Em tempos de fim do Campeonato Brasileiro e com o Flamengo já campeão desde as últimas rodadas e se preparando para o Mundial de Clubes, tenho pensado sobre o sentido de “torcer” por um time de futebol. Se seguirmos por uma linha utilitarista defendida pelos filósofos Jeremy Bentham e John Stuart Mill, nos séculos XVIII e XIX, portanto antes do advento do futebol, poderíamos especular que o ato de torcer produziria a maior quantidade de bem-estar possível para aqueles que assim o fazem. Isso principalmente quando seus times vencem. Ainda assim, a explicação carece de um sentido racional anterior. Por que torcedores sentem prazer quando seus times vencem e ficam tristes quando perdem?
Sou rubro-negro de berço. Já me vi várias vezes questionando este sentimento que me fez, por exemplo, adquirir um rádio de ondas curtas para acompanhar o Flamengo em um período dos anos 1980, quando estudava em Nova York. Minha relação familiar com a instituição do Flamengo nunca foi suficiente para explicar este arrebatamento.
Um antropólogo alemão, amigo do meu grupo de pesquisa da Uerj, Martin Curi, disse certa vez, ainda que brincando, que só os torcedores sabem verdadeiramente o que é o amor. Apesar do exagero, a frase nos leva à reflexão.
Por que torcemos por um time de futebol? Por que gritamos e choramos diante da televisão ou em um estádio? Seria mesmo um tipo de amor? E que espécie de amor seria esse, se é que possível formular tal questão? Estas são reflexões que nunca nos fazemos. Simplesmente sentimos.

De fato, visto de longe parecemos fazer parte de uma nau de insensatos, tal como a colocou em seu poema satírico o humanista Sebastian Brant no fim do século XV, para criticar os excessos e vícios da sociedade. Afinal de contas, o torcedor é sempre “excessivo”, um fanático no sentido amplo do termo. Torcer se contorcendo e, muitas vezes, distorcendo a realidade, faz parte deste universo de emoções exacerbadas, que o bom senso recomenda que não extrapolem o momento. Estranhas emoções para aqueles que não a sentem. Naturais emoções para os de dentro, os torcedores de futebol.
A comemoração dos rubro-negros com a conquista da Libertadores promoveu um estado de êxtase que levou uma multidão às ruas do centro do Rio de Janeiro para receber o time. Atitude que pode ter levado os que não fazem parte do universo futebolístico a julgarem tudo aquilo como algo insensato.
Mas existiria uma razão para esta “insensatez”? Como explicar tamanha comoção? A história do clube, suas conquistas, seus ídolos e heróis geram uma noção de pertencimento, compartilhamento e de laços identitários muito fortes. Mais importante ainda é observamos que no Brasil dizemos que somos o time e não que torcemos por ele. Daí o “eu sou Flamengo” ou “eu sou Vasco” etc. Talvez, nos laços identitários e de pertencimentos possamos seguir um caminho promissor para a compreensão deste envolvimento
Da mesma forma que estranhamos o que não faz parte da nossa cultura, os que não torcem para time algum tendem a julgar com as lentes de sua razão esta paixão, aparentemente irracional. Para os que estão dentro, o torcer é algo inerente as suas vidas e desde que se tenha tolerância, a nau dos insensatos não faz mal algum nem aos seus tripulantes, nem ao outros.
Estas reflexões merecem ser mais bem pesquisadas para conseguirmos um dia entender este sentimento que permeia a vida de muita gente no Brasil e ao redor do planeta.
*Artigo publicado originalmente no Globo no dia 06 de dezembro de 2019.