Dois fatos recentes e sem aparente conexão me levaram a pensar sobre o custo de ser torcedor no Brasil e o que isso representa para o torcedor comum, o brasileiro assalariado. Adianto que este texto não pretende ser uma análise aprofundada sobre o tema, mas tão somente a exposição de alguns dados entremeados por questionamentos.
O primeiro acontecimento foi a tentativa de invasão de torcedores rubro-negros no jogo da semifinal da Libertadores no Maracanã, que resultou inclusive em uma operação policial um dia antes da partida e em confrontos a poucos momentos do início da disputa, o que, dentre outros significados, demonstra o interesse de muitos pelo evento e a impossibilidade de fazer parte da festa. O segundo episódio foi uma pesquisa da Sports Value sobre o gasto médio anual de torcedores com seus clubes, o que traz latente uma lógica de torcedor enquanto cliente. Os números dessa pesquisa revelaram ainda que os clubes dependem muito de patrocínios, venda de jogadores e direitos de TV para comporem suas receitas. Mas, voltando à questão motivadora desse texto, eu quis entender menos a paixão do torcedor por seu clube, que o leva a tentar invadir um estádio para assistir a sua equipe, do que o impacto financeiro dessa paixão e o quanto a economia do futebol contemporâneo afasta o torcedor comum, mais pobre, dos clubes da Série A do Brasileiro.

Não é barato ser um torcedor dos grandes clubes do futebol nacional. Em meados de maio, O Globo também publicou uma reportagem sobre a estimativa de gasto médio mensal de torcedores dos clubes nacionais, tomando por base um torcedor “ideal”, que tenha um plano associativo de seu clube, assine o pay-per-view e adquira a camisa oficial. Na média, o gasto mínimo mensal desse torcedor de qualquer um dos 20 clubes da série A fica entre R$ 127,31 e R$ 354,24. Esses valores máximos e mínimos tomam por base os maiores e menores valores dos planos de sócio-torcedor desses clubes. Esses valores representam aproximadamente entre 12,75% e 35,49% do salário mínimo nacional. Isso em um país em que, segundo pesquisa mais recente do Pnad/IBGE, a parcela mais pobre da população (cerca de 104 milhões de brasileiros) tem rendimentos totais de meros R$ 413.
É importante quantificarmos esses gastos, principalmente quando os programas de sócio-torcedor se tornam pré-requisitos para os torcedores adentrarem aos estádios. Assim como já acontece em muitos países da Europa, as diferentes categorias de sócio-torcedor oferecem diferentes níveis de prioridade na compra de ingressos. Ao torcedor comum, não-associado, se torna cada vez mais difícil acompanhar os jogos do seu clube, principalmente aqueles decisivos, como foi o jogo de quarta-feira entre Flamengo e Grêmio.
Essa prioridade de compra, bem como outros benefícios que os clubes oferecem aos associados, podem nos ajudar a entender o crescimento dos programas de sócio-torcedor. Apenas nos cinco últimos anos, segundo artigo do jornalista Paulo Vinícius Coelho, houve um aumento de 42% na arrecadação com esses programas, que agora totalizam 390 milhões de reais entre os clubes da Série A, o que em números relativos equivale a 7,7% da receita total dos clubes. PVC ainda defende que os programas de sócio-torcedor não significam apenas maior renda para os clubes, mas também aumentam o público médio nos estádios, que neste Brasileiro se encontra em 20.980, faltando onze rodadas para o fim da competição. Os dez principais clubes em número de sócios totalizam 728 mil e 100 torcedores, segundo dados do Globo Esporte em 30 de outubro. Ainda que muitos desses pacotes incluam descontos ou mesmo a entrada gratuita em jogos, o que esses números positivos mascaram são os torcedores deixados de fora, que não podem dispor de um montante mensal significativo para pagar por esses planos.
O torcedor comum, que não possui acesso aos descontos dos planos de sócio, tem de arcar com um tíquete médio para entrada nos estádios no valor de R$ 34,95[1] (média entre os clubes da série A). Este valor corresponde a 3,5% do salário mínimo. Se um torcedor quiser assistir a seu clube, digamos, três vezes por mês, ele terá de desembolsar pouco mais de 10% do salário mínimo, isso sem contar despesas com transporte e alimentação. A taxa média de ocupação dos estádios no Brasileiro deste ano é, no entanto, de apenas 47%. Ora, para alcançar um percentual maior, quem sabe algo próximo de 100%, não valeria a pena baratear alguns setores do estádio? Dá mais lucro deixar o estádio vazio em alguns setores? Acredito que não. Mas qual seria o motivo então de não o fazê-lo? Não desvalorizar os programas de sócio-torcedor ou a marca do clube? Admito que nunca encontrei uma resposta satisfatória para essa questão, mas gostaria que essa desocupação incomodasse os dirigentes a ponto de fazê-los refletir sobre a política de preços, ao menos em jogos de menor apelo.

