Futebol de base no Brasil: quando o sonho é jogar no exterior

|Por Carlos Henrique de Vasconcellos Ribeiro

“O poder de qualquer sociedade está nas mãos daqueles que conseguem impor a fantasia” 

Philip Roth  (do livro Por que escrever, 2022, Ed. Companhia Das Letras)

O futebol é para os pesquisadores da área social um vasto campo de investigação. A partir dele tem sido possível pensar sobre a sociedade, e as inúmeras mazelas de desigualdade que há no País. Assim, um dos caminhos para os estudos com essa temática é o fluxo migratório de jogadores brasileiros no exterior. 

Quantificar, mapear e analisar os dados disponíveis sobre quantos são, onde estão e como foi a experiência de jogar no exterior tem sido objeto de pesquisadores de diferentes formações. Eles encontram na migração esportiva uma maneira de investigar o que leva pessoas a se colocarem disponíveis para exercerem sua profissão de jogadores de futebol em quase qualquer lugar onde exista a prática desse esporte, quer seja de forma organizada e bastante profissional ou, ainda, em sua dimensão amadora e com poucos incentivos financeiros. 

No Brasil os estudos sobre fluxos migratórios esportivos, e mais especificamente sobre migração no futebol, têm sido objeto de um número considerável de pesquisadores. Normalmente essas investigações apresentam os países que mais recebem os jogadores, os agentes que colaboram com as redes de captação e as interpretações desses atletas, comissão técnica e demais profissionais envolvidos sobre suas experiências no exterior.

Vai se construindo com isso um somatório de textos que contribuem para uma visão mais abrangente, com um recorte de análises dessa realidade, que é complexa e tem o lado financeiro como um dos motivos para essa migração. É uma das funções do pesquisador apresentar esse cotidiano, que por vezes passa despercebido. É comum que os jogadores brasileiros que estão no exterior tenham atenção midiática quando alguma situação extraordinária ou inusitada acontece – um belo gol, um ato negativo da torcida local, uma situação de guerra… 

Cabe aqui também ao pesquisador discutir o regular, o corriqueiro das práticas sociais e transformá-lo em um objeto de investigação, resgatando-o da invisibilidade como nessas situações. As pesquisas sobre migração esportiva têm sido uma das formas de mostrar as experiências de vida dos profissionais do futebol que estão fora do Brasil, e a pujança da movimentação econômica que levou esse mercado de trabalho a alcançar cerca de R$ 2,2 bilhões durante o ano de 2021. 

Agora quero apresentar essa foto que foi tirada por mim em uma escola de formação de base do futebol: 

Foto: arquivo pessoal do autor

São várias setas apontando para estádios de futebol, junto com a informação sobre suas respectivas distâncias. Nenhum dos estádios ali nomeados está localizado no Brasil. 

Se essa placa de setas está dentro de uma escola de esporte, é porque deve existir uma percepção coletiva de que os locais ali apontados são reconhecidos como importantes, quer seja para quem treina, quer seja para quem leva seus rebentos para treinar. Assim vai também se construindo um caminho a ser percorrido. E esse não indica nenhum estádio de futebol brasileiro. 

A placa deve cumprir seu papel também para quem por ali passa, visita ou trabalha. Ela é uma das representações sobre como as pessoas envolvidas na formação de jogadores das escolas de base dos clubes do futebol brasileiro compreendem os caminhos que levam ao sucesso nesse esporte, porque as placas ali nomeadas são de estádios famosos pelo mundo. Reforçam assim para as crianças e adolescentes que estão sob sua responsabilidade os lugares que, desde o começo de suas trajetórias no futebol, vão se tornando objeto de desejo e projeção. 

A capacidade de formação de atletas de alto nível técnico no futebol no brasileiro é indiscutível. Há profissionais experientes, uma cultura de competição e as redes de captação, transferência e suporte. As pesquisas acadêmicas sobre migração esportiva no futebol demonstram que é durante a formação do jovem jogador que a possibilidade de atuar em outros países se torna uma necessidade, principalmente para os que querem continuar exercendo sua profissão, e não alcançaram o interesse dos agentes que realizam as transferências para as equipes da primeira linha do futebol europeu. E há inúmeras dificuldades para os que querem migrar: distância e hábitos do país dos clubes que os aceitam, a língua que lá é falada, e as condições de moradia que vão receber.  

O mercado de trabalho do futebol movimenta bilhões de reais em transações dos direitos federativos dos jogadores para o exterior. Desde o início da formação desses atletas há um incentivo – em nível profissional e familiar – para que eles encontrem o caminho do aeroporto como uma das formas de continuarem jogando bola, e quem sabe, fazerem seu pé-de-meia nessa curta e instável profissão.    

Afinal, como não acreditar na força de um sonho? 

Algumas sugestões de leitura sobre o tema:

  1. CBF – Raio-X do Mercado 2022: transferências do futebol alcançaram R$ 2,2 bilhões, 2022.
  2. NASCIMENTO, Diego; RIBEIRO, Carlos; PALMA, Alexandre; Pereira, Erik. Migração no esporte: uma revisão sistemática. Motrivivência, (Florianópolis), v. 32, n. 62, p. 01-19, abril/junho, 2020.
  3. RIAL, Carmen. Rodar: a circulação dos jogadores de futebol brasileiros no exterior. Horizontes antropológicos, v. 14, n. 30, p. 21-65, 2008.
  4. ROJO, Jeferson; RIBEIRO, Carlos; STAREPRAVO, Fernando. The process of formation and development of an academic field:  the example of sport migration.

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