Desalento em verde e amarelo: a nova realidade entre a torcida e a seleção brasileira de futebol

Desalento em verde e amarelo: a nova realidade entre a torcida e a seleção brasileira de futebol

O futebol é o esporte mais popular do Brasil e constitui parte da identidade nacional. Todo brasileiro em algum momento já parou para ver ou ouvir algo relacionado ao esporte, mesmo que não por vontade própria. Os campeonatos, sejam eles da seleção ou relacionados aos clubes, movem multidões. É um esporte que alcança toda heterogeneidade da população brasileira, sejam elas sociais, de idade, gênero, sexualidade ou credos.

Quando pensamos a história do futebol no Brasil, podemos observar que a massificação deste esporte no país acontece com a popularização da seleção brasileira. Muitos governos, principalmente em períodos não democráticos, se utilizaram da seleção brasileira como propaganda política. Durante o Estado Novo há um apelo do governo envolto ao futebol. “Durante os primeiros governos de Vargas (entre 1930 e 1945), o futebol tornou-se de fato um elemento do Estado na construção de um modelo nacional” (MAGALHÃES, p.33, 2014). Neste período é criado o CND[1], que adotou as regras de jogo da FIFA[2]. No Rio de Janeiro é criada a FMF[3]. É importante destacar, como nos alerta a historiadora Livia Magalhães que: “as Copas não se resumiram ao uso que os regimes fizeram delas e foram também um importante espaço de relações e manifestações de outras partes da sociedade” (p.107, 2014).

As Copas do Mundo da FIFA de futebol masculino, um dos principais eventos esportivos do planeta, era o momento que de quatro em quatro anos o país parava para acompanhar os jogos e havia uma união para torcer pelo Brasil, como festas com as ruas pintadas com as cores do Brasil, algo mais incomum nos dias atuais. Era o momento em que o brasileiro tinha orgulho de ser brasileiro. “A manifestação paroxística da brasilidade no futebol ocorre de quatro em quatro anos, nas Copas do Mundo, eventos memoráveis para os brasileiros, nos quais, são as representações em confronto sobre a nação que entram em campo” (GUEDES, 1998, p.43).

“No caso brasileiro, podemos supor devido à rápida e crescente popularização do futebol nos grandes centros urbanos, a seleção brasileira de futebol foi, pouco a pouco, transformando-se na encarnação preferencial da nação brasileira. No mesmo processo, realizava-se a metonímia seleção brasileira = ‘povo (…). Sem exageros, podemos dizer que, neste processo, o “povo” foi protagonista pela primeira vez.” (GUEDES; ALMEIDA., p.77, 2019).

Os mundiais das seleções, organizados pela FIFA, passaram a movimentar o mundo esportivo. A competição que acontece de 4 em 4 anos e é sediado a cada edição em um país diferente é ainda hoje considerado um dos maiores eventos esportivos do mundo. A primeira Copa do Mundo aconteceu em 1930, no Uruguai. O país sede consagrou-se como o primeiro campeão da competição, vencendo a Argentina na final. Após essa edição tiveram mais duas (1934 e 1938), onde a Itália seria a campeã e usaria fortemente a competição como forma de propaganda fascista. Durante a Segunda Guerra Mundial (1940 – 1945) a competição ficou suspensa retornando apenas na edição de 1950, no Brasil.

A realização desta edição da Copa do Mundo no Brasil foi deveras importante para a ampliação cada vez maior do envolvimento da população brasileira no âmbito do futebol, mesmo com a derrota da seleção brasileira na final contra o Uruguai, no Maracanã, diante de cerca de 200 mil torcedores. A grande multidão de pessoas que assistia à partida ficou em completo silêncio após a derrota do Brasil para o Uruguai de virada, o fato ficou conhecido como “Maracanazo”. Apesar disto, o futebol se manteve presente no cotidiano das pessoas.

O equipamento esportivo, que na época era o maior estádio do mundo, é ainda hoje considerado um dos maiores “templos” do futebol. “A construção do Maracanã, corresponde a uma grande popularização desse esporte que se converteu num grande espetáculo das e para as multidões” (TEIXEIRA, 2004, p.48).

De acordo com Curi (2013, p.14), “a imensidão do Maracanã abriu o estádio para toda a população, garantindo o acesso ao lazer sem distinção financeira”. Com isso, podemos compreender que o Maracanã tem um papel importante no aumento da massificação do futebol no Brasil e seu estabelecimento enquanto identidade nacional, principalmente, no que diz respeito ao grande sucesso dos grandes estádios que foram construídos pelo Brasil afora inspirados neste modelo.