Caso queira ficar em casa e assistir aos jogos do seu time pela televisão, o torcedor tem de pagar R$ 59,90 mensais – 6% do salário mínimo. A título de comparação, o NBA League Pass, disponível também para brasileiros, possui diferentes ofertas de planos, que variam entre R$ 7,99 (passe diário) e R$ 18,99 e R$ 41,99 (planos mensais)[2]. Apesar de ver um declínio no número de venda de pacotes do PPV do Brasileirão, a emissora detentora dos direitos de transmissão parece não cogitar uma flexibilização dos pacotes ou preços mais atrativos, para atrair maior número de assinantes. O caminho que aparentemente será adotado é o de restringir ainda mais os jogos transmitidos em TV aberta, o que, espera-se, forçaria o torcedor a adquirir o PPV. Temos aqui mais uma barreira ao torcedor comum.
Não à toa, verifica-se um aumento de jovens que torcem por clubes europeus. A depender do clube brasileiro pelo qual você tenha preferência, pode ser mais difícil assistir a um jogo dessa equipe do que digamos do Barcelona, Chelsea, PSG ou algum outro grande europeu. Em 2017, pesquisa do Ibope Repucom revelou que 72% dos jovens brasileiros torciam por algum clube europeu. Ao mesmo tempo, cresce também o percentual de brasileiros sem interesse por futebol – segundo pesquisa do Datafolha, esse número alcançou 42% em 2018, frente a 20%, em 2010, 10%, 2006, 22%, 2002 e 17%, 1994. Não acredito que esses números reflitam apenas mero desinteresse. O fator custo-benefício do entretenimento possivelmente deve afetar essa equação. Um divertimento caro e com retorno incerto (nada garante que você assistirá um belo jogo) tende a atrair cada vez menos pessoas.

O que os clubes brasileiros podem fazer para se aproximar do torcedor comum, que representa boa parte da população brasileira assalariada, com poucos recursos para investir no entretenimento futebolístico? Esse torcedor investe menos no clube que um sócio-torcedor, mas sua atuação em outros meios (rede social, audiência em TV aberta, exposição da camisa pelas ruas) traz com certeza retorno em visibilidade de marca para o clube. Não deveríamos existir, então, ações pensando também nesse torcedor não-associado? E as transmissões televisivas das partidas, um importante canal para acompanhar seu clube (afinal, não cabe todo mundo no estádio), não deveriam também tentar ser mais democráticas? Penso em planos mais acessíveis ou com valores diferenciados para acompanhar apenas seu clube ou algumas partidas. Torcedores de menor renda não poderiam, por exemplo, ter acesso gratuito ou com condições facilitadas ao PPV? Se há um aumento no desinteresse por futebol e esse é o principal produto dos clubes e da imprensa especializada, não deveria ocorrer um movimento de resgate desse interesse? Nesse caso, por que não pensar em ações que tornem mais viável assistir ao seu clube do coração, e não apenas as finais dos grandes campeonatos europeus e a todos os jogos da Copa do Mundo?
Poderia continuar aqui levantando questões por um tempo e gostaria de ter mais respostas do que dúvidas. Infelizmente, não é esse caso. Os próximos anos provavelmente deixarão mais claros os rumos que o futebol brasileiro está tomando: elitização irreversível ou abertura para o torcedor comum. Veremos.
[1] O maior tíquete médio entre os clubes da série A é o do Palmeiras – 56 reais, seguido por Corinthians (51), Avaí (49), Vasco (47), Inter (45) e Flamengo (45). Os maiores clubes em ocupação média são Flamengo (82%), Corinthians (72), Palmeiras (69), Vasco (65) e Bahia (60). E as maiores médias de pagantes são de Flamengo (53.640), Corinthians (34.625), São Paulo (32.331), Fortaleza (30.898) e Palmeiras (29.773).
[2] Planos anuais ainda oferecem desconto.