O cartão vermelho de Trump

Trump apresentou um ‘cartão vermelho’ para a mídia, durante encontro com o presidente da Fifa na Casa Branca (Foto: BBC)

Após quatro edições de Copa do Mundo que deram dor de cabeça à FIFA, o torneio em 2026 ser no Canadá, no México e, sobretudo, nos Estados Unidos era garantia de alívio para os dirigentes que comandam o futebol mundial. 

Em 2010, na África do Sul, e em 2014, no Brasil, os custos bilionários dos estádios causaram protestos e as obras eram motivo de preocupação constante pelos atrasos. Em 2018, na Rússia, a polícia de Putin mantinha gays “no armário”, proibindo manifestações e beijos nas ruas [1]. Já em 2022, no Qatar, o trabalho análogo à escravidão que ergueu os estádios assombrava o espetáculo da bola [2].

Em 2026 não aconteceria nada disso: nenhum estádio seria construído do zero e já estão praticamente prontos. Os três países-sede são democracias. Só faltou combinar tudo isso com alguém: simplesmente o homem mais poderoso do mundo atualmente. 

Quando Canadá, Estados Unidos e México ganharam, em 2018, o direito de sediar a Copa do Mundo que acontece daqui a 1 ano, a candidatura tripla destacou, como “trunfo” para ser eleita, que Donald Trump, ainda no primeiro mandato, não estaria mais no cargo de presidente em 2026 [3]

Mas ele voltou. Com a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos de 2028 em Los Angeles, Trump dará dor de cabeça à FIFA e ao COI (Comitê Olímpico Internacional), vai embolar o meio-de-campo e será o grande árbitro dos maiores eventos esportivos do mundo nos próximos três anos.

Na era do esporte que movimenta bilhões, o antes e o durante desses megaeventos esportivos são ditados à mão de ferro por essas grandes organizações esportivas. FIFA e COI fazem rigorosas exigências, que, inúmeras vezes, diminuem até a soberania das leis dos países-sede. Se não está em conformidade, muda-se e adapta-se, mesmo que temporariamente.

No entanto, quem se levantará contra Trump? Alguém cuja história de vida como empresário sonegador de impostos [4] foi marcada por agir sem limites e por cima de quem quer que seja; alguém que, de volta à presidência, se guia por revanchismo e fúria? Trump quer passar por cima de Groelândia, Canadá, Canal do Panamá, os palestinos em Gaza. Por que não passaria como um trator sobre as normas da FIFA e do COI em questões como equidade de gênero, inclusão de atletas trans, imigrantes e refugiados?

Trump, aliás, já está fazendo isso. Em uma interferência estatal indevida sobre as regras das entidades esportivas e que desrespeita os direitos humanos, um decreto assinado logo após a sua posse exclui meninas e mulheres transgênero dos esportes femininos em escolas, universidades e competições profissionais em território americano [5]. O presidente também afirmou que não permitirá atletas transgêneros competirem nos Jogos de 2028, enquanto desde a edição de 2004 há a permissão. A levantadora de peso neozelandesa Laurel Hubbard fez história por ser a primeira a se classificar, em 2021, em Tóquio [6]

A relação de Trump com o esporte e os atletas é também diferente de praticamente tudo que já se viu. Enquanto a maioria dos políticos busca popularidade com o envio de recursos públicos para as modalidades, fotos com atletas e a presença em eventos esportivos, o engajamento do presidente americano se dá a partir da desmoralização dos ídolos [7].

Em 2016, o quarterback do San Francisco 49ers Colin Kaepernick ficou de joelhos no gramado durante a execução do hino dos Estados Unidos. O seu protesto por causa da violência policial contra negros causou a fúria de Trump, que pediu a expulsão do jogador da liga [7]. LeBron James, maior cestinha da liga americana de basquete, e Megan Rapinoe, campeã mundial de futebol feminino também já foram alvo. [7]

Trump elabora, em sua segundo mandato como presidente, políticas que discriminam e retiram direitos de trans [8], negros e pessoas que, na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos, chegarão aos Estados Unidos como imigrantes. Como se não fosse o suficiente, ele ainda faz chantagem de tarifas comerciais contra governos de países que participarão da Copa e das Olimpíadas e que pode desencadear uma crise econômica [9] capaz de diminuir o lucro da FIFA e do COI respectivamente com esses megaeventos esportivos.

Se esses eventos fossem realizados num país como o Iraque, por exemplo, a comunidade internacional provavelmente tentaria intervir e enquadrar. Mas são os Estados Unidos e, como a história já mostrou, os americanos invadiram o Iraque em 2003 a partir de uma mentira, deixaram um saldo de destruição, cerca de 500 mil mortos na guerra contra o terrorismo e quase nenhuma responsabilização [10].

O presidente da FIFA, Gianni Infantino, que tenta passar no comando da entidade uma imagem mais progressista e liberal que seus antecessores, já deu o braço a torcer e adotou uma postura quase que subalterna a Trump. Foi à posse do presidente americano em 20 de janeiro e teve muitos outros encontros, inclusive no prestigioso Salão Oval da Casa Branca.

Os valores e a essência do esporte? Isso fica de lado com o cartão vermelho que Trump já deu.

 

Referências:

[1] “Para driblar homofobia, gays namoram com discrição na Rússia” – O Globo – 27/06/2018. Disponível em: https://oglobo.globo.com/esportes/copa-2018/para-driblar-homofobia-gays-namoram-com-discricao-na-russia-22824947

[2] “Relatório aponta indícios de escravidão moderna na construção dos estádios da Copa no Catar” – G1 – 10/11/2022. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/11/10/relatorio-aponta-indicios-de-escravidao-moderna-na-construcao-dos-estadios-da-copa-no-catar.ghtml

[3] “Como o poder do Trump vai mexer no futebol que você conhece” – Peleja – Disponível em: https://www.facebook.com/reel/1663633144285057

[4] “Trump não pagou imposto de renda por 10 anos, diz ‘The New York Times’ – G1 – 27/09/2020. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/09/27/trump-pagou-us-750-de-imposto-de-renda-em-2016-ano-em-que-foi-eleito-presidente-dos-eua-diz-the-new-york-times.ghtml

[5] “Trump assina ordem executiva que bane mulheres trans de competições esportivas nos EUA – Ge.Globo – 05/02/2025. Disponível em: https://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/2025/02/05/trump-assina-ordem-executiva-que-bane-mulheres-trans-de-competicoes-esportivas-nos-eua.ghtml

[6] “Decreto de Trump sobre atletas transgênero gera tensão para LA-2028” – Folha de S.Paulo – 09/02/2025. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2025/02/decreto-de-trump-sobre-atletas-transgenero-gera-tensao-para-la-2028.shtml

[7] “Retorno de Trump ao poder reacende tensões no esporte norte-americano” – Folha de S.Paulo – 19/01/2025. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2025/01/retorno-de-trump-ao-poder-reacende-tensoes-no-esporte-norte-americano.shtml

[8] “Após decreto de Trump, vistos de atletas trans serão revisados” – CNN Brasil – 05/02/2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/apos-decreto-de-trump-vistos-de-atletas-trans-serao-revisados/.

[9] “EUA estão a caminho de uma recessão?” – BBC Brasil – 15/03/2025. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cwynww5ny6eo

[10] “Premissas falsas para invasão do Iraque custaram credibilidade dos EUA” – Folha de S.Paulo – 20/03/2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/03/premissas-falsas-para-invasao-do-iraque-custaram-credibilidade-dos-eua.shtml

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