Os demais estados da federação encamparam, então, aquele modelo arquitetônico, a começar pelo Mineirão em 1965, sendo seguido por um sem-número de aõs: Batistão, Vivaldão, Castelão, Mangueirão, entra tantas outras praças desportivas congêneres. Tal vigência estendeu-se até o decênio de 1990 e tornou possível o agigantamento do público que proporcionou uma rede clubística em escala nacional, exponenciada pela entrada das transmissões televisivas. (MALAIA, 2012, p.95)

As Copas do Mundo, ao longo das décadas, tornaram-se uma competição com o importante papel de difusão do futebol no que se refere ao Brasil. É neste momento, que acontece o principal evento esportivo do mundo, que o brasileiro tem orgulho da sua nacionalidade, exacerba seu patriotismo. “A manifestação paroxística da brasilidade no futebol ocorre de quatro em quatro anos, nas Copas do Mundo, eventos memoráveis para os brasileiros, nos quais, pode-se dizer, são as representações em confronto sobre a nação que entram em campo” (GUEDES, 1998). Ruas enfeitadas, muros pintados, grupos reunidos em praças, bares e festas para acompanhar aos jogos do selecionado.

O Brasil tornou-se o maior campeão de Copas do Mundo no mundial de 1970, tornando-se a primeira tricampeã. Foi a primeira seleção a tornar-se tetracampeã e até a próxima Copa, em 2026, a única pentacampeã. Mas será que ainda hoje o Brasil é visto como o “país do futebol”? “O futebol está presente nas conversas informais, na linguagem popular, em contos, filmes, romances, o que demonstra a força que esse esporte possui entre nós” (COSTA, 2013).

Nos últimos anos é possível notar um distanciamento entre a torcida brasileira e a seleção de futebol. Contudo, o mesmo não ocorre quando abordamos sobre os clubes de futebol, que mantém uma torcida apaixonada, lota os estádios e tem torcedores que acompanham com frequência seus times nos campeonatos regionais e nacionais. Mesmo que a torcida brasileira ainda lote os estádios para assistir ao selecionado em jogos pelo mundo afora, pode-se presumir que há um hiato nas demonstrações do torcer entre a seleção e aos clubes de futebol, isso na modalidade masculina.

Com isso, decidi fazer um formulário no Google, para poder acumular dados estatísticos acerca da relação da torcida brasileira com a seleção, principalmente quando os jogos da seleção interferem nos jogos dos clubes brasileiros. No total, 140 pessoas responderam ao formulário, a grande maioria são torcedores dos quatro principais clubes do Rio de Janeiro[4], porém responderam outros torcedores de clubes de bairro do Rio e torcedores de outros clubes brasileiros, como Corinthians, Avaí e Grêmio.

Vários fatores podem explicar o distanciamento entre torcedor e seleção. Podemos citar entre elas o fato de em alguns momentos, a seleção desfalcar os clubes brasileiros dentro de um calendário extenso de competições nacionais, que causam lesões e desgastes entre os jogadores. Sobre este aspectos, podemos visualizar alguns comentários acerca de como a Seleção pode desfalcar seu time. É válido destacar que em outros tempos era motivo de orgulho ter um jogador do seu clube convocado para a seleção.

Porque interrompe o calendário e leva jogadores que podem se lesionar e/ou não descansar enquanto outros jogadores estão descansando na Data FIFA. No caso da Copa América não há pausa e isso causa problemas aos times que têm jogadores convocados. (Justificativa de um torcedor no Google Formulário)

Podemos citar também a falta de identificação com boa parte dos jogadores, visto que muitos deles vão jogar na Europa ainda muito cedo e, alguns deles, sem nem ao menos jogar no time principal do clube pelo qual foi revelado ainda nas categorias de base. Na época em que muitos dos craques jogavam nos principais clubes brasileiros, o público tinha uma ligação mais direta com os atletas, pois os viam surgir e jogarem em seus clubes por um período extenso.

Ainda sobre a relação do torcedor com o jogador, perguntei se esse torcedores tinham algum ídolo na atual seleção, nos convocados nos últimos cinco jogos. A grande maioria respondeu por jogadores que atuaram por mais de um ano ou que ainda atuam no futebol brasileiro, como é o caso do volante André[5], Gerson e o atacante Pedro[6]. Porém dois jogadores muito citados foram ainda muito jovens jogar na Europa, como é o caso dos atacantes Vinicius Júnior e Rodrygo. Ambos são atacantes do Real Madrid, um dos principais clubes da Europa. Sobre estes dois últimos, Rodrygo é o jogador que mais jogou partidas neste ciclo de jogos para a próxima Copa do Mundo, em 2026[7].

Outro aspecto são as decepções recentes com a seleção brasileira. O último título da seleção em Copas do mundo foi em 2002, se contarmos até a próxima Copa, serão 24 anos de jejum. Toda uma geração não viu o Brasil vencer uma Copa. É o mesmo jejum se compararmos com o período entre as Copas de 1970 e 1994, a grande diferença é que nesses últimos 24 anos, poucas foram as seleções que de fato empolgaram o torcedor, que tiveram uma gama de ídolos e a cada ano esse expectativa tem diminuído, como nos gráficos abaixo:

                                                                                                    Sendo (1) não acredita e (5) acredita muito.

