(Ainda) Faltam transmissões de futebol de mulheres no Brasil

No final de março, a Série A1 do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino teve início, mantendo o modelo de transmissão de partidas com jogos da primeira fase no Sportv (TV fechada) e na TV Brasil (TV aberta), com 4 jogos por rodada – à exceção da primeira, que teve 5.

O primeiro ponto que me chamou atenção desde o novo contrato da CBF com o Grupo Globo para o torneio, em 2023 – mesmo ano da descontinuidade da Eleven Sports após venda desta para o DAZN –, é a confederação não conseguir nenhuma plataforma de streaming interessada nas demais partidas do torneio. Estamos em 2025, teremos Copa do Mundo FIFA daqui a dois anos no Brasil e não há exibição garantida de todos os jogos da principal competição nacional?

A partir desse questionamento básico inicial, seguiremos neste texto para outros elementos que este problema leva.

Como fica o padrão tecnoestético da competição?

Alguém pode me lembrar que as partidas fora da TV podem ser transmitidas pela equipe mandante, como aconteceu, por exemplo, em Juventude X Fluminense e Red Bull Bragantino X Corinthians, na segunda rodada. Por um lado, é preciso saber se os clubes têm condições técnicas para isso.

No ano passado, por exemplo, só consegui acompanhar uma partida da UDA (União Desportiva Alagoana) na Série A2 porque foi transmitida pela TV do Fortaleza. O motivo: para o único projeto minimamente profissional da modalidade em Alagoas, ainda dependente de recursos do Governo do Estado, não há recursos que “sobrem” para a transmissão audiovisual por conta própria. Não li/vi notícia sobre apoio da CBF quanto a isso desde o fim do Eleven Sports.

Um terceiro ponto se abre com isso, a principal competição do futebol de mulheres no Brasil não consegue ter um padrão tecnoestético geral com características mínimas para uma competição deste porte.

Além de ser um problema da geração particular do Grupo Globo dos torneios exibidos no Brasil – que talvez sintamos com a multiplicidade de agentes no Brasileirão de homens –, para o torneio, não há o tratamento igualitário do programa audiovisual enquanto parte relevante da competição como produto para o público e possíveis empresas interessadas em anunciar produtos e serviços.

Padrão tecnoestético é um conceito que passei a trabalhar mais no grupo de pesquisa Crítica da Economia Política da Comunicação (CEPCOM/Ufal) após a conclusão da minha tese, desde 2022, tendo como objetos torneios ligados ao regional, casos dos estaduais de homens e mulheres e da Copa do Nordeste.

Trata-se de termo criado por Bolaño (1988; 2000) na Economia Política da Comunicação brasileira para tratar dos elementos técnicos e simbólicos que garantem vantagem competitiva, logo, barreira à entrada de outros agentes para programas audiovisuais. Segundo o autor, trata-se de:

[…] uma configuração de técnicas, de formas estéticas, de estratégias, de determinações estruturais, que definem as normas de produção historicamente determinadas de uma empresa ou de um produtor cultural particular para quem esse padrão é fonte de barreiras à entrada (Bolaño, 2000, p. 235).

No caso brasileiro, o “Padrão Globo de Qualidade” é que define essa configuração esperada pelo público, ainda que se trate de um modelo de transmissão que traga características internacionalizadas – ainda mais com acesso e centralização de geração de imagens de torneios exibidos de vários lugares do mundo por aqui.

O Grupo Globo levar o seu padrão tecnoestético à competição é um ponto positivo, mas que diminui o peso quando a TV aberta só transmite jogos da Série A1 a partir do mata-mata e sequer leva os demais jogos para o Premiere, num momento histórico em que a plataforma de pay-per-view do grupo precisa complementar jogos – agora, sem a Série B do masculino.

Ainda que tenha visto dois jogos pela TV Brasil, não entrarei em diferença do padrão desta rede ligada à Empresa Brasil de Comunicação, do Governo federal. Não identifiquei distinção significativa para o que estamos acostumados a acompanhar.

Fonte: Transmissão da TV Papo no canal do Youtube

Porém, para este texto, passei por Juventude X Fluminense primeiro desses dois jogos e a transmissão da TV Papo contou apenas com a câmera central, sem replay e, muito menos, reportagem de campo, com equipe ficando apenas em narrador e comentarista.

Cenário que é pior em competições de nível menor. Acompanhando os jogos do Campeonato Alagoano Feminino de 2024 para pesquisa em andamento no CEPCOM/Ufal, cuja transmissão foi exclusiva pelo canal da Federação Alagoana de Futebol (FAFTV) no YouTube, apenas a partida final teve narrador e comentarista (este que foi também repórter de campo ao final) – ver mais sobre a transmissão do torneio em texto recente no Ludopédio.

Outro ponto é a transmissão direcionada pela assessoria de comunicação para o próprio clube, não só pelas marcas na tela, mas também na narração. No caso aqui em análise, não me dediquei a isso, mas em anos anteriores acompanhei o jogo do Avaí Kinderman como mandante e havia um direcionamento narrativo para o público-alvo da TV do clube. Isso também quebra um padrão de transmissão ou gera uma subcategoria – que a Flamengo TV, por isso, quer buscar no anúncio de mudança recente. Pode ser ótimo para quem torce pelo clube, mas muito ruim para quem está acompanhando pela equipe visitante.

Considerações finais

Assim, reforça-se nesse texto a preocupação de um tratamento mais profissional dos torneios de futebol de mulheres no Brasil. Se não aproveitarmos a imensa janela aberta pela principal competição mundial por aqui, qual vai ser a próxima oportunidade para uma modalidade que foi legalmente e segue historicamente prejudicada para a formação de público dentro e fora dos estádios?

Referências

BOLAÑO, C. Indústria Cultural: Informação e Capitalismo. São Paulo: Hucitec/Polis, 2000.

BOLAÑO, C. Mercado Brasileiro de Televisão. São Cristóvão: Edufs, 1988.

SANTOS, A. D. G. dos; CAVALCANTE, P. J. B. Apontamentos comparativos da análise do padrão tecnoestético das finais do Campeonato Alagoano Feminino (2021-2024). Ludopédio, São Paulo, v. 190, n. 3, 2025.

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