco menor que o masculino. Contudo, é necessário destacar a notória aproximação entre homens e mulheres em termos do índice medalhas-atleta.

A participação de 48% das mulheres se manteve em Londres. As mulheres aparecem com uma queda significativa no desempenho e ganharam apenas 35% das medalhas. A diferença do desempenho aparece clara no índice: 0,081 homens e 0,049 mulheres. Ou seja, a distancia volta a se fazer presente.

Já em 2016, Rio de Janeiro, as mulheres participaram representando o 45% dos atletas brasileiros. Contudo, apenas ganharam o 26% das medalhas, um percentual bem inferior ao da participação. O índice apenas reforça o dito: as mulheres tiveram um índice de 0,024 contra 0,054 dos homens, menos da metade.

Como resultado geral, temos três Jogos Olímpicos com grande distância entre a participação em termos de medalhas- atleta entre homens e mulheres e um jogo de considerável aproximação. A variação poderia ser explicada?

Um bom caminho comparativo é analisar os dados dos três países que lideraram o ranking de medalhas da última olimpíada de verão, no Rio de Janeiro. Podemos observar que, salvo no time olímpico do Reino Unido, encontramos maioria feminina nos times de Estados Unidos (53%) e China (61%). No time Britânico, 56% dos atletas eram homens.

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Tabela de atletas e medalhas por gênero nos países de ponta na Rio-2016

No quesito medalhas e desempenho, somente encontramos equilíbrio entre homens e mulheres no time olímpico dos Estados Unidos. Tanto o número de medalhas quanto os índices são praticamente iguais.

No caso de Grã Bretanha há uma considerável superioridade dos homens (0,29) sobre as mulheres (0,16) em termos do índice de medalhas/atletas.

A China apresentou uma delegação predominantemente feminina (61%). As participantes femininas da China tem o menor índice de desempenho entre os líderes, 0,09 medalhas/atletas, quase a metade do índice masculino de seu próprio país.

Pareceria que, independentemente do patamar de desempenho, sempre as mulheres tem índices menores de medalhas atletas. As diferenças são pequenas no caso dos Estados Unidos e grandes ou muito grandes no caso do Brasil, Grã Bretanha e da China. A desproporção leva a que o índice de medalhas/atleta no masculino, no caso dos dois últimos países superem ao dos EUA. Na verdade, isto apenas informa que o desempenho de seus atletas é muito superior ao desempenho de suas respectivas atletas mulheres.

Pesquisar as razões das diferenças parece ser importante, sobretudo, se resultam de investimentos semelhantes ao realizado no caso dos homens e das mulheres. Veja-se que a China aparece com uma participação maior de mulheres em relação aos homens e isto poderia sugerir um investimento talvez semelhante e um desempenho melhor das mulheres nas provas classificatórias, mas que não se mantém nas provas finais.

Emerge a questão: o que é feito nos EUA para que as diferenças entre homens e mulheres sejam pouco significativas? O que é feito na China, Grã Bretanha e no Brasil para que as diferenças de desempenho entre homens e mulheres sejam expressivas? Pareceria que podemos formular inquietantes perguntas de pesquisa se pensarmos que não se trata de meras curiosidades.

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Das sete medalhas de ouro conquistadas pelo Brasil na Rio-2016, apenas duas delas são femininas, com Rafaela Silva (à esq.) Martine Grael e Kahena Kunze (à dir.). Das 19 medalhas de ouro conquistadas pelo Time Brasil nos Jogos deste ano, 5 (26%) foram conquistadas por mulheres. Fotos: El país.

Em termos da política de desenvolvimento do esporte, parecem abrir-se duas opções. A primeira seria restringir a participação feminina e aumentar a masculina na procura de mais medalhas e índices melhores no caso de vigorarem grandes diferenças.

A segunda seria reforçar o planejamento do esporte feminino, tanto em termos de abrangência quanto de aprofundamento, para melhorar a participação das mulheres e, talvez, estudar detidamente os treinamentos e os relacionamentos nele envolvidos. Os processos de seleção para os Jogos podem ser também um campo de questões a serem resolvidas. A segunda opção pode implicar desigualar (equidade) a favor das mulheres em relação à escassez de recursos. Desigualar o processo em favor das mulheres não significa que os desempenhos se igualem nos resultados. É uma aposta que pode dar certo ou errado. Se der errada, pode significar um retrocesso no desempenho masculino e, consequentemente, no desempenho geral nos jogos.

Os dirigentes do esporte deverão pesquisar ou motivar pesquisas sobre os fatores ou razões para o desempenho feminino semelhante no caso dos EUA e inferior no outros três casos comentados.

Os nossos dados e considerações apenas servem para alertar. O trabalho de esclarecer ainda deverá ser feito.

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