O traumático 7 a 1 contra a Alemanha em 2014, na Copa no Brasil, também contribui para este afastamento. Além do mais, muitas seleções que não têm a mesma tradição que o Brasil no futebol, têm tido desempenhos superiores ao da Seleção Brasileira, como é o caso da Colômbia, que disputou com a Argentina[8] a final da última Copa América em 2024. As pífias atuações nas últimas Copa América e nas Eliminatórias da Copa, em que, matematicamente, o Brasil corre alto risco de nem ao menos se classificar para a próxima Copa do Mundo. O Brasil é o único país que participou de todas as edições da competição.

Podemos citar também as questões políticas e sociais destacadas por Guedes e Almeida, no artigo “O sequestro do verde e amarelo”. O uso, pela extrema direita, dos símbolos nacionais, assim como, posicionamentos políticos de alguns jogadores, em um momento de polarização política, afastou alguns torcedores da relação com a seleção brasileira.

Não por acaso, após as Jornadas de Junho, muitos foram os brasileiros que passaram a evitar o uso dos símbolos e cores nacionais em manifestações de rua, sob risco de se verem confundidos com chauvinistas ou nacionalistas de direita. Esse é o ponto que nos interessa aqui. Como tais símbolos e cores são da nação (isto é, de toda a nação) e não de apenas uma parte dela, a sua apropriação, seja por um partido, um regime político ou mesmo por uma parcela da população (ainda que majoritária), implica, por consequência, na expropriação de todas as demais. É, justamente, isso o que tem ocorrido, nos últimos tempos, no Brasil e é a isso que denominamos de segundo sequestro do verde e amarelo (GUEDES; ALMEIDA; p.82, 2019).

Muitos torcedores priorizam as competições relacionadas aos seus clubes, sejam nas competições estaduais, nacionais ou continentais, do que os torneios das seleções. A identificação com o clube pelo qual se torce é muito mais intensa, devido ao fato de se acompanhar diariamente, a proximidade com os jogadores e a rivalidade com a torcida dos outros clubes. As transmissões de jogos da seleção, que costumavam parar o país, já não geram o mesmo entusiasmo que os clássicos entre grandes clubes brasileiros representam. Em meio a isso tudo, podemos destacar o elevado valor dos ingressos para as partidas do Brasil no país, afastando boa parte da população. Se outrora a seleção ajudou a massificar o futebol, hoje ele ajuda a elitizar o esporte, principalmente após as arenizações dos estádios ocorridos para os grandes eventos esportivos da década passada[9].

Esses resultados não significam que há uma perda de amor pelo futebol, mas há um redirecionamento do foco de interesse, que se outrora se intensificava no que diz respeito a seleção, hoje é mais intensificado nos clubes de futebol. Enquanto a seleção perde parte de seu encanto, os clubes seguem sendo fundamentais para a cultura do futebol no Brasil.

 

Referências:

CURI, Martín. “O estádio Engenhão no Rio de Janeiro: espaço dos torcedores?” In: Enquanto a Copa não vem. (org) BISCARDI, Carlos Henrique; COSTA, Leda; CURI, Martin – Editora UFF. Niterói, 2013.

GUEDES, Simoni Lahud. O povo brasileiro no campo de futebol. Revista DF-letras, Brasília – DF, 1998.

__________; Prefácio ao livro As mulheres no universo do futebol brasileiro. In: KESSLER, Claudia; PISANE, Mariane e COSTA, Leda. As mulheres no universo do futebol brasileiro. Santa Maria: Editora da Universidade de Santa Maria, 2020.

__________; ALMEIDA, Edilson Márcio. O segundo sequestro do verde e amarelo: futebol, política e símbolos nacionais. Cuardernos de Aletheia. La Plata, n.3, 2019.

HOLLANDA, Bernardo B. B.; MALAIA, João M.C.; TOLEDO, Luis Henrique de; MELO, Victor Andrade de. A torcida brasileira. Rio de Janeiro: 7letras, 2011

LOPES, Felipe Tavares Paes. Violência no futebol: ideologia na construção de um problema social. Editora CRV, 2019.

MAGALHÃES, Lívia Gonçalves. Com a taça nas mãos. Sociedade, copa do mundo e ditadura no Brasil e na Argentina. Lamparina, FAPERJ. 1ªed. Rio de Janeiro, 2014.

TEIXEIRA, Rosana da Câmara. Os perigos da paixão: Visitando jovens torcidas cariocas. Rio de Janeiro. Editora Annablume. 2004.

[1] Sigla de Conselho Nacional de Desportos

[2] Fédération Internationale de Football Association – Federação Internacional de Futebol Associado

[3] Acrônimo de Federação Metropolitana de Futebol.

[4] Fluminense, Flamengo, Botafogo e Vasco.

[5] Ex jogador do Fluminense e recém vendido ao Wolverhampton da Inglaterra.

[6] Os dois últimos, foram para a Europa, mas voltaram a jogar no Brasil e atuam pelo Flamengo.

[7] https://ge.globo.com/futebol/selecao-brasileira/noticia/2024/03/26/curinga-no-ataque-rodrygo-e-quem-mais-jogou-pela-selecao-brasileira-neste-ciclo-de-copa.ghtml. ACESSO EM: 08/10/2024 às 13h

[8] Atual campeã do mundo

[9] Copa do Mundo em 2014 e Olímpiadas em 2016;

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