O mercado esportivo deve ser pensado como ambiente social ou virtual propício às condições para a troca de bens, serviços e performances atléticas com vista a transformação desses em produtos econômicos (PRONI, 2000: 98). O mercado esportivo se caracteriza pela inserção de atletas profissionalizados de alto rendimento em um ambiente competitivo caracterizado por competições regulares e estáveis que cada vez mais se associam com o capital econômico para transformar o esporte em um produto de consumo e retorno financeiro para seus patrocinadores e investidores através da exposição midiática, do marketing e da publicidade.
O mercado esportivo é parte integrante de um mercado econômico global mais amplo de produção de bens e entretenimento. Por isso, o mercado esportivo é em determinadas características correlato ao mercado econômico mundial, possuindo também seus centros e suas periferias, seus fornecedores de commodities e os de produtos industrializados, bem como seus polos atrativos de mão-de-obra qualificada.
No tocante ao futebol, os países europeus como Inglaterra, Itália, Portugal, Espanha e Alemanha compõem o núcleo (centro do mercado), pois possuem os campeonatos mais valorizados, as melhores possibilidades de exposição midiática, o maior poder econômico e são o grande destino dos trabalhadores migrantes do futebol. Ao redor desse centro, existem as periferias mais próximas como é o caso da América do Sul e Central (sendo o Brasil parte dela) e as periferias mais distantes como o continente africano, a Ásia, a América do Norte e a Oceania respectivamente.
O funcionamento desse circuito faz com que muitos atletas brasileiros saiam do país rumo a Europa e que os clubes brasileiros se tornem fornecedores de pés-de-obra para esse mercado. Segundo dados do site da FIFA, o número de jogadores brasileiros que saíram do país em 2017 chegou a 806 e até o meio do ano de 2018 o dispositivo TMS já havia registrado 412 saídas de atletas para o exterior. Ainda segundo essas informações 397 tinham ido para a Europa ingressar nas ligas dos mais diversos tipos e apelos econômicos evidenciando que o mercado europeu ainda é o principal polo de migração dos jogadores brasileiros.
Fica claro que nesse mercado esportivo o Brasil ocupa papel homólogo ao seu no mercado econômico: exportador de matérias-primas. Essas matérias-primas no caso são os jogadores de futebol que servirão aos campeonatos mais valorizados. Essa exportação regular de jogadores de futebol, não se dá apenas pela discrepância entre os poderes econômicos dos clubes e o valor de suas ligas, mas também pela necessidade de muitos clubes brasileiros equacionarem dívidas e equilibrarem suas finanças. Depois das cotas de televisão e mais recentemente o valor dos patrocínios, a venda de jogadores ainda é o terceiro maior meio de obtenção de recursos financeiros como mostra o gráfico.

O sucesso nas transferências se torna no futebol brasileiro condição básica para tentativa de equilíbrio das finanças dos clubes. Cabe lembrar que nesse mercado esportivo mundial, os atletas são mercadorias, ou seja, produtos e como em qualquer mercado o produto é mais valorizado à medida que engloba mais características valorizadas naquele circuito. Desse modo, No Brasil há um processo de formação calcado num número muito maior de horas e preparação porque desde pequenos esses atletas são encarados como possíveis produtos de exportação. Esse modelo brasileiro foi descrito por Damo, no seu livro “Do Dom a Profissão” como formação “à brasileira” e nele os clubes direcionam quase que exclusivamente o tempo dos atletas para as atividades físicas e internalizações de disposições futebolísticas renegando qualquer outra atividade para segundo plano.
O tempo de treino é então privilegiado e isso se reflete na alta carga horária de treinos e atividades relacionadas a prática esportiva tais como competições e deslocamentos. Estudos realizados por Melo (2010), Correia (2014) e Rocha (2017) expõem dados que mostram que o tempo semanal médio destinado ao futebol é em torno de 18 horas e 26 minutos. Esses números são referentes ao Rio de Janeiro como um todo.
O treinamento dos atletas brasileiros evidencia uma formação futebolística híbrida no Brasil, ou seja, uma formação que busca abastecer o mercado interno (produção endógena), mas que conforme conveniência do mercado privilegia sua exportação para outros países dos integrantes do mercado esportivo. Nesse cenário, os jovens brasileiros, desde muito cedo são submetidos a treinamentos diários – cinco vezes na semana – com carga horária muito semelhante àquela encontrada nos treinamentos dos atletas profissionais.
No processo de estruturação dessa jornada de treinamento, muitos atletas possuem dificuldades de construção de caminhos alternativos ao futebol, pois essa atividade demanda deles uma dedicação quase em tempo integral. Ao se dedicarem desde muito cedo a profissionalização no futebol e durante muitas horas ao dia, esses jovens acabam tendo dificultadas as chances de obtenção de outras credenciais formativas para além do esporte, como por exemplo, a escola. Diante disso, caso não consigam se profissionalizar, uma reconversão profissional para o mercado de trabalho ordinário passa a ser mais difícil e precarizada.
No Brasil a legislação para proteção dos jovens nos centros de formação foi aprovada somente no ano de 2011, com a responsabilização dos clubes sobre a formação esportiva e educacional desses atletas. Todavia não há qualquer regulamentação do Estado sobre os limites de carga horária dos treinos e sobre as estratégias de reforço na escolarização desses indivíduos. Dessa forma, a lei foi criada, mas ela pouco normatiza quais são os comportamentos necessários para os clubes respeitarem.
Diante desse cenário, os clubes tensionam os dispositivos legais e agem dentro das diversas interpretações existentes na legislação para que possam continuar exercendo suas atividades com vista a maximizar os resultados dos treinos e aumentar o valor de mercado dos seus atletas. Num cenário esportivo pautado principalmente por um viés econômico de lucro, os clubes tendem a privilegiar seus investimentos e patrimônios com a anuência das leis pouco específicas e dos legisladores pouco observadores do que acontece dentro dos centros de treinamento.
No caso do futebol a comparação do Brasil com outros países pode ajudar na compreensão das especificidades da formação dos futebolistas brasileiros e sua relação com a escola, bem como explicitar outros modelos de formação pelo mundo.
Referências
CORREIA, C. A. J. Entre a Profissionalização e a Escolarização: Projetos e Campo de Possibilidades em jovens atletas do Colégio Vasco da Gama. 2014. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
DAMO, A. S. Do Dom a Profissão: formação de futebolistas no Brasil e na França. São Paulo: Aderaldo e Rothschild Editora, Anpocs, 2007.
MELO, L. B. S. Formação e escolarização de jogadores de futebol do estado do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Universidade Gama Filho, Programa de Pós-Graduação em Educação Física. Rio de Janeiro, 2010.