Resultado histórico nas Paralimpíadas de Paris 2024, visibilidade ainda não

Ainda sob os efeitos da história escrita por atletas brasileiras e brasileiros em Paris durante 10 dias dos Jogos Paralímpicos de Verão 2024, hora de avaliar como o público do Brasil pôde acompanhar as 89 medalhas que deixaram o país no 5º lugar no quadro geral, com recorde no total e na quantidade de ouros (25).

O Grupo Globo deteve os direitos exclusivos do torneio no Brasil e era de se esperar que a super cobertura de semanas antes dos Jogos Olímpicos de Paris não se repetissem nas Paralimpíadas. Entretanto, adiantamos que esperávamos mais do que foi visto há 3 anos.

Fonte da imagem: prints feitos pelo autor do texto.

Ainda menos na TV aberta

Acompanhamos apenas a semifinal do futebol de cegos entre Brasil e Argentina na TV aberta – com promessa de, caso o Brasil tivesse passado para a final, este jogo também estaria ali na tarde do sábado (07).

Por um lado, a aposta parecia novamente certeira, considerando que a equipe de Nonato, Ricardinho e companhia jamais perdera na competição – e continua assim, considerando a eliminação nos pênaltis desta vez –, mesmo vindo de um terceiro lugar no último mundial. Por outro, reproduz-se no paralímpico a hegemonia do futebol dentre outros esportes no Brasil. Neste megaevento, mesmo tão vencedores e com maior diversidade de medalhas na competição.

Com estrelas como Gabrielzinho (sucesso, inclusive, com o público local) e Carol Santiago, para ficar nos grandes nomes da natação brasileira fortalecidos em Paris 2024, é inimaginável que ninguém tenha pensado na Rede Globo em entradas ao vivo ao longo da programação nem que fosse, ao menos, para mostrar no primeiro intervalo comercial logo após mais um ouro.

Algo mais parecido com isso apenas no “Volta Paralímpica”, boletim, logo, rápido por não ser um programa, ao final do dia de competições. Em tempos de mídias sociais, com síntese de atividades por competição no GE, site do grupo, e do dia no canal do YouTube do GE, parece muito pouco – e até bem menos que os vídeos da internet.

Fonte da imagem: prints feitos pelo autor do texto.

 

Poderia ser mais na TV fechada

Na TV fechada, da mesma forma que nas Olimpíadas, o Sportv2 foi a prioridade para a competição multidesportiva, com o canal principal seguindo com as transmissões corriqueiras do futebol masculino, da Série B às Eliminatórias da Copa do Mundo FIFA e a Liga das Nações europeia.

Às vezes, havia sinal extra (Sportv4 e no Globoplay) para quando fosse necessário, com abertura, encerramento e algumas competições mais para o final do dia, no horário do “Conexão Paris”, com reprodução no canal do GE no YouTube – o máximo de sinal aberto gratuitamente para o grande público.

Uma das maiores reclamações foi de não ter a liberação do sinal do Comitê Paralímpico Internacional (IPC) para outros canais Sportv, como houve nas Olimpíadas. Pior, houve escolha de quais esportes ganhariam transmissão, 8 em 22: futebol de cegos, vôlei sentado, atletismo, natação, golbol, judô, ciclismo e basquete em cadeira de rodas.

Competições como as de halterofilismo (dois ouros), tiveram entradas em trechos da disputa. Curiosamente, enquanto isso, o basquete em cadeira de rodas recebeu transmissão mesmo sem equipe brasileira nos dois naipes. Ciclismo, que não entregou pódios ao país, também teve cobertura extensa. Da mesma forma, o vôlei sentado, com direito às transmissões de finais no masculino e no feminino, sem Brasil.

Parece-nos que nestes casos, houve a escolha do potencial de basquete e vôlei no Brasil, com transmissões rotineiras pelo Sportv justamente no seu segundo canal. Porém, é esquisito que na lógica de “o segundo esporte brasileiro é o com alguém do país vencendo” tenha se dado tanta exposição para esses (sem ou após a eliminação das equipes nacionais).

Fonte da imagem: prints feitos pelo autor do texto.

Outras possibilidades

Importante destacar ainda que nenhum outro grupo midiático transmitiu as Paralimpíadas. O IPC fez acordo global com o YouTube, o que parecia ser positivo pelo costume no uso desta plataforma para acompanhar esportes e transmissões ao vivo, além das facilidades de ordem prática em comparação com um site, como ocorreu há três anos, em Tóquio.

Porém, o canal das Paralimpíadas 2024 foi bloqueado por aqui, geolocalização por direitos exclusivos do Grupo Globo, logo após a transmissão da abertura. Apenas no terceiro dia houve o desbloqueio do canal. A transmissão era em língua inglesa, mas servia para acompanhar as competições que estavam sem transmissão nos poucos canais do Grupo Globo.

Fonte da imagem: prints feitos pelo autor do texto.

