Comentários sobre pesquisa de torcida de futebol em Alagoas

Foi divulgada semanas atrás pesquisa do Instituto DataSensus/Cada Minuto sobre torcida de futebol em Alagoas, com realização da coleta em 20 e 21 de janeiro deste ano (Flores, 2024). Além da liderança do Flamengo, destaque em vários títulos de notícias na internet, gostaria de discutir outros aspectos.

Hipótese

Em 2021, publiquei o capítulo “A identidade torcedora alagoana no Século XXI: CSA, CRB e ASA na tela, no campo e nas pesquisas” (Santos, 2021) no livro “Esporte, mídia, identidades locais e globais” deste Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte (Leme). A proposta naquele texto era apresentar a hipótese de, em breve, ter maior destaque à identidade torcedora de clube alagoano para quem gosta de futebol no estado.

Partia-se de duas vertentes para tal, o capital simbólico construído com grandes resultados em torneios fora de Alagoas e o capital midiático oriundo de maior, ainda que atrasada em relação a outros lugares, difusão midiática do estadual:

Os últimos 7 anos mostram uma mudança de cenário, com CRB [Clube de Regatas Brasil] e CSA (Centro Sportivo Alagoano), centenárias equipes da capital Maceió, voltando a ter protagonistas locais e ganhando destaque nacional, com Alagoas voltando a ter representante na Série A após mais de três décadas. Em paralelo, desde 2005 o Campeonato Alagoano tem ao menos as partidas finais sendo transmitidas em TV aberta (Santos, 2021, p. 238).

O levantamento feito para o artigo encontrou pesquisas de 2013 a 2019. Entre aquelas realizadas na capital, na região metropolitana de Maceió, em alguns municípios de Alagoas ou nacionais, quase todas mostraram o Flamengo à frente como time como maior torcida no estado.

As exceções foram coletas realizadas em Maceió: pelo Ibrape, em 3 aglomerados de bairros, em 2013 (28,5% para o CRB, 28,1% para o CSA e 27,3% para o Flamengo); e de um grupo de pesquisa da UFAL (Universidade Federal de Alagoas) em 2019 (40,7% do CSA e 39% para o Flamengo), ano em que o CSA participou da Série A do Brasileiro.

Ainda que fosse necessário discutir a metodologia das pesquisas, pois, infelizmente, ainda falta um censo torcedor de grande fôlego, para esses casos uma justificativa possível é que quanto mais distante de onde as equipes realizam seus jogos, maior a tendência da interferência da escolha clubista da família e midiática.

Quantidade de torcida de clubes alagoanos

Sobre o método empregado pelo DataSensus, num levantamento solicitado pelo portal de notícias Cada Minuto, Zirpoli (2024) destaca uma diferença importante para as costumeiramente realizadas em Alagoas: “Ao contrário das últimas projeções feitas por lá, com questionários separados entre clubes locais e clubes de outros estados, desta vez o quadro traz todos os times reunidos – como nos principais levantamentos nacionais”.

A pesquisa considerou apenas a primeira equipe de identificação clubística de cada pessoa, sem considerar pesos para mistos – como vimos na “DNA Torcedor”, da então IBOPE Repucom de 2017, que apontou primeiro e segundo clubes do coração (Capelo, 2018). Isso também pode gerar problema para consideração mais ampla, pois o adepto à bifiliação ou multifiliação clubística também pode acompanhar jogos, ser sócio(a) e adquirir produtos e serviços do segundo clube.

A Figura 1 a seguir apresenta o percentual por clube de acordo com quem respondeu que torce por alguma equipe de futebol.

Figura 1 – Distribuição da torcida alagoana por clube

Gráfico

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa
Fonte: DataSensus (Flores, 2024)

Flamengo na liderança, com 29,1% (500 mil pessoas), mas com três alagoanos na sequência: CSA, 18,6% (319 mil); CRB, 14,8% (254 mil); e ASA, 7,8% (135 mil). Só então aparecem outros clubes nacionais: Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Vasco.

Do resultado da coleta realizada em 26 municípios, avalio duas coisas como positivas: os demais 4 clubes de maior torcida (e nacionalizada) do país atrás dos 3 maiores vencedores de títulos alagoanos; isso inclui a minha surpresa em ver o ASA, de Arapiraca, em 4º, com cerca de 30 mil torcedores a mais que Corinthians e Palmeiras.

Ainda que Arapiraca seja o segundo município mais populoso do estado, com quase 235 mil pessoas residentes, Maceió tem população mais de quatro vezes maior (958 mil) (IBGE, 2022). Como os dados divulgados não estão divididos por cidades, seria importante considerar a saída de pessoas da cidade do agreste para outros municípios, ainda assim é uma proporção relevante.

Em termos de capital simbólico, CRB e CSA dividiram 11 dos 12 últimos títulos estaduais – Coruripe foi a exceção, em 2014. Além disso, o CRB está na Série B desde 2014, com 8 estaduais; enquanto o CSA tem 3 alagoanos no período, subiu da D para a A de 2016 a 2019, com título da Série C de 2017 – mas a queda para a C em 2022, onde está em 2024.

O ASA não disputa a Série B desde o rebaixamento na edição de 2013, com queda à Série D em 2017. Porém, fez as duas últimas finais do estadual. Entretanto, acreditamos que conseguiu fortalecer identidade clubística com o sucesso do início do século XXI, com 6 títulos alagoanos de 2000 a 2011, 4 temporadas na Série B (2010 a 2013) e as finais da Série C de 2009 e da Copa do Nordeste de 2013.

