Por Pedro Diniz e Henrique Anderson
Fonte: CONAFER
Entre os dias 11 e 13 de abril (2025), no Estádio Bezerrão, em Brasília, foram realizadas as finais do primeiro Campeonato Nacional de Futebol Indígena. Esta etapa da competição reuniu cinco equipes, cada uma representando uma região do país. O campeonato é uma iniciativa da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (CONAFER) para promover a afirmação da identidade cultural dos povos indígenas através da prática esportiva. A equipe Brejão de Inoaque (MS), da etnia Terena, se sagrou a grande campeã do torneio. Mas, sem dúvida, todos os povos indígenas saíram vencedores, ao fortalecerem sua identidade e reafirmaram sua (r)existência.
O que é?
O Campeonato Nacional de Futebol Indígena é uma competição organizada pela CONAFER, com o apoio de parceiro como a União Nacional Indígena (UNI), a Confederação dos Povos Originários da Américas (COPOA) e do Terra Bank. O objetivo foi incentivar a prática do esporte entre os povos indígenas e servir como plataforma para a reivindicação de seus direitos políticos, sobretudo a luta pela demarcação de seus territórios. Além de buscar dar visibilidade aos talentos espalhados pelas diversas comunidades indígenas no país.
Em sua primeira edição, a competição contou com o total de 92 equipes, representando dezenas de etnias de todas as regiões do país.
Segundo o secretário de esportes da CONAFER, Burain Kariri Sapuyá:
Nós criamos esse projeto em 2022 no intuito de unir nações e revelar novos talentos indígenas, dando oportunidade para os jovens. Então o intuito do campeonato é criar a união entre os povos e trazer essa cultura viva que todos estão vendo agora no Brasil todo. Então é importante para nós não só para valorizar o futebol, que é tudo para nós, mas para mostrar um pouco da luta e da resistência do nosso povo.
A iniciativa do Campeonato Nacional de Futebol Indígena precisa ser entendida dentro de um contexto mais amplo que envolve a organização de eventos esportivos indígenas nas últimas décadas. Desde 1995, com a iniciativa dos Jogos dos Povos Indígenas, organizados pelos irmãos Marcos e Carlos Terena, têm-se observado como os povos originários têm se apropriado do esporte como veículo para promover a união entre os povos, a afirmação das culturas e reivindicação de direitos. O evento contava em sua grade de programação com modalidades criadas a partir de práticas comuns aos diferentes povos indígenas, como arco e flecha, zarabatana e arremesso de lança, e também com o futebol, esporte mais presente nas aldeias de todo o Brasil.
A partir deste marco, diversas etnias passaram a organizar seus próprios eventos esportivos em suas regiões, visualizando a proficuidade do esporte como elemento promotor de identidades. Sabe-se que é extremamente comum que, em aldeias indígenas de praticamente qualquer etnia no território nacional, exista pelo menos um campo de futebol, utilizado para a prática do esporte mas também como local comum para realização de reuniões, festividades e rituais que compõem o cotidiano destes povos. Nesse sentido, o primeiro Campeonato Nacional de Futebol Indígena é fruto não só da paixão pelo jogo, mas também do reconhecimento de sua importância na vida social indígena contemporânea.
Wilson Ribeiro, editor de jornalismo da CONAFER nos ajuda a entender como o evento foi formulado objetivamente:
O Campeonato Nacional de Futebol Indígena nasce de uma iniciativa com outros esportes. A CONAFER apoiou os Jogos da Aldeia Caramuru (BA) e o que a gente observou? A união. Nosso presidente, Carlos Lopes, que teve essa visão de que os Jogos conseguiam unir as aldeias daquela região nesses Jogos. Aí veio aquela luz né, de que a gente pode promover algo nacional. E que é que une todo mundo? O futebol. Porque o futebol é muito praticado em aldeias indígenas em todo o Brasil. O futebol é muito difundido nas aldeias, como é em todo o país.
Como foi organizada?
A competição se estendeu por todo o território nacional e contou com a participação de 92 equipes, mobilizando cerca de dois mil indígenas como jogadores. Através de uma chamada realizada pela organização do evento, as equipes inscritas foram alocadas em chaveamentos contra equipes da mesma região. A CONAFER organizou as partidas, encarregando-se do transporte das equipes para os campos, da alimentação, hospedagem e da estrutura esportiva, como o quadro de arbitragem e material. O campeão de cada uma das cinco regiões ganhou a vaga para disputar a fase final como representante de sua região. Assim, das 92 equipes iniciais, classificaram-se apenas:
Huni Kuin FC (etnia Huni Kuin) – Região Norte
Clube Esportivo Aldeia Brejão de Nioaque (etnia Terena) – Região Centro-oeste
Terra Indígena Ivaí (etnia Kaingang) – Região Sul
Seleção Pataxó de Coroa Vermelha (etnia Pataxó) – Região Nordeste
Imbiruçu F.C (etnia Pataxó) – Região Sudeste
Essas equipes foram levadas para Brasília, onde disputaram a etapa final no Estádio Walmir Campelo Bezerra, o Bezerrão, casa da Sociedade Esportiva do Gama, tradicional clube do Distrito Federal.
