Aventura, Natureza, Mídia!

Foto 1: Arquivo pessoal, 2017.

Essa trilogia parece estar em alta nos últimos anos, e décadas, buscando um entendimento do que vivenciamos nas redes sociais, e mesmo no dia a dia, em que as imagens conversam com os algoritmos digitais, somos levados a consumir este nicho que possui características próprias. O que antes chegava por meio somente de imagens televisivas ou fotos impressas de alguns aventureiros, se tornou uma avalanche de informações, opiniões e representações. E os atuais “aventureiros, amantes da natureza” tem realmente uma consciência ambiental? Entendem os riscos?

O consumo mercadológico da natureza pode estar atrelado ao que Neto (2006) fala de comportamento profissional da mídia, com calendários previamente estabelecidos, critérios avaliados e estratégias de marketing muito bem definidas. Como diz o autor, o marketing do “faz bem” agrega a iniciativa privada e fideliza seus consumidores, o que é chamado de “mídia social” especificamente atrai investimentos significativos. Neto (2006) narra que: 

                                                                                                                                     está oficializada aí uma nova categoria editorial de programas e canais de comunicação fundamentos nas diversas plataformas sociais que objetivam gerar                                                                                                                                       recursos  para neutralizar as carências e a dor de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos portadores de deficiências diversas. Uma categoria que contempla editorialmente os diversos programas sociais e que, acima de tudo, reflete o interesse da própria população consumidora brasileira. (Neto, 2006, p.39).

A atualidade, a globalização, o pós-moderno também envolve as imagens e concepções que as mídias nos oferecem, em que a mídia televisiva e atualmente as mídias sociais procuram dirigir ao telespectador valores e representações de uma cultura midiática do bem, da valorização a natureza, da sustentabilidade, da promoção da saúde e culto ao corpo. As mídias buscam um espectador/consumidor cada vez mais específico, involuntariamente prestigiasse a uma mídia social, onde os lucros são consideráveis (NETO, 2006).

Para Bauman (2001) a liquidez em que as modificações de ideias e ideais ocorrem, acabam por atropelar maiores detalhamentos, a velocidade de informações que nós estamos sendo submetidos a cada dia, a cada avanço tecnológico e sobre influência da mídia ditam condutas (BAUMAN, 2001).  

Como Cândido et al. (2016) aborda, o imaginário do telespectador é moldado para buscar uma mudança; significativamente um “Corpo Tecnológico”, em que neste modelo estaria livre de todos os males, trazendo uma saúde inabalável. A “Medida Certa” descrita pelos autores estaria ligada a reconstrução de um corpo, um corpo do bem, onde é alertado que disfarçadamente agregam-se pacotes de academia, produtos alimentícios específicos, roupas e demais produtos. 

Desta forma, somos conduzidos a consumos que a mídia nos oferece, induzindo a população a caminhos que podem nos afetar positivamente, mas também, negativamente. A mídia poderá então influenciar a formação de opiniões, a disseminação de informações, a interação social, o pensamento e a ação das pessoas, transmitindo hábitos de consumo. Desenvolvendo estereótipos, condicionando valores e orientando ações a mídia utiliza-se da natureza e da aventura para captar a atenção e gerar sucesso de audiência, de visualizações, de curtidas. Enfim, se faz necessário um pensamento e análise crítica do que estamos recebendo por ela.

Na categoria Natureza existe a preocupação ambiental, esse cuidado com o meio ambiente e a preservação dos recursos naturais para a sobrevivência das futuras gerações vem sendo uma preocupação de todos (governantes, sociedade, organizações nacionais internacionais), conforme apresenta a agenda 2030. Documento gerador de debate proposto pela Organização das Nações Unidas (ONU), que apresenta como objetivo principal a busca de um desenvolvimento sustentável, trazendo o esporte como importante facilitador neste processo, devendo ele também possuir preocupações em proteger o meio ambiente (PLATAFORMA AGENDA 2030, 2021).

Essa busca por saúde através da aventura, também pode dialogar com a natureza, onde podemos observar no gráfico um (1) abaixo o aumento da visitação aos Parques Nacionais, o que poderia representar como a busca pela natureza vem evoluindo, obviamente houve uma queda em 2020 e 2021 por conta da Pandemia de Covid, mas, que se recupera rapidamente. É importante relatar que o monitoramento dos parques também aumentou, facilitando esta contagem.

SÉRIE HISTÓRICA DE VISITAÇÃO – PARQUES NACIONAIS

Gráfico 1 – Visitação aos Parques Nacionais. (ICMBio, 2023).

