Qual a punição para racismo no futebol brasileiro?

Mais uma temporada do futebol brasileiro se iniciou. Mesmo com atraso ocasionado pelo aperto do calendário da temporada 2020, por conta da Covid-19, a bola já está rolando pelos campeonatos estaduais ao redor do país. Além das discussões táticas e técnicas do esporte, um tema que certamente será recorrente em mais um ano será o racismo. Pensando na gravidade dessa situação, resolvo escrever esse artigo abordando principalmente o que diz a legislação da Justiça Desportiva do Brasil no combate desse crime. É sempre importante salientar o caráter criminoso que o racismo tem no Brasil, descrito tanto na vara civil/criminal, quanto na desportiva.

Ao final, trarei alguns dados referentes a aplicação da lei referente ao ano de 2019, com base na pesquisa sistêmica produzida pelo Observatório da Discriminação Racial no futebol e publicada no “Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol 2019”.

Justiça Desportiva

A Justiça Desportiva brasileira atua apenas na área administrativa e não pertence diretamente ao Poder Judiciário brasileiro. Ela tem o objetivo de fazer cumprir o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que é formado por um conjunto de instâncias autônomas e independentes das entidades de administração do esporte. A existência da Justiça Desportiva está prevista no artigo 217 da Constituição Federal e seu funcionamento é similar ao dos órgãos do judiciário brasileiro, que julga casos de acordo com denúncias realizadas por procuradores, por exemplo.

Diferentemente da legislação criminal brasileira, a Confederação Brasileira de Justiça Desportiva (CBJD), não faz a distinção dos crimes de injúria racial (art. 140, § 3º do Código Penal) e Racismo (Lei n. 7.716/1989). No Art. 243-G ele descreve “Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”.

Desde 2009, a Justiça Desportiva passou a julgar os casos de racismo de acordo com o esse artigo. Isso revogou a previsão de infrações individuais físicas e morais, criando outras condutas puníveis, incluídos pela resolução CNE nº 29 de 2009. Os casos são encaminhados à Justiça Desportiva (TJD e STJD) através de denúncias dos Procuradores, geralmente são baseados nas súmulas das partidas.

A pena por praticar um ato discriminatório no futebol brasileiro, de acordo com o STJD é suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Caso um torcedor seja denunciado por prática racista no futebol, por exemplo, ele será julgado e poderá ser suspenso de 120 a 300 dias e poderá pagar uma multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). A Justiça Desportiva ainda prevê outras punições a depender das circunstâncias que a situação ocorra.

1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente.

2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada a entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias.

3º Quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do art. 170.

Das espécies de penalidades

V – perda de pontos;

VII – perda de mando de campo;

XI – exclusão de campeonato ou torneio.

Registros de punições em 2019

Segundo o Relatório Anual da Discriminação Racial do Futebol de 2014 e 2019 houve um aumento de 235% nos casos denunciados de suspeita de racismo no futebol. Dos 67 casos registrados como “suposto caso de racismo”, até o fechamento do relatório, 53 (cinquenta e três) casos aconteceram nos estádios de futebol e poderiam ser julgados pela Justiça Desportiva quando a competição tem realização da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que possui prazo de até sessenta dias para tomar uma decisão, se houver denúncia, e/ou pela Justiça Comum (Cível e/ou Criminal). Um mesmo caso pode ser julgado nas duas esferas da Justiça, sendo que na Justiça Penal, processo Cível e/ou Criminal, nos casos de injúria racial, a vítima deve entrar com representação.

Dos 53 casos registrados nos estádios e identificados pelo Observatório da Discriminação Racial, em 13 o relatório obteve informações de julgamento pela Justiça Desportiva. Em 10 casos os julgamentos levaram a punições que foram de multa de R$ 400,00 + atleta suspenso por três partidas – a mais branda – até seis jogos de suspensão para o atleta julgado. Os outros três casos foram julgados e absolvidos pelo TJD ou STJD.

O Relatório apontou que em 2019 foram identificados 10 casos os quais existem a informação de que os incidente racistas constam na súmula do jogo, mas não foram encontradas informações de julgamentos dos incidentes raciais. Houve outro caso que o Relatório não encontrou informação que o incidente constasse na súmula, porém foi encontrado a publicação de uma “Manifestação de Repúdio”, da Federação o que comprova que a mesma teve ciência do fato, contudo não se encontrou informação de julgamento pelo TJD.

Já em outros dois casos os incidentes não constam na súmula da partida, porém manifestações do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) foram encontradas ao qual dizia que iria abrir inquérito para analisar as denúncias. Em um caso a investigação foi aberta pela entidade, mas não foi encontrado o resultado do processo pelo Relatório.

Dos sete casos que ocorreram via internet, em um houve registro de Boletim de Ocorrência que foi registrada no artigo 140 do Código Penal, como injúria, e o processo está em andamento na justiça. Em um caso o agressor foi identificado e suspenso pelo conselho do clube, ainda não de forma definitiva, neste mesmo caso a polícia civil abriu inquérito para investigar a situação, mas o documento não encontrou informações do andamento do processo. Nas outras cinco ocorrências não foram encontradas informações de qualquer procedimento por parte das vítimas, clubes ou autoridades

Em relação aos sete casos que ocorreram fora dos estádios e da internet, em cinco não foram encontradas informações sobre registro de ocorrência e/ou alguma punição aos envolvidos. Em um caso o Ministério Público, de São Paulo, denunciou o agressor, mas o Observatório não encontrou informações sobre o andamento do processo. Em um caso o clube expulsou o agressor do seu quadro de associados.

Foto: Reprodução

Fonte:

CÓDIGO BRASILEIRO DE JUSTIÇA DESPORTIVA, 2009.

Relatório da Discriminação Anual do Futebol 2019: https://observatorioracialfutebol.com.br/Relatorios/2019/RELATORIO_DISCRIMINCACAO_RACIAL_2019.pdf, acesso em 07 de março.

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