A décima edição da Copa América de Futebol Feminino, realizada entre os dias 11 de julho e 2 de agosto de 2025, no Equador, representa um marco importante para o desenvolvimento da modalidade na América do Sul. Com a participação das dez seleções que integram a Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL), o torneio cumpre múltiplas funções: além de consagrar a melhor equipe do continente, serve como classificatória para os Jogos Pan-Americanos de 2027 e os Jogos Olímpicos de Los Angeles 2028. Ainda que não garanta vagas para a Copa do Mundo de 2027, como em edições anteriores, a competição carrega simbolismos relevantes, sobretudo diante do cenário de crescente visibilidade do futebol de mulheres em nível global (Lima, et. al, 2022).
A décima edição da Copa América de Futebol Feminino, realizada entre os dias 11 de julho e 2 de agosto de 2025, no Equador, representa um marco importante para o desenvolvimento da modalidade na América do Sul. Com a participação das dez seleções que integram a Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL), o torneio cumpre múltiplas funções: além de consagrar a melhor equipe do continente, serve como classificatória para os Jogos Pan-Americanos de 2027 e os Jogos Olímpicos de Los Angeles 2028. Ainda que não garanta vagas para a Copa do Mundo de 2027, como em edições anteriores, a competição carrega simbolismos relevantes, sobretudo diante do cenário de crescente visibilidade do futebol de mulheres em nível global (Lima, et. al, 2022).
O time demonstrou pouca fluidez ofensiva e enfrentou dificuldades em impor seu jogo contra uma seleção venezuelana taticamente inferior, mas aguerrida e organizada defensivamente. Em entrevista pós-jogo, a própria Marta reconheceu que a equipe sentiu os efeitos da altitude, mas também destacou a necessidade de maior entrosamento e intensidade para os próximos confrontos.
Com efeito, não foi o desgaste físico aparente das atletas que mais chamou minha atenção, mas sim, a ausência significativa de público nas arquibancadas, ainda que os ingressos estivessem disponíveis a preços simbólicos, entre três e cinco dólares, o que não pode ser atribuído exclusivamente a fatores econômicos. No Brasil, jogos da seleção nacional feminina têm tido ingressos esgotados e recordes de público. A análise crítica desse fenômeno exige considerar variáveis estruturais, culturais e midiáticas (Goellner, 2022; Barreto Januário, 2023). Em primeiro lugar, observa-se uma deficiência crônica na promoção do evento por parte da CONMEBOL e das federações nacionais, com baixa visibilidade nos meios de comunicação locais e limitada mobilização das torcidas (Trujillo, 2023), mesmo diante da presença de atletas consagradas, como a venezuelana Deyna Castelos e a própria Marta. Deyna, que se destacou na partida contra o Brasil, é a camisa 9 e principal referência técnica da seleção da Venezuela. A atleta de 26 anos atua no Portland Thorns (EUA) e esta é sua quarta participação em Copas América Feminina. Dayna tem passagens pelo Atlético de Madrid na Espanha, Manchester City, na Inglaterra e no Bay FC (NWSL, EUA).
A escassez de público é sintomática e adensada pela ausência de políticas públicas e estratégias institucionais que incentivem a formação de público e a valorização do futebol de mulheres (Goellner, 2022, Trujillo, 2023). Em países onde a modalidade não conta com ligas nacionais consolidadas, investimento em categorias de base ou integração com clubes de grande expressão, a adesão popular aos torneios internacionais tende a ser episódica e frágil (Barreto Knijnik; Costa, 2022). Nesse sentido, os estádios vazios não são apenas uma consequência, mas também um fator que retroalimenta a desvalorização da modalidade: a falta de torcedoras/es impacta diretamente na imagem pública do torneio, na atratividade comercial e na capacidade de gerar receita para reinvestimento.
Segundo Ana Carolina Vimieiro (2023), a cultura torcedora não é uma expressão espontânea e natural, mas sim uma construção histórica, social e midiaticamente mediada. Em outras palavras, para que o futebol de mulheres possa mobilizar torcedores de forma massiva, é necessário que os sujeitos se reconheçam nesse espetáculo esportivo, que sejam interpelados afetivamente pelas narrativas e que enxerguem sentido em ocupar o lugar de torcedor ou torcedora. Isso exige, como aponta a autora, a ativação de dispositivos simbólicos que articulem pertencimento, identidade e emoção, algo que a cobertura midiática e as estruturas institucionais esportivas ainda fazem de forma muito tímida em relação ao futebol praticado por mulheres.
