O desfile da tradicional escola de Ramos, Imperatriz Leopoldinense, esse ano homenageia um dos maiores craques do futebol brasileiro e ídolo maior do time mais popular do Brasil. A mistura de samba e futebol é comum nos carnavais, sendo que enredos, blocos e até mesmo escolas de samba fazem referência ao esporte e podem ter como base torcidas organizadas como as paulistas Mancha Verde e Gaviões da Fiel. Inclusive já abordei esta relação em post pretérito.
Apesar de ser apenas um débil admirador das festas carnavalescas acredito que os sambas-enredo se constituem na aura dos desfiles. Eles têm a função de promover a empatia do público com a agremiação carnavalesca e, independentemente dos critérios formais e técnicos dos polêmicos jurados, são fundamentais para estabelecer o elo entre os torcedores/espectadores e os integrantes de cada escola durante o espetáculo.
Nesse sentido, busquei fazer um exercício anacrônico e deveras superficial de análise da letra de “Arthur X, o reino do galinho na corte da Imperatriz” e me surpreendi com algumas observações que podem ser excessivamente intelectuais, mas como tanto o futebol quanto o samba felizmente chegaram à Academia, me arrisco a compartilhar convosco devaneios de um fã. Segue o samba-enredo que homenageia o atleta dos compositores Elymar Santos, Guga, Tião Pinheiro, Gil Branco e Me Leva (escute-o aqui):
O dia chegou!
Em meus olhos, a felicidade.
Te fiz poesia, pra matar a saudade…
Imperatriz vai me levar
A um reino encantado,
Um menino a sonhar…
Cresceu driblando o destino,
Venceu as barreiras da vida…
Fardado nas cores da nação,
Armado de raça e paixão,
Nos pés, o poder!
Vencer, vencer, vencer!“Oô”, o povo cantava…
Domingo, um show no gramado!
Com seus cavaleiros, Arthur se tornava
O “Rei do Templo Sagrado”!Caminhando mundo afora…
O seu passaporte, a bola!
Da Europa ao Oriente,
Grande “Deus do Sol Nascente”,
Outros reinos conquistou…
À sua pátria amada, então, voltou.
Hoje, mais do que nunca é o seu dia,
Vamos brindar com alegria,
Trazer de volta a emoção.
Com toda humildade, vem ser coroado,
Vestir o meu manto verde, branco e dourado!
Quem dera te ver por mais um minuto,
Na arquibancada, todo mundo canta junto:Da-lhe, Da-lhe, Da-lhe Ô
O show começou!
Da-lhe, Da-lhe, Da-lhe Ô
Um canto de amor!
Imperatriz me faz reviver…
Zico faz mais um pra gente ver!
Na primeira estrofe após um breve exórdio de aclamação ao público presente, comum nos sambas-enredo e tradicional em quase todas as escolas, destaca-se versos que exaltam a trajetória do herói no modelo seguido por Joseph Campbell em “Mil faces do herói”. O sonho do menino que driblou o destino, ultrapassando as barreiras da vida vestido com as cores nacionais é uma síntese de muitas biografias e até de artigos acadêmicos na área da comunicação a partir da análise de um discurso lugar comum dos veículos da imprensa. Romário, Ronaldo e o próprio Zico entre outros já tiveram suas trajetórias descritas por jornalistas e estudiosos nesta linha interpretativa.
Os refrãos são odes à espetacularização, fenômeno que se intensifica a partir dos anos oitenta, tanto do futebol com a alusão ao show no Maracanã, estádio onde o jogador é o principal artilheiro e conquistou diversos títulos, quanto aos desfiles na Apoteose com a coroação do jogador vestindo as cores da Imperatriz bem distintas do vermelho e preto, e, sendo reverenciado metaforicamente como um personagem mitológico medieval, o Rei Arthur da távola Redonda.

Esse talvez seja o elo histórico da reverência ao ídolo rubro-negro com o enredo da Imperatriz Leopoldinense que tem como marca principal, segundo seu site oficial, a História. A escola que possui oito títulos do carnaval carioca teve marcantes vitórias abordando temas como a Proclamação da República em 1989 com o memorável samba-enredo “Liberdade, Liberdade, abre as asas sobre nós” ou a chegada de Pedro Álvares Cabral em “Quem descobriu o Brasil foi seu Cabral no dia 22 de abril, dois meses depois do Carnaval”. Provavelmente o elemento Arthur X seja a ponte para o luxo das alegorias, fantasias e competência técnica de uma escola reconhecida por ser a “certinha de Ramos” em muitas das suas vitórias. Temos que esperar para ver o andamento do desfile e as notas cinzentas da quarta-feira da ressaca para saber se o jogador inspirará um novo triunfo, desta vez fora dos gramados em uma passarela feita de concreto e sonhos. O presidente da Escola afirmou que a escolha de Zico tem a ver com o ano da Copa do Mundo e com a idolatria de torcedores de outros clubes também. Ver mais sobre o desfile aqui.
E por falar em conquistas, a última estrofe narra o reconhecimento internacional obtido pelo craque em todo o mundo, seu retorno para casa tal qual Ulisses após a Odisséia, para ser idolatrado no palco do maior espetáculo carnavalesco planetário assim como foi no Maracanã. É a celebração em dois importantes locais de memória da “cidade maravilhosa” na acepção de Pierre Nora, pois apesar de ter participado diversas vezes como destaque do carnaval carioca será um desfile de celebração com samba, idolatria e paixão.
Em 1978, antes do mundial com a Argentina, Zico estava com o alemão Helmut Schon, técnico da seleção então campeã do mundo (1974), entalado na garganta, e respondeu com os pés críticas recebidas vencendo um amistoso contra os germânicos por 1×0 ( gol do cavaleiro Nunes). Agora chegou o momento de seus súditos/fãs soltarem o grito e mostrarem na passarela do samba para os “gringos” mais uma vez que o galinho é craque, rei rubro-negro e ídolo brasileiro. Boa folia momesca.

Excelente artigo!!
O galinho merece receber essa homenagem em vida pelo que representa não só para o Flamengo mas também para o futebol mundial.
Um ícone do esporte.