O fenômeno das WAGs: dos tabloides às influenciadoras digitais

O aspecto das WAGs: dos tabloides às influenciadas digitais

Talvez em algum momento o termo “WAGs” já tenha aparecido de alguma maneira para quem é fã de esportes. A sigla, em inglês, significa “Wives and Girlfriends”, ou seja, “esposas e namoradas”. A expressão é utilizada para se referir às companheiras dos atletas profissionais, de qualquer esporte – futebol, basquete, futebol americano, fórmula 1… Por mais que tenha ganhado fama nos Estados Unidos, a origem das WAGs é na verdade britânica. Tudo indica que o termo WAGs foi utilizado pela primeira vez em 2002, pelo jornal Sunday Telegraph, ao falar sobre Victoria Beckam – que pode ser considerado, assim, o primeiro WAG. Até porque, a expressão não significa nada além de ser apenas uma pessoa em um relacionamento com um atleta profissional.

Figura: Victoria Beckham na Copa do Mundo de 2006

Fonte: Action Press

A popularidade mesmo da palavra veio a partir de 2006 e, incluiu, é claro, muitas críticas e estereótipos. A verdade é que até hoje muitas companheiras de atletas são contra a expressão “WAGs”, entendendo como uma forma de diminuir a mulher e definir seu valor apenas por causa da profissão de seu marido. Embora não seja possível negar as origens e os usos pejorativos do termo, o que me fascina é como a ideia de WAGs tem mudado – muito por ações das próprias WAGs. 

O lugar da mulher nos esportes

Falar do lugar das mulheres no esporte exige falar um pouquinho também sobre masculinidade. Enquanto os esportes se tornavam populares no século XX, também se tornavam espaços de socialização masculina. Nos Jogos Olímpicos, por exemplo, só em 2024 tivemos equidade de gênero entre os atletas. Com o esporte sendo colocado nesse lugar de pertencimento ao masculino, ficou sem espaço para as mulheres.

Questionadas como atletas, como se o esporte fosse feito com menos mulheres, ou colocasse em discussão até sua sexualidade, nem mesmo como fãs do esporte as mulheres estavam a salvo. O interesse feminino em esportes é frequentemente questionado, suas presenças na arquibancada duvidadas. Quem nunca respondeu à pergunta “o que é impedimento?”; ou teve seu interesse em algum outro esporte duvidado apenas por ser mulher, que atire a primeira pedra. É esse preconceito, por exemplo, que temos os termos pejorativos como as “puck bunnies”, do hockey, ou as “maria chuteiras”, do futebol – dando a entender que o interesse feminino nos esportes está condicionado a um interesse amoroso ou econômico em relação aos atletas. Eles não estariam pensando no esporte, e sim em ganhos pessoais em cima dos atletas – criando uma imagem da mulher como “perigosa” e “interesseira”. 

Embora o crescimento de fãs mulheres nos esportes seja notável, como por exemplo o efeito Taylor Swift, no Super Bowl LVIII, aumentando em 8% a audiência feminina, parece que o esporte e seus torcedores tradicionais não estão preparados para lidar com as fãs. E se as mulheres não podem ser atletas, e nem fãs, qual o espaço que sobra para elas? Pensando que hoje os esportes se tornaram fenômenos mundiais, é impossível imaginar que as mulheres simplesmente permanecessem alheias a isso. 

As WAGs, então, ocupam um espaço dicotômico no imaginário – porque não é fácil ser mulher em nenhuma posição do esporte. Segundo Vazci, ao mesmo tempo que as WAGs são valorizadas por seu local “tradicional”, de se dedicarem à carreira do marido e à família, nunca apresentam um papel mais ativo: “As mulheres devem permanecer dependentes e subordinadas elas devem ser vistas não como agentes ativas, mas como propriedade de um jogador e uma posse que ele traz para o jogo” (Vazci, 2016). Dentro da categoria das WAGs, essa mesma autora indica uma nova hierarquia: a super wag, aquela que saiu do seu lugar de passividade, de uma forma ou de outra, e é trazida para frente da narrativa.

As super wags: Victoria Beckham, Shakira, Gisele…

Conforme os atletas profissionais foram se tornando mais e mais famosos, escapando da bolha só do esporte e entrando para o mundo do entretenimento e moda, suas companheiras também foram mudando. A super wag original, que inclusive inspirou o termo, não poderia ser outra: Victora Beckham – na época, ainda Victoria Adams, no auge do seu sucesso como Posh Spice, na girlband Spice Girls. 

Victoria conheceu o jogador do Manchester United e seleção inglesa em 1997, em um jogo beneficente. Ela afirmava não conhecer muito futebol, e não saber quem era o jogador. Em 1998 já estavam noivos, e em 1999 tiveram o primeiro dos quatro filhos. Mas apesar da carreira artística de sucesso e, posteriormente, construir uma carreira na indústria da moda, Victoria era completamente odiada pelos torcedores dos clubes que o marido jogou – mais notavelmente, talvez o Real Madrid. Em 2003 David Beckam foi anunciado pelo clube de Madrid, passando a integrar o time dos “Galáticos” junto de Roberto Carlos, Figo e Zidane. E com isso, Victoria passou a morar na Espanha também. Os atritos da celebridade com a imprensa e os fãs espanhóis começou cedo, já que ela nunca escondeu o desdém pelo país ibérico – desde comentários sobre o “mau cheiro” das ruas de Madrid até afirmações de que “era difícil viver na Espanha por causa da falta de igualdade de gênero”. Mas foi em 2007 que o pior (para torcida) aconteceu: David afirmou precisar consultar a esposa antes de decidir renovar ou não com o Real Madrid – e acabou decidindo por se transferir para o LA Galaxy, e Victoria foi vista como a culpada pela decisão. 

