Por Glauco Costa
O futebol é uma paixão mundial porque ele é adorado na maior parte das nações existentes no planeta terra. A construção desse sentimento se deu por meio de ações que começaram há mais de 100 anos no cotidiano de várias sociedades, ou seja, a origem de tanta paixão está relacionada ao desenvolvimento diário e local de uma prática esportiva. No bojo desse processo, sobretudo no Brasil, tivemos concomitante a criação de muitos clubes esportivos, o nascimento dos torneios estaduais, ainda que alguns tenham surgido como competições locais/regionais (bairros). Curiosamente, mais de um século depois, estes catalisadores do crescimento futebolísticos são vistos por alguns como obstáculo ao “progresso” futebolístico.

Boa parte das pesquisas sobre esporte no Brasil consideram o futebol como um símbolo nacional. Boris e Frías alinham tal perspectiva e a amplia ao considerar como uma característica mundial:
Desde los inicios del deporte moderno, en la segunda mitad del siglo XIX, la misma época del nacimiento del nacionalismo a partir de las revoluciones liberales, la invención y desarrollo de muchos deportes se encontraba ya ligado a motivos nacionalistas. […] El nacionalismo en el deporte internacional no solo repercute en los deportistas, los aficionados son parte esencial de la transmisión de los sentimientos e identidades nacionale.[1]
Portanto, futebol e nacionalismo surgem como agentes de um processo relacionado à modernização na transição do século XIX para o XX. No entanto, o Nacionalismo é um tema de difícil definição e um dos exemplos que corroboram esta hipótese está na falta de um autor símbolo do assunto, como existe para outros tópicos também definidos por “ismos”. Não obstante, as comunidades nacionais imaginadas apresentam elementos em comum, como o território definido, a identidade nacional e os valores comuns. Assim, a prática futebolística pode ser vista como algo valioso para determinadas comunidades e que, a partir deste elemento de semelhança, desenvolve traços identitários dentro de uma região.
O aspecto regional e/ou local é, dessa forma, um item central no desenvolvimento do futebol. Foi nas ruas e terrenos baldios de bairros perto de grandes centros urbanos que o ludopédio nasceu, cresceu e se desenvolveu ao ponto de se tornar um símbolo nacional. No meio desse caminho surgiram as competições de bairro, cidades, regiões e estados, isto é, nasceram os precursores dos torneios estaduais. No Brasil, tais disputas ocorrem até a atualidade, mas muitas vezes são vistas como um peso, ou seja, com traços de negatividade ante a globalização existente no mundo esportivo e que, de forma hierarquizada em termos financeiros e de status, lançam competições internacionais e nacionais, cujos critérios classificatórios dão acesso àquelas, como superiores e, por isso, os torneios mais antigos são vistos como inferiores.
A integração das nações existentes no globo terrestre que também pode ser denominada como Globalização pode ser um processo que acompanha a existência humana desde o surgimento do Homo Sapiens, como aponta Eric Dunning (2009), mas é impossível negar a sua especificidade a partir do século XX, sobretudo no que tange à padronização de costumes com a vitória do capitalismo na Guerra Fria. Assim, ela permite integrações importantes, mas muitas vezes o preço para isso é a desintegração de interesses locais e nacionais, como vem ocorrendo no futebol brasileiro nos últimos anos e tem como uma de suas principais consequências o desapego às competições locais e regionais também conhecidas como Campeonatos Estaduais.
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), responsável por organizar os calendários de jogos dos times profissionais no Brasil, já planeja uma nova redução das datas disponíveis para esses torneios. A ideia da entidade é que, a partir de 2026, haja menos datas disponíveis para essas disputas, o que, consequentemente, exigirá uma redução nos times que as jogam. O motivo para essa transição não ocorrer já em 2024 é que existem contratos de transmissão de jogos e publicidade assinados até lá.[2]

Gradualmente, os torneios locais que foram a base para o desenvolvimento de uma paixão nacional vão perdendo força ante a um mundo globalizado. Não é de hoje que tal discussão acontece, mas na atualidade ela ganha novos arranjos de desintegração ao passo que a padronização dos costumes se torna ainda mais forte. No Brasil, o Campeonato Brasileiro já segue o mesmo modelo existente no futebol europeu, inclusive no que tange às premiações. Após 2014, com a realização por aqui da Copa do Mundo de Futebol Masculino, os estádios e os torcedores tornaram-se ainda mais assemelhados ao que se vê no Velho Mundo por meio do processo conhecido por Arenalização, sendo este mais um exemplo de um movimento global que se impõe sobre características locais.
Mais acima, vimos a Globalização como um processo que, dentre outras características, tem a padronização dos costumes como algo marcante. Isso é um fato que, no futebol brasileiro, tende a tornar os Campeonatos Estaduais cada vez menores e, um dia, inexistentes. Junto com a padronização, temos a desintegração de costumes locais para dar espaços a hábitos globais e, no meio disso, fica o dilema do que fazer com os torneios Carioca, Paulista, Baiano, Gaúcho, Paraense, Goiano, entre outros…
Referências Bibliográficas
BORIS, Jorge Illa e FRÍAS, Bruno Rivas. Nacionalismo y fútbol: el rechazo de los Gobiernos británico y francés a la Superliga Europea de Fútbol. Materiales para la Historia del Deporte, n.º 25: 13-31, 2023.
Dunning, Eric. 2009. Re?exiones sociológicas ?gurativas y el proceso sobre el deporte y la globalización: algunas observaciones conceptuales y teóricas, con especial referencia al fútbol. Apunts. Educació física i Esports, n.º 97: 8-17, 2009.
[1] BORIS y FRÍAS, 2023, p. 17.
[2] UOL – CBF planeja redução dos campeonatos estaduais a partir de 2026, 2023.. Acessado em 19/12/2023, às 10h27min.