Nesse sentido, o meio ambiente pode se apresentar como um fator de interação para melhoria na qualidade de vida e também como espaços para práticas de atividades físicas. Li et. al. (2011) e Bruhns (2009) relataram sobre os benefícios que as práticas de atividades físicas na natureza podem proporcionar, como por exemplo, melhoria da coordenação motora, da força, da concentração, da atenção e do raciocínio, em que diretamente relacionam-se com as atividades diárias dos seres humanos. Li et.al. (2011) também demonstraram que uma viagem de um dia ao parque florestal com realização de caminhada reduziu a pressão arterial e obteve melhoria nas taxas sanguíneas. Os autores sugeriram que a prática regular destas atividades pode ser uma importante aliada na melhoria da qualidade de vida.

Se por um lado os esportes de aventura parecem glorificar o risco, por outro, eles desenvolvem valores (cuidado com o meio ambiente, desenvolvimento de autoestima, compreensão dos limites físicos do corpo, dentre outros), ajudam na superação de medos através da superação de obstáculos que estes esportes proporcionam, estando associado ao imaginário dos praticantes que também remete a mídia. As imagens transmitidas estão presentes na vida contemporânea do homem ocidental, que fazem parte de uma memória aventureira, desde o sonho de voar ao conquistar uma via escalada ou o topo de uma montanha a sedução das imagens transmitem a imagem de um sujeito heroico. Para realização destas atividades é necessário conhecimento, treinamento e equipamento adequado (RECH; FONSECA, 2019; PEREIRA, 2019; GONÇALVES JUNIOR, 2006; COSTA, 2000; PORRETTI ET. AL. 2020).

Remetendo a Rose (2011) e Elias e Dunning (1992) encontramos o homem que na sociedade moderna atual é responsável por suas ações e controle de suas emoções, em que a ambiguidade do risco nas situações dos esportes de aventura poderia ser controlada pelo conhecimento ou desconhecimento, que pode gerar uma coisa “boa” (concluir uma via de escala) ou uma coisa “ruim” (não concluir a via, com uma queda gerando acidente ou desistir por limitação física e material). Seguindo esta linha o homem atual controla seus desejos regulando sua conduta e concepção de pessoa no ambiente que o cerca.

Na atualidade a existência de tensões prazerosas em Elias e Dunning (1992) não mostram as tensões (que aqui chamamos de risco) de forma negativa, ligando o lazer e o esporte de aventura, “em vez de condenar as tensões como algo que prejudica, não se deveria antes explorar as necessidades que as pessoas revelam por uma dose de tensão, enfim, como um ingrediente normal em suas vidas?” (ELIAS; DUNNING, 1992, p. 143). Desta forma, a prática da aventura seria um meio compensatório de aliviar as tensões do cotidiano. Na busca por essa excitação causada pelos esportes de aventura a mídia acha seu lugar, colocando o risco como aliado, exercendo um papel importante no controle das emoções. 

Já em Beck (2010) os efeitos dos riscos apresentados socialmente podem ter um efeito bumerangue, em que arriscamos introduzir uma visão que poderia ser atribuída a glorificação dos riscos apresentada nesta categoria de análise:

Contido na globalização, e ainda assim claramente distinto dela, há um padrão de distribuição dos riscos no qual se encontra um material politicamente explosivo: cedo ou tarde, eles alcançam inclusive aqueles que os produziram ou que lucraram com eles. Em sua disseminação, os riscos apresentam socialmente um efeito bumerangue: nem os ricos e poderosos estão seguros diante deles. Os anteriormente “latentes efeitos colaterais” rebatem também sobre o centro de produção. Os atores da modernização acabam inevitavelmente e bastante concretamente entrando na ciranda dos perigos que eles próprios desencadeiam e com os quais lucram. Isto pode ocorrer de diversas formas (BECK 2010, p. 44).

Para o autor acima o risco é uma categoria estruturante, em outras palavras ele sempre existiu e a sociedade tende a inovar cada vez mais.

Concluindo, é importante salientar que embora o Brasil seja o um dos destinos mais importantes do mundo para o Turismo de Aventura, ainda enfrentamos vários desafios, como: 

Pessoal qualificado; Guias preparados, geralmente são locais; Normas da ABNT em consonância com as normas Europeias; Respeito aos limites do corpo e ao meio ambiente; Material, recepção ao cliente, instalações, mobilidade, acessibilidade; 

Isso ainda se reflete em nossa sociedade com preocupações, como na foto 2 abaixo:

Infração cometida por uma turista em Fernando de Noronha. Foto2: reprodução redes sociais. Fonte: (O TEMPO, 2025).