Conteúdo narrativo

Não poderia deixar de tratar do conteúdo sobre a competição. Neste ano, houve campanha do IPC para que atletas com deficiência fossem percebidos como são, esportistas de alto rendimento, com menos foco nas histórias de superação pessoal, reforçando proposta já presente, ao menos na cobertura brasileira, no megaevento de Tóquio.

Isso me chamou a atenção porque havia me incomodado com o excesso de lembrança sobre o acidente de criança com o Alison dos Santos, o Piu, medalhista de bronze dos 400m com barreira nas Olimpíadas de Paris 2024. Além de ser a segunda medalha seguida nessa competição, tratava-se de todo um ciclo em que Piu formou o triunvirato histórico na disputa que, de tanto destaque, virara a última atividade do atletismo.

Quero dizer com este exemplo que a “narrativa do herói/heroína”, alguém que ganhou algo relevante após dificuldades, faz parte do discurso da cobertura esportiva desde que o esporte se   a partir de veículos de comunicação. No caso do desporto paralímpico, que precisa atingir maior público, cair nisso seria ainda mais fácil.

A minha percepção, sem acompanhamento de conteúdo ou discurso com o maior cuidado metodológico após a transmissão ao vivo, é que temos um estudo de caso interessante para a cobertura esportiva nacional. A “narrativa do herói ou da heroína” foi colocada em segundo plano, com o destaque para a grande competidora ou competidor num resultado na principal disputa internacional, seguindo o modelo indicado pelo IPC.

Não à toa que Verônica Hipólito, bronze em Paris 2024, mas comentarista do grupo nas competições paralímpicas anteriores, fez a ponderação sobre isso, antes de comentar em entrevista após conquista, que a sua medalha de bronze no atletismo representava algo grandioso para tudo o que ela passou nos últimos anos com tratamentos de saúde e novas formas de lidar com o próprio corpo.

As considerações sobre acidentes ou questões de saúde ligadas ao nascimento seguiram sendo substituídas pela diferenciação das classes em disputa, com destaque para as explicações de Clodoaldo Silva em cada prova da natação – ex-atleta e que seguiu como uma das referências na competição pelo seu carisma e conhecimento transmitido.

Na única transmissão ao vivo na TV aberta, percebi que o repórter Guilherme Pereira focou bastante na adaptação do público para a compreensão sensitiva necessária para o futebol de cegos, tratando dos avisos de silêncio ao público na arena, dos guizos da bola e da escuta do chamador. No Sportv, transmissões dentro do padrão do futebol, respeitando a especificidade deste.

Em compensação, no que acompanhei, avalio que desta vez houve menos audiodescrição para pessoas cegas ou com deficiências visuais. Além de, em outros esportes, a explicação das diferentes classes também ter sido um pouco menor.

Fonte da imagem: prints feitos pelo autor do texto.

Considerações para pesquisas

Após Tóquio 2021, escrevi aqui um ensaio sobre a cobertura midiática do evento, finalizando com: “Aguardemos que o aumento do interesse a cada edição dos Jogos Paralímpicos amplie as formas de transmissão daqui a três anos em Paris”. A resposta é que a expectativa foi frustrada.

Com todo o discurso construído nos últimos anos pela diversidade também na TV aberta, o que representa a maior presença do futebol de mulheres nacional na Rede Globo, é preciso a compreensão que isso também deve passar necessariamente pelas Pessoas com Deficiência (PCD). Não evoluir na cobertura é, no mínimo, estranho. Mais ainda se a justificativa passar por falta de interesse de marcas para publicidade – o que daria outro texto e outra discussão.

Repetimos há anos que o que interessa ao público nacional de esporte é aquele que tem alguém do país vencendo, como não ter maior transmissão de algo que gera 25 medalhas de ouro, 89 medalhas no total? Onde está o valor-notícia da cobertura esportiva?

Não entrei aqui na cobertura por sites e perfis de mídias sociais. O GE fez boa cobertura, mas havia pouco mais de atraso em algumas atualizações no site do que o normal – quadro de medalhas, principalmente. Além disso, acompanhei pelo Instagram o bom trabalho da CazéTV – que chegou a anunciar medalha antes do Sportv, que não conseguiu exibir ao vivo o ouro de Talisson Glock (figura acima) – e do Ninja Esporte Clube, além do perfil do Brasil Paralímpico.

Estes e outros temas merecem novas e duradouras pesquisas – inclusive, quem quiser estudar isso no Observatório das Transmissões de Futebóis é só entrar em contato. Os estudos sobre esportes e comunicação no Brasil têm avançado além do futebol profissional masculino na última década, com trabalhos em eventos e em nível de pós-graduação tratando aqui e ali de acessibilidade ao conteúdo audiovisual esportivo e do movimento paralímpico. Com a evolução em potência multidesportiva, precisa-se chegar a ainda mais trabalhos específicos.

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