Danrlei, Arce, Rivarola, Adílson e Roger; Dinho, Goiano, Arílson (depois Émerson) e Carlos Miguel; Paulo Nunes e Jardel (depois Zé Alcino). Técnico: Luiz Felipe Scolari, o Felipão. Não existe gremista que tenha vivido de forma ativa a década de 1990 no antigo estádio Olímpico, pelas imagens da televisão ou pelas ondas do rádio que não tenha esse time campeão da Libertadores de 1995 e Brasileiro de 1996 decorado em sua memória. Os mais longevos nessa equipe foram o goleiro Danrlei e o lateral esquerdo Roger. Eles já haviam conquistado a Copa do Brasil de 1994 e ainda levariam o mesmo torneio em 1997 e 2001, além de outros torneios estaduais e regionais. Os dez anos como jogador do Grêmio, com 381 partidas e os diferentes títulos, fizeram com que Roger fosse imortalizado na calçada da fama do clube.
O antigo lateral esquerdo e zagueiro Roger, agora Machado (dentro de nosso esporte extremamente hierarquizado, ao contrário dos jogadores, os integrantes das comissões técnicas possuem nome e sobrenome) ainda retornaria ao clube como assistente técnico no início da década de 2010, tendo sido o comandante de campo interino em dois clássicos Grenais em que o Grêmio venceu por 2 a 1, um em Rivera no Uruguai e outro no estádio Beira-Rio.
Em 2015, para substituir seu antigo comandante Felipão, Roger Machado assumiu como treinador do Grêmio. Em sua primeira passagem como comandante do grupo profissional, Roger ganhou destaque pela forma com que a equipe passou a jogar. O gol de Douglas contra o Atlético-MG é até hoje exaltado como exemplo do bom futebol praticado. Além disso, Roger comandou o Grêmio na vitória por 5 a 0 contra o maior rival no campeonato brasileiro de 2015. Em 2016, após uma sequência de resultados ruins, ele pediu demissão. Para muitos, Roger foi a gênese do Grêmio que voltaria a vencer a Copa do Brasil em 2016 e a Libertadores em 2017.
Após deixar o Grêmio, Roger teve passagens razoáveis em clubes relevantes do cenário nacional, como Atlético,MG, onde conquistou o estadual; Palmeiras e Fluminense, mas não conseguiu concluir uma temporada inteira nessas equipes. Outra boa passagem de Roger, um pouco mais duradoura, foi no Bahia. Além do título do campeonato baiano de 2019, a passagem de Roger no Bahia ficaria marcada por seu engajamento militante explicitado após uma partida entre o clube que dirigia e o Fluminense, em que ele e o ex-jogador Marcão, então técnico interino do clube carioca, participaram de uma ação junto com o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, já que naquele momento eles eram os dois únicos treinadores negros da série A do Campeonato Brasileiro.
Graças ao meu amigo Marcelo Carvalho tive a oportunidade de conhecer meu ídolo no final de 2021, no primeiro jogo festivo de final de ano promovido pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol.

Naquela oportunidade, com nosso Grêmio tendo acabado de ser rebaixado, pedi para que ele não assumisse o Internacional na temporada de 2022. Disse a ele que isso certamente aconteceria porque nosso maior rival é um grande clube e ele um grande treinador. Pedi somente que não fosse naquele momento porque estávamos muito doídos. Acredito que menos por minha solicitação e mais por outros fatores, Roger não foi treinar o Internacional naquela temporada.
Mais do que isso, após um começo de temporada ruim, Roger Machado assumiu novamente o Grêmio para a conclusão do campeonato gaúcho, que conquistamos e eliminamos o Internacional após uma goleada de 3 a 0 como visitantes, mas principalmente para a campanha de acesso à série A. Mesmo sem um futebol vistoso, o Grêmio teve poucos riscos de não retornar para a série A. Em agosto daquele ano, Roger participou do quadro “Abre Aspas” do GE e afirmou receber mais críticas por suas posições políticas, especialmente vinculadas ao antirracismo e seu entendimento de ser um homem de esquerda do que pelo que suas equipes entregavam esportivamente. Ele afirmou que o futebol o embranqueceu. Naquele momento, Roger já era um dos idealizadores e financiadores do projeto Diálogos da Diáspora.
A entrevista foi veiculada em 26 de agosto, dia em que o Grêmio foi derrotado na Arena para o Ituano e o treinador e ídolo foi vaiado. Há entre nós torcedores o entendimento de que ídolo não se vaia, mesmo que o desempenho não seja entendido como aceitável pela torcida. Após perder para o Criciúma fora de casa, Roger foi demitido faltando onze partidas para o final da competição na zona de acesso para a série A. Naquele momento fiz uma postagem nas redes sociais me despedindo do treinador:
“Eu não gostei dessa passagem do Roger como treinador do Grêmio. A forma como ocorre sua saída, entretanto, explica mais porque chegamos aonde chegamos do que aponta para seus equívocos. Valeu ídolo! Obrigado por ter topado estar conosco neste momento. Espero que retornes apesar de que boa parte de nossa torcida não te merece! Roger é um bom treinador e, de longe, o melhor cidadão do futebol profissional de homens no Brasil!”
Dezoito meses após sair do Grêmio, Roger Machado voltou a comandar o Juventude, que retornaria a série A em 2024. As boas campanhas com o clube de Caxias do Sul, foi finalista do campeonato estadual e não corria muitos riscos de rebaixamento no campeonato brasileiro, voltaram a destacar o trabalho do treinador. Ao eliminar o Internacional em duas competições, o campeonato gaúcho e a copa do Brasil, comandando o time da serra gaúcha, a reunião entre o grande treinador e o grande clube rival acabou acontecendo.
Para piorar, Roger (como seria esperado) arrumou o rival que somente não brigará pelo título do campeonato brasileiro porque ele chegou muito tarde para que isso pudesse acontecer sendo impossível tirar a diferença em relação aos líderes Botafogo e Palmeiras (ainda bem!). O histórico de Roger não assumir trabalhos na metade da temporada – ele teria negado assumir o Grêmio em 2021, ano em que acabamos rebaixado – e uma imagem comemorando a vitória no clássico (ele deveria estar triste?) passaram a ser utilizados como argumento para que Roger fosse retirado da calçada da fama do clube por alguns ressentidos. Sua placa já foi vandalizada em duas oportunidades por torcedores gremistas.
Uma discussão absolutamente inútil tentaria corroborar um argumento para essa retirada da homenagem. Lamentavelmente alguns de nossos programas esportivos de baixa qualidade investem na discussão se Roger seria gremista ou colorado. Ao pautar essa discussão inexistente, mas que mobiliza o público, perdemos todos. Curiosamente isso acontece em um momento em que o próprio fazer jornalístico parece perder alguns de seus principais pressupostos quando mais do que assumirem o clube para os quais torcem, diferentes profissionais começam a fazer um jornalismo militante por esses clubes como se não fosse possível ser torcedor de um time específico e fazer o trabalho necessário.
Vivemos tempos de revisionismo histórico em que mentiras indiscutíveis se tornam verdade. Além de excelente jogador e treinador, Roger ainda é um grande cara. Para mim, o melhor do futebol profissional. Ele trabalha para que o mundo seja um lugar melhor. Como gremista, eu espero verdadeiramente que o tempo de Roger no Internacional seja o mais breve possível, mas se não for, em nada diminuirá todas as conquistas do Roger lateral e zagueiro e dos grandes jogos do Roger treinador do Grêmio. Como gremista, eu também torço para que Roger vá mal no Internacional (ou bem o suficiente para ir para outro clube). Mas meu ídolo permanece intocável!