Em 2010, mais uma cantora pop entrou para o grupo das WAGS: Shakira. A voz de Waka Waka, a música tema da Copa do Mundo de 2010, conheceu o zagueiro espanhol Piqué nas gravações do videoclipe promocional da canção. Os rumores de um relacionamento entre os dois começou ali, mas foi consolidado após o mundial – que a Espanha ganhou, inclusive. Shakira, que recém tinha lançado o álbum “She-Wolf”, ou loba, na tradução, era vista exatamente dessa forma pela imprensa, agravado pela diferença de 10 anos entre ela e Piqué (Shakira tinha 34, e o espanhol 24): uma mulher se aproveitando de um homem mais novo. A cada performance ruim de Piqué em campo, a culpada era Shakira. Ela estava “distraindo” o atleta da sua verdadeira função de jogador de futebol (“waka waka demais”, algumas matérias chegaram a dizer) e os rivais usavam músicas da cantora na arquibancada para “desestabilizar” o jogador (Vaczi, 2016).

Figura: Cartaz na arquibancada do Maracanã na final da Copa das Confederações de 2013

Fonte: extra.globo.com

Inclusive no Brasil, durante a final da Copa das Confederações, em 2013, partida que contou com Piqué expulso, rolou essa provocação por parte da arquibancada brasileira. O próprio Pique se manifestou na época, afirmando que a performance em campo nada tinha a ver com sua vida particular. 

 

Figura: Totem da Shakira na arquibancada do Maracanã na final da Copa das Confederações de 2013

Fonte: ge.com

Na mesma ideia de WAGS com carreiras maiores que seus maridos, mudamos de esporte para falar de Gisele Bundchen. Já conhecida como a maior modelo do mundo, Gisele conheceu o jogador de futebol americano Tom Brady em 2006, e se casou em 2009. Embora ele tenha seguido para se tornar um dos, senão o maior, quarterback de todos os tempos, Gisele manteve a carreira como modelo e acumula maior fortuna que o, agora, ex-marido. Em 2023, o patrimônio de Gisele era de 400 milhões de dólares – 100 milhões a mais que Tom Brady.

Shakira, Victoria e Gisele ilustram um outro tipo de WAG: aquela que é perigosa por não se resumir ao seu papel de companheira de atleta. As três possuem carreiras de sucesso e suas próprias fortunas, e em determinados grupos são até mais conhecidas do que seus companheiros ou ex companheiros atletas.

A renascença das WAGS: as redes sociais

As redes sociais proporcionaram um novo momento para as WAGs. Além de matarem o interesse do público no estilo de vida e “bastidores”, as redes sociais permitem um controle maior da própria narrativa – o que não existe em um reality show gravado e editado por terceiros. São elas que escolhem o que postar, como, quanto, e a imagem que querem passar através disso. 

Embora existam pessoas que acumulam seguidores apenas por estarem casadas com grandes estrelas do esporte, existem também WAGs que se dedicaram à produção de conteúdo e se tornaram verdadeiras influências digitais. No Brasil, a minha preferida que segue por esse caminho é Marília Nery, esposa do jogador Everton Ribeiro (atualmente no Bahia). Ela conta com mais de 780 mil seguidores, e já fez publicidades para marcas como Lacoste, Três Corações, VillageMall, entre outros – inclusive fazendo parte de um time de influenciadoras casadas com jogadores que fizeram publicidades para marcas que patrocinaram a seleção brasileira na última Copa do Mundo. 

No espectro internacional, um WAG que abraça o título e vem ganhando notoriedade é Morgan Riddle, namorada do tenista Taylor Fritz. Ela começou com GRWM no TikTok, e hoje acumula mais de 1 milhão de seguidores somados nas redes, produzindo diferentes tipos de conteúdo dentro da realidade de uma namorada do tênis, viajando para campeonatos pelo mundo – os vlogs no YouTube são especialmente interessantes. Em 2023, ela chegou a apresentar um programa especial em Wimbledown, e foi ao SuperBowl LVIII, em 2024, acompanhado de marcas como Louis Vitton e a marca de energia Celsius. 

Enquanto a sociedade redireciona seu consumo para as redes sociais, a renascença dos WAGs encontra uma plataforma para se estabelecer e transformar seu estilo de vida em uma profissão. Adaptando a ideia de mercantilização do futebol de Giulianotti (2012), podemos aplicá-la a uma nova identidade de torcedores e admiradores do esporte, que acompanham de longe, movidos por algoritmos – e um novo mercado, que transforma o lugar dos WAGs. 


Referências

Giulianotti, Ricardo. “FANÁTICOS, SEGUIDORES, FÁS E FLANEURS: UMA TAXONOMIA DE IDENTIDADES DO TORCEDOR NO FUTEBOL.”  Recorde: Revista de História do Esporte  5.1 (2012).

Vaczi, Mariann. “Ligações perigosas, mulheres fatais: o medo e a fantasia das esposas e namoradas do futebol na Espanha.” Revista internacional para a sociologia do esporte 51.3 (2016): 299-313.

O’Toole, Shannon. Casadas com o jogo: A vida real das mulheres da NFL. U of Nebraska Press, 2006.

Crawford, Garry e Victoria K. Gosling. “O Mito das Fãs Femininas ‘Puck Bunny’ e do Hóquei no Gelo Masculino.” Sociologia 38.3 (2004): 477-493.

CRUPI, Antônio. O efeito Taylor Swift entra em ação no Super Bowl enquanto as demonstrações femininas disparam. https://www.sportico.com/business/media/2024/taylor-swift-effect-super-bowl-female-tv-demos-soar-nfl-1234766989/ . Acesso em 29 de janeiro de 2025.

 

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