Dois anos atrás, nos arredores do templo budista Senso-ji, o mais antigo de Tóquio, máquinas faziam um ruído que afrontava a tranquilidade característica do local e da religião asiática. O mundo acreditava que os Jogos Olímpicos aconteceriam em julho de 2020, como era o previsto, então a obra não tinha tempo a perder.
O objetivo era recapear todos os 42 quilômetros de ruas por onde passariam os maratonistas durante os Jogos. Como os meses de julho e agosto são os mais quentes do ano na capital japonesa, havia o receio, por parte dos organizadores, de que o calor emitido pelo asfalto pudesse causar mal-estar nos atletas. Nos eventos-teste, vários corredores não se sentiram bem. O novo revestimento, portanto, dissiparia melhor o calor. Mutirões avançavam com o trabalho em todas as madrugadas, o único momento em que a frenética cidade permitia uma tarefa como essa.
No entanto, o esforço se tornaria inútil. Dois meses depois do início das obras, a maratona foi transferida para a cidade de Sapporo, no norte do Japão e de clima mais fresco. O novo asfalto virou uma cena incompleta e lamentável, símbolo do desperdício e síntese do dilema atual em torno dos Jogos Olímpicos: Tudo isso vale a pena? E para quem?
Paris e Los Angeles só vão sediar as edições de 2024 e 2028, respectivamente, porque o Comitê Olímpico Internacional (COI) chegou a um acordo com as cidades. Brisbane, na Austrália, só foi escolhida sede das Olimpíadas de 2032 por ter sido candidata única.
Quem chega para a festa só de quatro em quatro anos (ou em cinco por causa da covid-19) pode até não ter percebido antes, mas os dezoito dias de Jogos Pandêmicos de Tóquio trazem, como nunca antes, a inevitável pergunta: “Que diabos estamos fazendo aqui, no mais próximo do apocalipse que já vivemos?”. Nem mesmo os recordes e atuações de gala dos atletas podem calar essa pergunta.

Apenas 22% dos japoneses acham que os Jogos deveriam acontecer. A olimpíada que já seria a mais cara da história sem a pandemia deve ultrapassar R$ 90 bilhões com os gastos do adiamento por um ano e da adesão de protocolos sanitários. No Rio de Janeiro em 2016, foram R$ 41 bilhões.
O COI ganha muito e devolve pouquíssimo para levar sua “Família olímpica” em turnê a cada quatro anos. A cidade-sede, as autoridades locais e a população local, através de impostos, pagam pelas obras e estádios, enquanto o COI tem lucrado bilhões com a venda de direitos de transmissão para as TVs do mundo, ingressos e cotas para empresas patrocinarem o evento. Até os milhares de voluntários são uma forma de o COI não assumir tantas despesas.
Diante desse acordo tão desequilibrado entre as partes envolvidas, demorou até demais para políticos e cidadãos se movimentarem para evitar que suas cidades se candidatassem a receber os Jogos. A chama olímpica corre risco de se apagar, já que a honra de sediar os Jogos desapareceu, ainda mais com os recentes escândalos de compra de votos nos processos de escolha das olimpíadas no Rio de Janeiro e em Tóquio.
Resta de legítimo apenas o desejo de atletas de participarem do maior evento comercial do mundo camuflado de competição esportiva. Mas até que ponto a presença deles nos Jogos é para satisfazer esses interesses comerciais, em vez de um reconhecimento pelas inúmeras gotas de suor despejadas em treinamentos severos? As performances e os recordes são a força motriz da engrenagem que gera bilhões de dólares a patrocinadores e ao COI. Em troca, uma medalha. É muito pouco. Grande estrela dos Jogos de Tóquio, a ginasta Simone Biles, vivendo essa pressão desde criança, cansou, priorizou fazer apenas o que queria e deixou de lado algumas provas em que competiria. A prova de que o sistema está falido.
O objetivo não é acabar com os Jogos Olímpicos. O dia mais feliz da minha vida foi no Maracanã, em 5 de agosto de 2016, quando assisti à cerimônia de abertura no Rio de Janeiro. Mas da forma como são atualmente, as olimpíadas não despertam o melhor de nós.