Reflexões Pós Copa

Passado pouco mais de um mês do término da Copa do Mundo 2014, algumas reflexões sobre o noticiário brasileiro em torno do evento podem suscitar debates interessantes.

O primeiro ponto que gerou muitos questionamentos logo após a goleada de 7 a 1 sofrida pela seleção brasileira diante da seleção alemã diz respeito à “crise do futebol brasileiro”. Curioso notar que esta expressão impregnou o noticiário esportivo brasileiro de meados da década de 1970 até meados da década de 1990. O tema foi, inclusive, o cerne da minha pesquisa de doutorado defendida em 1994 no Departamento de Sociologia da New York University. Tese esta que se transformou no livro Passes e Impasses: futebol e cultura de massa no Brasil, editado pela Vozes, em 1997.

A tal “crise do futebol brasileiro”, da maneira como era narrada pela imprensa, dizia respeito a alguns fatores inter-relacionados, quais sejam: a) queda de públicos nos campeonatos: b) desorganização dos campeonatos locais (falta de um calendário); c)a  pobre situação financeira dos clubes (gestão amadora nos clubes): e d) êxodos dos melhores jogadores para o exterior.

Logo após a Copa de 2014, o termo “crise” apareceu de novo, agora significando “atraso” do nosso futebol em termos de preparação física e defasagem tática em relação ao futebol praticado na Europa. Debateu-se, inclusive, sobre a vinda de técnicos europeus para dirigir a seleção. Em nenhum momento se questionou que nossa seleção era formada majoritariamente por atletas que jogam em clubes europeus, portanto, conhecedores das supostas táticas praticadas naquelas terras. Atrelado ao debate veio também o questionamento de que nosso problema estaria na base, na formação de nossos jogadores, com afirmações de que os que dirigem nossos jovens preferem um jogador alto e forte a um baixo e talentoso. Não se questionou que nosso craque maior, Neymar, é baixo e talvez até “fraco” muscularmente, assim também como o é Oscar que o segundou na seleção. Como também são baixos os que, na opinião de muitos, poderiam ter sido convocados e não foram, como Lucas, Philippe Coutinho e Robinho.

O fato é que precisamos de comprovação empírica para afirmar categoricamente que nossos treinadores da base preferem um atleta alto e forte a um baixo e talentoso. Minha hipótese é que a preferência por atletas mais fortes ocorrerá sempre entre jogadores com talento similar. Entre um com talento muito superior dificilmente o treinador optaria por outro mais forte e com menos técnica. De qualquer forma, este é um bom objeto de pesquisa.

Outro assunto que veio à tona logo após a goelada diante da Alemanha foi sobre o impacto da derrota nas eleições de outubro. Sempre respondi aos que me perguntaram (e não foram poucos os jornalistas que me questionaram) assim: nenhum. Não temos pesquisa de comportamento do eleitor que faça esta correlação. E desde 1998, temos visto que a correlação futebol-Copa do Mundo não se sustenta diante das evidências. Mas parece ainda hoje soar como opinião culta associar as vitórias e derrotas da seleção em Copas aos resultados das eleições presidenciais que ocorrem três meses após.

No meio deste debate, muitos acreditavam que a derrota humilhante por 7 a 1, teria um forte impacto na autoestima do brasileiro. Todos os que torcem para um time e que acompanham futebol no cotidiano conhecem o sentimento de alegria e o de tristeza que permeiam o universo deste esporte. Sentimentos efêmeros que se esvaem na partida ou campeonato seguinte. Uma derrota por goleada sempre deixa marcas na torcida que a sofreu. No entanto, já faz algumas décadas que o torcedor brasileiro torce mais para seu clube local do que pela seleção brasileira. A humilhação foi sentida e durou alguns dias, talvez uma semana ou pouco mais. Mas logo após já estavam todos ligados nas colocações de seus clubes no Campeonato Brasileiro. E o Brasil não ficou pior por conta da derrota, nem teria ficado melhor caso conquistasse a Copa. Creio que o brasileiro já entendeu isso faz tempo.

Por último, mas não menos importante, convém lembrar o acirramento da rivalidade entre brasileiros e argentinos. Por décadas, os brasileiros elegeram a Argentina como o rival a ser batido. Ficou famosa a frase alcunhada, creio, por Galvão Buenos de que “ganhar é bom, mas ganhar da Argentina é melhor ainda”.  Fazemos piadas sobre argentinos, muitas delas, com forte carga moral negativa. Temos personagem argentino em programa humorístico sendo tripudiado semanalmente. Nossa publicidade em períodos de Mundial se farta de zombar dos argentinos. Agora quando eles começam a revidar e cantar musiquinha contra nós, nos sentimos ofendidos e nos fazemos de vítima. Como diz o ditado: não sabe brincar não desce para o play. Meu receio é o de que as relações entre brasileiros e argentinos tenham extrapolado o terreno sadio das relações jocosas, próprias do universo futebolístico, para o da intolerância perigosa. É preciso mais responsabilidade dos meios de comunicação de ambos os países ao tratar desta rivalidade.

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