Sem torcida

Se o tópico anterior pode mostrar pontos positivos, concordo com Zirpoli (2024) que ter 45% da população que não torce para qualquer clube é um número significativo. Em comparação, a última pesquisa nacional que encontrei com a identificação desse dado, a Globo/Ipec de 2022, apresentava 24,4% (Mello; Machado, 2022).

Houve divulgação da estratificação desse dado em Alagoas de acordo com municípios. Atalaia é o com maior quantidade de torcida de clubes, 67%; enquanto União dos Palmeiras é a que tem menos, com 36%. Curiosamente, Maceió é o 8º, com 57% de torcedores; enquanto Arapiraca vem logo atrás, com 56%. 

Ou seja, mesmo as cidades mais populosas, com times que costumeiramente disputam as fases decisivas do estadual e estão em competições nacionais, precisam trabalhar melhor a identidade para o futebol, não só para a equipe.

A Figura 2 a seguir traz outra segmentação interessante, por gênero e idade.

Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente
Fonte: DataSensus (Flores, 2024)

Quanto ao gênero, a diferença é considerável. Menos da metade das mulheres de Alagoas se identificam com algum clube de futebol (47%). Enquanto entre os homens o percentual é de 63%, ainda menor que a média nacional, mas bem maior que a de mulheres.

Essa tendência também é nacional, segundo a pesquisa Globo/Ipec de 2022, em que 13,6% dos homens e 33,9% das mulheres do país não torciam por clubes de futebol (Mello; Machado, 2022).

Esse ponto em específico nos levaria a ampliar a análise para as diferenças socialmente elaboradas sobre gênero. Como afirma Barreto Januário (2015, p. 11), trata-se de uma “[…] construção cultural brasileira que concebe o futebol como um espaço de práticas sociais masculinas”.

Caberia verificar também as especificidades da constituição social alagoana e seus reflexos no futebol – lembrei, por exemplo, da torcedora do ASA assediada no Estádio Coaracy da Mata Fonseca no ano passado (7 Segundos 2023).

Outro dado interessante para acompanhamento é a faixa geracional que se identifica como torcedora de futebol. A maior parte está na faixa etária mais nova, de 16 a 24 anos, com 63%. Nas demais, a variação é pequena, de 52% a 56%. Pode ser um sinal de que a nova geração esteja mais interessada em torcer para um clube de futebol.

Aqui também seria importante ver a estratificação por gênero, buscando ver se havia uma evolução quanto à identidade torcedora entre as mulheres mais novas.

Considerações finais

Foi intencional neste texto não tratarmos do fato de um clube de fora ter a maior parte da torcida em Alagoas. Assunto muitas vezes tratado, especialmente por quem é da Rede Nordestina de Estudos de Esporte e Mídia (ReNEme), confesso que se certos comentários sobre os efeitos da venda de mando de campo por times do Rio de Janeiro para Norte e Nordeste neste início de ano já não me irritam como outrora, seguem me cansando.

No caso alagoano, percebemos que é urgente aprimorar a cultura torcedora para o futebol, especialmente entre as mulheres. Algo que nos levaria a vários outros projetos de pesquisa para poder identificar os motivos para essa quantidade considerável de não torcedoras, principalmente.

Para os clubes locais, é preciso, por um lado, tratar melhor quem já é torcedor(a), com mais e melhores ações além dos jogos. Por outro, aprimorar a conquista de quem considera o respectivo clube como segundo, em ordem de importância. Além de auxiliar na formação de mais pessoas que se interessem pelo futebol, algo que deve, mesmo com proporção simples, aumentar seu público.


Referências

7 Segundos. Torcedora do ASA relata importunação sexual no estádio durante a semifinal em Arapiraca. 7 Segundos, Arapiraca, 20 mar. 2023. Acesso em: 04 fev. 2024.

BARRETO JANUÁRIO, S. Modos de Ver: a (in)visibilidade feminina enquanto profissional do esporte. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 38., Rio de Janeiro, 2015. Anais… São Paulo: Intercom, 2015. Acesso em: 04 fev. 2024.

CAPELO, Rodrigo. Torcedores ou simpatizantes: uma nova pesquisa detalha a composição das torcidas. Época Esporte Clube, São Paulo, 08 maio 2018. Acesso em: 12 jul. 2019.

FLORES, G. Nem CSA, nem CRB: Pesquisa divulga time com mais torcedores em Alagoas. Cada Minuto, Maceió, 23 jan. 2024. Acesso em: 04 fev. 2024.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Arapiraca – Censo Brasileiro de 2022. Acesso em: 04 fev. 2024.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Maceió – Censo Brasileiro de 2022. Acesso em: 04 fev. 2024.

MELLO, B.; MACHADO, T. Número de brasileiros que não torcem para nenhum time é maior que o de flamenguistas. O Globo, Pulso, Rio de Janeiro, 25 jul. 2022. Acesso em: 04 fev. 2024.

SANTOS, A. D. G. dos. A identidade torcedora alagoana no século XXI: CSA, CRB e ASA na tela, no campo e nas pesquisas. In: HELAL, R.; COSTA, L.; FONTENELLE, C. (Orgs.). Esporte, mídia, identidades locais e globais: uma produção do Seminário Copa América. Rio de Janeiro: Autorale/Faperj, 2021. p. 238-251.

ZIRPOLI, C. Pesquisa em Alagoas aponta 24% de torcidas locais e Flamengo como líder; veja as maiores. Cassio Zirpoli, Recife, 24 jan. 2024. Acesso em: 04 fev. 2024.

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