Antes de iniciar a leitura desse texto, cabe prestar atenção ao meu aviso. O post a seguir foi escrito em outubro de 2011. Logo, falta-lhe o ineditismo que sobrou nos últimos posts aqui do blog sobre o Barcelona, o Santos e a final do Mundial. Espero ter compensado esse “defeito” em meu texto ao abordar um esporte pouco comentado aqui no blog – o automobilismo.
Acostumado a ver os ídolos futebolísticos nacionais assumirem papel proeminente no imaginário nacional, sendo constantemente alçados a posição de heróis, fiquei surpreso ao ver a comemoração pelo bicampeonato de Sebastian Vettel tomar as ruas da pequena cidade alemã de Heppenheim, onde ele nasceu. É claro que no Brasil já tivemos Ayrton Senna (veja esse artigo, por exemplo), mas, criança ainda, não ligava muito para quem estava pilotando o carro, e, sim, para os carros em si.
Ao mesmo tempo em que víamos no México a tietagem em torno de Ronaldinho Gaúcho*, a vitória de Vettel na Fórmula 1 não passou despercebida pelo veículos de comunicação nacional. Um dos programas jornalísticos mais vistos da televisão brasileira, o Jornal Nacional, no dia 10 de outubro, dedicou considerável espaço para mostrar a comemoração em Heppenheim. O povo festejava pelas ruas e clamava por Vettel, um novo herói da cidade em seus 1200 anos de história. Os mais fanáticos propunham até que a cidade passasse a se chamar Vettenheim.
Fica inevitavelmente uma pergunta: por que herói? Primeiro, porque os ídolos do esporte tendem mais a assumir essa posição heroica, do que os ídolos de outras esferas da cultura, como o cinema e a TV. Segundo o sociólogo Ronaldo Helal, “Enquanto os primeiros [as celebridades] vivem para si, os heróis devem agir para ‘redimir a sociedade’” (veja o artigo completo aqui).
A própria trajetória de Vettel se encaixa, em vários momentos, na saga do herói clássico proposto por Campbell (veja o livro). Desde o esforço e o treinamento árduo na infância, quando já treinava com kart aos 7 anos (como muitos outros pilotos da Fórmula 1), até os obstáculos enfrentados no início da carreira. Vettel não começou em uma grande escuderia. Foi piloto de testes da Williams em 2005, onde deu suas “primeiras voltas” nas pistas da categoria principal do automobilismo, a Fórmula 1. No ano seguinte, terceiro piloto na BMW, onde disputou sua primeira corrida, terminando em oitavo lugar e sagrou-se o piloto mais jovem a participar de uma corrida de F1 e também de pontuar nela. Em 2008, correu pela Toro Rosso. Mais dois recordes: mais jovem a ganhar uma corrida e mais jovem a ser multado.
Nos seus primeiros anos, já angariava seus pontinhos e quebrava vários recordes por sua juventude e suas conquistas. Nada mal para um piloto de escuderias coadjuvantes no espetáculo da F1. No entanto, Vettel já devia saber que para alcançar o status de ídolo/herói, ele devia ser campeão. Se possível, em uma grande escuderia. Ao final, vemos que ele foi campeão e ajudou a tornar sua escuderia grande.
Em 2009, transferiu-se para a Red Bull Race, uma escuderia que estreou na F1 em 2005 e que até contratar Vettel poderia ser enquadrada no hall dos azarões. O piloto alemão representou uma virada tanto para a escuderia quanto para o próprio Vettel. Só para deixar registrado: em sua primeira temporada na Red Bull, ele terminou em segundo lugar no Mundial – mais um recorde: o mais novo a conseguir tal feito.
A consagração veio em 2010 quando se tornou o campeão mais jovem da Fórmula 1. Aí começava a ser escrita sua história de herói alemão, seguindo os passos de outra grande figura – Michael Schumacher. Era necessário, no entanto, a confirmação de sua condição heroica. E ela veio quando ganhou a corrida do Japão, no domingo, dia 09/10/2011, sagrando-se o bicampeão mais jovem da fórmula 1.
Ainda faltava compartilhar suas conquistas com seu povo – outra característica presente na saga do herói clássico. Bem, pelas imagens de júbilo que vimos entre os habitantes de Heppenheim na matéria do Jornal Nacional essa etapa também foi cumprida.
Como os heróis mitológicos e os heróis modernos do esporte, a sede de conquistas e “novas aventuras” de Vettel ainda não deve ter se esgotado. Inclusive, alguns comentaristas esportivos, em um saudável exercício de futurologia (revejam o post do João), já ousam dizer que ele irá mais longe que Schumacher. Quem pode prever o que o futuro lhe reserva?
*Esse é o problema de escrever textos com data de validade. Quando falo da idolatria em torno de Ronaldinho Gaúcho (e também de Neymar), me refiro à recepção calorosa dos torcedores mexicanos e brasileiros, vistas durante os treinos para o amistoso contra o México em 11 de outubro de 2011.