Nesse sentido, o estádio vazio em um jogo da seleção brasileira não é apenas um “problema de público”, mas, como dito, revela a ausência de um projeto efetivo de construção de audiência e cultura torcedora. Para que essa cultura se forme, é necessário que haja um processo de midiatização comprometido com a visibilidade, que valorize a performance atlética das mulheres, que reconheça suas trajetórias e que construa narrativas que produzam identificação. Como enfatiza Vimieiro (2023), é no cruzamento entre os discursos midiáticos e as práticas cotidianas que se constituem as formas de torcer, logo, se a mídia ignora ou minimiza a importância do futebol feminino, ela também dificulta sua legitimação social como espetáculo digno de atenção e afeto.
Além disso, a autora nos convida a pensar no papel das instituições, federações, clubes, escolas, universidades, ONGs, como agentes na formação de públicos. A cultura torcedora se fortalece a partir do envolvimento comunitário, da educação para o esporte e da criação de experiências compartilhadas, inclusive fora dos estádios. Assim, estratégias como campeonatos locais e regionais fortes, a realização de jogos preliminares, o estímulo a projetos de base com vínculo escolar, o investimento em marketing segmentado e campanhas educativas podem ser potentes no fortalecimento de uma comunidade torcedora em torno do futebol de mulheres.
Comparativamente, o cenário europeu tem demonstrado que, quando há investimento coordenado em infraestrutura, mídia, formação de atletas e engajamento comunitário, o futebol de mulheres é capaz de atrair públicos expressivos e consolidar uma base sólida de apoio (Lima, et. al. 2022). A Eurocopa Feminina, por exemplo, tem registrado recordes de audiência e lotação nos estádios, demonstrando que o desinteresse não é um fenômeno natural, mas socialmente construído e, portanto, passível de transformação.
Dessa forma, a realização da Copa América de 2025, apesar de seu potencial esportivo e simbólico, evidencia os desafios persistentes na consolidação do futebol de mulheres como um projeto social, mercadológico e cultural de largo alcance. O torneio expõe a urgência de estratégias integradas de valorização da modalidade, que envolvam desde ações de comunicação até políticas de fomento em nível local e regional. É necessário romper o ciclo vicioso em que a baixa visibilidade gera desinteresse, que por sua vez dificulta investimentos e compromete a formação de novos públicos. Superar esse cenário exige mais do que vitórias em campo: requer compromissos políticos, institucionais e culturais capazes de reconhecer o futebol de mulheres como patrimônio esportivo, social e simbólico.
Referências:
BARRETO JANUÁRIO, Soraya M. B. Copa do Mundo e Futebol das Mulheres: a cobertura midiática nas edições de 2015 e 2019, numa perspectiva de gênero. Revista Mosaico, v. 14, n. 1, p. 02-13, 2023.
GOELLNER, Silvana V.. MULHERES E FUTEBOL NO BRASIL: DESCONTINUIDADES, RESISTÊNCIAS E RESILIÊNCIAS. Movimento (0104754X), v. 28, 2022.
KNIJNIK, Jorge; COSTA, Ana. Beyond women: the coming challenges for gender equity in Brazilian football. In: Women’s Football in Latin America: Social Challenges and Historical Perspectives Vol 1. Brazil. Cham: Springer International Publishing, 2022. p. 277-291.
LIMA, Cecília Almeida Rodrigues; JANUÁRIO, Soraya Barreto; LEAL, Daniel Felipe de Oliveira. “Dibrando” a mídia hegemônica: a imprensa alternativa na propagação do futebol de mulheres. Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, v. 45, p. e2022116, 2022.
TRUJILLO, Daniel Sebastian Flores. Brecha social y mediática en la comunicación en el desarrollo del fútbol femenino de Ecuador. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual Paulista – Unesp, 2023.VIMIEIRO, Ana Carolina. TORCEDORES COMO PRODUTORES: POR UMA ABORDAGEM COMUNICACIONAL DAS CULTURAS TORCEDORAS. Recorde: Revista de História do Esporte, v. 16, n. 1, 2023.