A mídia tem responsabilidade. Sua capacidade de mobilização, mexe com a sociedade e chama sua atenção para os problemas que vivemos em nosso cotidiano. Por isso, a sociedade como um todo precisa estar atenta ao que consumimos, ao que somos conduzidos, agredir o meio ambiente, a natureza não será o caminho. A escola como fonte de reflexão tem papel essencial, e uma vez que o conteúdo práticas corporais de aventura fazem parte do currículo da Educação Física Escolar, o leque de conceitos e de perspectivas aumenta significativamente. 

Inclusive entendo o papel de ludibriar a imagem e seus efeitos para o meio ambiente como nas imagens abaixo Foto 3 e 4:

Foto 3: (Foto: José Raphael Berrêdo / G1, 2016).

 Foto 4: reprodução redes sociais. Aventureiros, 2023.

 

Referências: 

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução: DENTZIEN, Plínio. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2010.

BRUHNS, H. T. A busca pela natureza: turismo de aventura. Barueri, SP: Manole, 2009.

CÂNDIDO, Cássia Marques; PALMA, Alexandre; DE ASSIS, Monique Ribeiro. A representação da educação física no quadro medida certa/90 dias para reprogramar o corpo exibido pela TV Globo. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 30, n. 2, p. 345-357, 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbefe/v30n2/1807-5509-rbefe-30-2-0345.pdf

COSTA, Vera Lucia Menezes. Esportes de aventura e risco na montanha: um mergulho no imaginário. São Paulo: Manole, 2000.

ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992.

GONÇALVES JUNIOR, Luiz. Prefácio. In: SCHWARTZ, Gisele Maria. Aventuras na Natureza: consolidando significados. Jundiaí/SP: Fontoura, 2006, p. 13-14.

Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade [ICMBio]. Parques Nacionais brasileiros atingem recorde de 11,8 milhões de visitas em 2023 [citado em 25 de Maio 2024]. Disponível em: <https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYzJiNjgzZTktZWI3MS00YzM5LTkzZmEtZjZkOGUwNWJhY2FiIiwidCI6ImMxNGUyYjU2LWM1YmMtNDNiZC1hZDljLTQwOGNmNmNjMzU2MCJ9>. Acesso em: 04 Fev. 2025.

LI, Q.; OTSUKA, T.; KOBAYASHI, M.; WAKAYAMA, Y.; …; KAGAWA, T. Acute effects of walking in forest environments on cardiovascular and metabolic parameters. European Journal of Applied Physiology, Tóquio, v. 111, n. 11, p. 2845-53, 2011.

NETO, Angelo Frazão. Midialização: o poder da mídia. São Paulo: Nobel, 2006.

O Tempo, BRASIL. Turistas invadem área restrita em Noronha para tirar fotos e são multados; punição chega a R$ 10 mil [citado em 14 de Jan. 2025]. Disponível em: <https://www.otempo.com.br/brasil/2025/1/14/turistas-invadem-area-restrita-em-noronha-para-tirar-fotos-e-sao-multados-punicao-chega-a-r-10-mil> Acesso em 04 fev. de 2025.

PEREIRA, Dimitri Wuo. Pedagogia da Aventura na Escola: Proposições para a base nacional comum curricular. Várzea Paulista, SP: Fontoura, 2019.

PORRETTI, Marcelo Faria; TRIANI, F. S.; Candido, CM; ASSIS, M. R. Sentidos que o esporte de aventura pode alcançar na mídia: o Canal OFF e suas pílulas. Temática, Paraíba. v. 07, p. 155-171, 2020b.

PLATAFORMA AGENDA 2030. Agenda 2030. Disponível em: <http://www.agenda2030.com.br/>. Acesso em 10 Fev. 2021. 

RECH, Ricardo Rodrigo; FONSECA, Gerard Maurício Martins (organizadores). Educação física escolar: propostas pedagógicas para a educação básica. Caxias do Sul, RS: São Miguel, 2019.

ROSE, Nikolas. Inventando nossos selfs: psicologia, poder e subjetividade. Petrópolis: Vozes, 2011.

G1, Pedra do Telégrafo, famosa por ilusão de ótica, terá ação de ordenamento [citado em 07 de jan. 2016] Disponível em: <https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/01/pedra-do-telegrafo-famosa-por-ilusao-de-otica-tera-acao-de-ordenamento.html> Acesso em: 06 fev. 2025.

Deixe uma resposta