Em Brasília, as equipes, além de se enfrentarem, demonstraram para o público e para as outras um pouco de suas culturas, através de apresentações realizadas na cerimônia de abertura. Nessas apresentações, as quatro etnias presentes no evento demonstraram a diversidade existente entre os povos indígenas espalhados pelas regiões do Brasil. Cada uma expondo cantos em sua própria língua e performances singulares.
Fonte: CONAFER
O Bezerrão se tornou uma verdadeira aldeia multicultural durante três dias. Ao longo dos dias do evento, o público pôde desfrutar de atrações de artistas indígenas e não indígenas e experienciar um pouco da arte dos povos, através das exposições de artesanatos e pinturas corporais.
Dentro de campo
As cinco equipes finalistas disputaram em campo uma premiação de 100 mil reais, divida em 60 mil para o primeiro colocado, 30 mil para o segundo e 10 mil para o terceiro. Foram quatro confrontos que demonstraram o bom nível físico, tático e técnico dos campeões regionais e o talento de muitos dos atletas presentes.
Fonte: CONAFER
O atleta Uinatan, meio-campo da Seleção Indígena Pataxó de Coroa Vermelha, foi um dos destaques esportivos da competição. O atleta tem passagens por clubes profissionais e chamou a atenção de olheiros de clubes da capital federal presentes no evento. Ele destaca que
campeonatos como esse são de suma importância para preservar a cultura dos povos indígenas, que também é parte da cultura brasileira. É a cultura originária do nosso país. E pra mim está sendo muito importante representar não só a minha comunidade mas também o meu povo Pataxó e toda a região nordeste.
No campo, destaque para a grande final entre as equipes Aldeia Brejão de Nioaque e a equipe Terra Indígena Ivaí, em que a equipe Terena se sagrou campeã vencendo a partida pelo placar de 3 a 1, levando o título de primeiro campeão da competição para o Mato Grosso do Sul.
Fonte: CONAFER
Entrevistamos o jogador Rogério Cruz, volante da equipe Brejão de Nioaque, que nos disse o porquê iniciativas como essa são importantes.
A gente sabe quão grande esse Brasil é, tantos indígenas primos nossos aí afora, e a gente tá aqui, em um só lugar, em um só encontro é uma emoção muito grande. Além de ser uma grande oportunidade para a garotada indígena. Os indígenas tem muito futebol para mostrar, então para nós foi muito importante.
O treinador da equipe, Wesley Goes, também enfatiza como a competição incentivou o intercâmbio cultural entre os povos.
Essa conexão entre nós é muito importante. Na fase regional nós saímos do Mato Grosso do Sul e estivemos no Alto Xingu, conhecendo outro povo, outra cultura, outra realidade em relação ao que a gente vive. Isso aí para nós que somos indígenas já foi uma experiência gigante. E estar aqui na capital do nosso país, trazendo os guris para jogar, é só o esporte, só o futebol, que pode colocar isso na nossa vida. A gente sempre escuta essa frase né, que “o futebol não é só futebol”, a gente usa isso para trazer nossa cultura, para dar visibilidade ao nosso povo, mostrar que a gente existe e brigar pelos nossos direitos.
O futebol e a luta por direitos
Em síntese, o evento é um golaço da CONAFER e UNI. Uma iniciativa fundamental e que vai além da promoção da prática do esporte nas aldeias e possibilidade de revelar talentos para o futebol profissional, mas, principalmente, para fortalecer a identidade cultural entre os quase trezentos povos indígenas do território nacional, apresentando para a sociedade a sua diversidade. Não são apenas onze jogadores por equipe, mas nações inteiras com uma memória ancestral, que reafirmam sua existência ao entrarem dentro de campo.
Dentro deste horizonte, o evento se apresenta como um evento alinhado com a resistência dos povos indígenas a violência que historicamente sofrem dentro das terras que habitam ancestralmente. Durante a cerimônia de premiação, foi prestada uma homenagem à família de Galdino Jesus dos Santos, importante líder indígena Pataxó Hã-hã-hãe, engajado na luta pela demarcação das terras do seu povo no Sul da Bahia. Ele foi covardemente assassinado em Brasília em 1997, tendo sido queimado vivo.
A Constituição de 88 afirma em seu artigo 231 que: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. O evento demonstra como esporte e, mais especificamente, o futebol, vem sendo apropriado pelos povos indígenas para reivindicar este direito, colocando como lema principal do evento a frase: “O marco é ancestral. Demarcação já!”.
Fonte: autores
Com o sucesso da primeira edição do Campeonato Nacional de futebol Indígena, a CONAFER e a UNI já planejam uma segunda edição, que atenderá ao mesmo formato da primeira. Para se inscreverem, as equipes devem ser compostas totalmente por atletas com registros indígenas. Os jogos das fases regionais estão previstos para começarem no começo do segundo semestre de 2025.