Resenha crítica sobre “The Queen of Basketball”

Por Hugo Lage, Jean Ferreira e Rodrigo de Araújo.

Uma obra necessária. Talvez essa seja a melhor definição para o documentário “The Queen of Basketball” (A rainha do basquete), obra dirigida por Ben Proudfoot e com Stephen Curry e Shaquille O’Neal como produtores executivos, ambos astros da NBA. Além deste documentário, Proudfoot também co-dirigiu o “A Concerto in Conversation”, duas obras com algumas semelhanças, especialmente ao tratar de pessoas negras que conseguiram superar as gigantes barreiras raciais nos EUA dos anos 50 e 60.

Para quem gosta de esportes, especialmente o basquete, o filme “The Queen of Basketball” é fundamental para entender o papel de Lusia Harris, uma das pioneiras do basquete feminino nos EUA. Única mulher convidada para ser jogadora de um time da NBA, Lucy, como era carinhosamente chamada, tem uma história que merece ser exaltada. Esse é um ponto de destaque do filme. Suas glórias esportivas como o tricampeonato nacional na universidade, o chamado da NBA, o fato de ter feito a primeira cesta nos jogos olímpicos em sua modalidade e a prata na mesma edição. Todas são conquistas que merecem celebração.

Na linha do que argumenta Goulart (2018), o documentário se aproveita da nostalgia para criar uma narrativa na qual seleciona momentos de alegria e felicidade. É a seletividade do passado. Não há, necessariamente, um mal nisso, tendo em vista que o passado é contado e reconstruído diversas vezes. Vale ressaltar que, no âmbito esportivo, a escolha da direção em ocultar momentos ruins é nítida. Nas cenas de lances de jogos, Lucy não comete erros, ela sempre pontua e é o destaque das partidas. Entendendo que até uma jogadora do mais alto nível como ela comete erros, é importante destacar essa escolha do filme.

Apontar essa questão não é uma forma de desmerecer a história da protagonista. Lusia, uma mulher negra estadunidense, venceu. Em uma sociedade marcada pelo racismo, na qual os negros só tiveram direito a voto na década de 1960, e também na qual o Ensino Superior não é público, Lusia se graduou. Seus filhos também conseguiram diploma de nível superior. Toda sua família entrou na Universidade.   

Outro ponto relevante na construção narrativa nostálgica é que quando o time perdia, os vídeos mostrados eram apenas das companheiras de Lucy errando. Isso acaba criando uma aura quase divina para a protagonista, como se ela não errasse. Vale destacar um silêncio na parte esportiva do documentário. Nas Olimpíadas de 1976, a seleção americana ficou com a prata, e quem ganhou a final foi a URSS, rival política, econômica e esportiva durante a Guerra Fria. Para não estragar o sentimento nostálgico, o filme opta por não nomear esse fato.

Em outro momento da narrativa que remete ao passado, Lusia mostra fotos antigas, reportagens e vídeos falando sobre o passado dela. A discussão em torno dos grandes momentos da vida de Lucy no basquete é traçada em uma conversa bastante carismática, O resgate da carreira de da protagonista vai além da identificação dela como a primeira mulher negra a entrar no hall da fama dentro do esporte. Mostra, da mesma forma a compreensão de sua atuação nas Olimpíadas e jogos importantes. 

Fonte: JustWatch

Não se atendo apenas as  histórias de Lucy, o filme também conta com imagens de lendas da NBA. Em diversos momentos, são mostrados jogadores como Magic Johnson, Larry Bird, Michael Jordan, Wilt Chamberlain, Kareem Abdul-Jabbar, Oscar Robertson. Mesmo que de forma indireta, só com a presença dessas figuras, a memória coletiva, aqui não sendo algo negativo e repressor (POLLAK, 1989), é reavivada. Para os fãs da modalidade, ao ver essas imagens e perceberem que Lucy tinha nível para estar no mesmo patamar esportivo dessas estrelas, só aumenta a estima e a valorização dela.

Em outra face do documentário, Lucy trata da sua vida pessoal. Ela revela que tem um problema de saúde, a bipolaridade. Contudo, nada parece que pode impedi-la de ter sucesso. Mesmo  não seguindo carreira profissional, pela ausência de uma liga de basquete feminino, não conseguindo um emprego logo de cara, o tom do documentário ainda consegue se manter positivo. Logo em seguida, ela fala que seus maiores sucessos são sua família e a educação. Lucy argumenta que faria tudo de novo, não se arrepende de nada do que fez. Mais uma vez, o elemento nostálgico é reforçado. Aqui, o passado é visto como um caminho que deveria ter acontecido, mesmo com percalços, pois, no final, deu tudo certo.

Apesar de ser um ótimo filme, há questões que causaram incômodo. Uma obra que fala de uma mulher negra nos EUA dos anos 60 quase ignorar o racismo é bastante estranha. Ainda que tenha sido comentado indiretamente, como na cena em que Lucy fala ser a única atleta negra da universidade, pouco se aborda sobre esse tema tão importante. Parece ser uma opção da narrativa para tentar não ter episódios tristes e tirar o clima positivo da nostalgia. O machismo é melhor tratado quando a protagonista comenta sobre não poder continuar sua carreira pela falta de uma liga feminina profissional, ou pelo fato dos atletas homens estarem ricos, e ela não. No entanto, ao final, o filme os coloca no mesmo nível, visto que todos acabaram indo para o Hall da Fama do basquete.

Ao analisar “The Queen Of Basketball”, juntamente com a leitura do artigo “Mercado da nostalgia e narrativas audiovisuais” (GOULART, 2018), a sensação é de que o mercado para se vender memórias é quase inesgotável. Com as ausências do filme, outro poderia ser feito usando uma perspectiva diferente que, ainda assim, fosse nostálgica. Talvez voltada para uma visão mais crítica da sociedade da época que Lucy jogou. As histórias podem ser contadas várias vezes e haverá consumidores. Há sabedoria no passado, que pode ser usada pelo mercado. 

Referências:

GOULART, Ana Paula. Mercado da nostalgia e narrativas audiovisuais. E-compós, Brasília, v. 21, n. 3, set/dez. 2018.

POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento, silêncio.” Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 1989.

One thought on “Resenha crítica sobre “The Queen of Basketball”

  1. Muito bom conhecer uma pioneira do basquete. Graças a Lusia Harris e tantas outras atletas de coragem e persistência, o mundo se torna um pouco melhor! Não assistimos ainda ao documentário, mas estamos animadas porque é muito bonito querer homenagear os feitos das pessoas importantes no esporte, nas artes e em todas as áreas, mas que em muitas ocasiões são esquecidas injustamente, devido à ausência de registros históricos em uma sociedade que parece às vezes não preservar a memória.

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