O serviço de audiodescrição tem sido realidade durante algumas competições esportivas no país, de um ano para cá. Durante a Copa do Mundo Masculina, em 2022, cerimônias de abertura e encerramento e jogos puderam ser ouvidos em audiodescrição, na TV Globo. Já a operadora de TV paga Claro disponibilizou um canal, onde foi possível ouvir a audiodescrição por meio de um QR code. Mais recentemente, o Campeonato Paulista de Futebol também teve alguns jogos com este recurso.
Na TV Globo, a transmissão foi possível por meio da tecla SAP e, em muitas vezes, o áudio da narração de Galvão Bueno e o áudio do audiodescritor ficaram sobrepostos. No caso da transmissão da Claro, foi disponibilizado o canal 533. Por meio do QR code foi possível ouvir a audiodescrição em um aparelho auxiliar (celular, tablet e computador). Já no Campeonato Paulista, os jogos São Paulo x Corinthians, Palmeiras x Santos, as quartas de final, semifinais e finais tiveram o recurso de audiodescrição por meio do Youtube.
Ainda são poucos os estudos para avaliar a melhor maneira de se transmitir os jogos com acessibilidade. Nas entrevistas que tenho feito para minha tese de doutorado, há uma tendência de que as pessoas com deficiência visual prefiram o não uso da tecla SAP, devido à sobreposição de áudio. Por mais que nas duas outras opções aqui citadas, eles ouçam a audiodescrição em um meio e a narração tradicional em outro, minha população de pesquisa acredita que assim fica mais fácil ouvir a partida. Outro ponto destacado é que ouvir pela tecla SAP depende também de quem está junto no mesmo ambiente. Pessoas videntes nem sempre têm o entendimento da importância do recurso de audiodescrição e acham que este está atrapalhando. Com a audiodescrição transmitida por meio do celular, tablet ou computador, é possível usar um fone e continuar no mesmo ambiente, sem que os demais escutem a audiodescrição, facilitando assim, também, a sociabilidade.
É um erro pensarmos que o recurso de audiodescrição auxilia apenas pessoas com deficiência visual, pois ele é útil também para idosos, disléxicos, autistas, pessoas com déficit de atenção e pessoas com deficiência intelectual. A falta deste entendimento passa pela invisibilidade que as pessoas com deficiência têm na própria sociedade, apesar de políticas públicas recentes, principalmente após a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2008. Também é um equívoco pensar que somente a transmissão via rádio dá conta do mesmo nível de informação que uma pessoa vidente tem por meio da televisão.
Para evitarmos tal equívoco, creio que seja importante entendermos, de fato, o que é a audiodescrição. Para isto, recorremos à professora Flavia Mayer:
Em termos gerais, a audiodescrição constitui-se como uma atividade de interação entre videntes e não videntes com objetivo de contribuir para que pessoas com deficiência visual tenham um maior acesso às informações visuais oculares. Na atividade de audiodescrição, ocorre a descrição de detalhes visuais importantes como cenários, figurinos, indicação de tempo e espaço, movimentos, características físicas de pessoas/personagens e expressões faciais (MAYER, 2018, p. 16).
Sendo assim, trazendo para a realidade do futebol, vamos pensar num jogo da seleção na qual o jogador Neymar sofre uma falta. Informações como: ele parece com dor? Se sim, em que parte do corpo parece doer? Os demais jogadores parecem preocupados? Quais demais informações visuais aparecem na tela? – nem sempre são faladas pelos narradores de jogos transmitidos pela TV, não deixando a pessoa com deficiência visual no mesmo patamar de igualdade do vidente, em nível informacional. Ou seja, parte-se do pressuposto que o público está vendo a tela.
A ausência de informações visuais tão importantes faz do rádio um veículo de comunicação muito procurado pelas pessoas com deficiência visual. Segundo a Associação dos Deficientes Visuais do Estado de Goiás, a relação deste público com o rádio chega a ser afetiva, mas, mesmo assim, são raros os programas voltados para este público[1]: “Num mundo que privilegia a imagem, um veículo voltado para o sentido da audição é inclusivo por sua própria natureza. No entanto, ainda é rara a programação de rádio que trate diretamente dos interesses e direitos das pessoas cegas e com baixa visão”. Podemos então concluir que as pessoas com deficiência visual se beneficiam da linguagem descritiva do rádio, mas isto não quer dizer que este veículo tenha conteúdo direcionado a este público.
O potencial do rádio como meio inclusivo é pouco explorado, ainda mais quando pensamos em seu acesso à população. Segundo Costa (2015), a popularidade do rádio acontece devido à dois fatores: capacidade do ser humano de escutar e interpretar as mensagens sonoras, independentemente do nível de alfabetização e a criação do transistor que possibilitou que os aparelhos de rádio fossem menores, mais leves e portáteis. Desta forma, pode ser levado para vários lugares, precisa somente de acesso a uma tomada ou a pilha e ainda é barato quando comparável a uma televisão ou um celular – sem levar em consideração ainda que é mais barato que um serviço de TV a cabo ou de internet.
Apesar de toda esta popularidade do rádio, em minha pesquisa de doutorado, 56 pessoas com deficiência visual, das cinco regiões do país, responderam a um formulário que teve como objetivo entender um pouco como o futebol afeta as pessoas com deficiência visual. Dentre várias descobertas, 57,1% respondeu preferir a televisão para assistir jogos, contradizendo a ideia de que a pessoa com deficiência visual só acompanha futebol pelo rádio. Dentre o público pesquisado, 57,1% precisa pedir informações sobre o que está acontecendo no momento da partida para amigos e familiares. Desta forma, podemos ver o quanto o direito à acessibilidade comunicacional está sendo infringido, direito este garantido por meio da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Além disso, já que existe público com deficiência visual que prefere a TV, é urgente que novas iniciativas sejam criadas para garantir a inclusão destes indivíduos.
Enquanto isso, nós, pesquisadores, precisamos também pesquisar e contribuir para que as pessoas com deficiência não tenham barreiras arquitetônicas, mobiliárias, tecnológicas, linguísticas e de acessibilidade comunicacional. Para nós, comunicólogos, cabe entender como as informações chegam (se chegam) e são decodificadas pelas pessoas com deficiência visual, afinal, é necessário a garantia de que elas tenham o mesmo nível informacional que nós, videntes.
[1] Mais informações estão disponíveis em https://www.adveg.org.br/radio%20adveg. Acesso 15 maio 2023.
Bibliografia
ADVEG. Rádio Adveg – falando sobre nós. Disponível em https://www.adveg.org.br/radio%20adveg. Acesso 15 maio 2023.
MAYER, Flavia. A importância das coisas que não existem: construção e referenciação.
de conceitos de cor por pessoas com cegueira congênita. Belo Horizonte: PUC Minas, 2018.
PALMEIRA, Carlos. YouTube vai inaugurar audiodescrição em jogo do Paulistão 2023. Tecmundo. Disponível em https://www.tecmundo.com.br/internet/259761-youtube-tera-audiodescricao-jogos-paulistao-2023.htm. Acesso em 15 maio 2023.