Olimpíadas: uma visão heterodoxa

As Olimpíadas deixaram no ar a sensação de que podíamos ter nos saído melhor. Os jornalistas passaram a entrevistar entendidos e a levantar hipóteses sobre o que não fizemos e sobre o que deveríamos fazer. As respostas são variadas e vão desde a prática esportiva na escola a estratégias de participação em esportes que, por terem várias modalidades e categorias, possibilitam maior número de medalhas, passando pela reclamação por maiores investimentos, como é de praxe. De modo geral, as hipóteses merecem ser meditadas e discutidas por estarmos diante de um fenômeno complexo e de incidências múltiplas, que muito se assemelha ao processo de aprendizagem.

Contudo, eu gostaria de focar um ponto que creio não foi colocado na mesa de discussões: o da cultura. A cultura esportiva se caracteriza por ser competitiva e exigir alta disciplina e concentração, capacidade de esforço crescente e disposição para aguentar a dor, isto, é para sofrer. Em Santiago de Compostela, os caminhantes podem ler o ditado: “O sofrimento faz o herói”.

Esta ideia antiga parece ainda vigorar no campo do esporte competitivo que  implica a vigência dos valores, acima mencionados, sobre a base de disposições físicas e neurológicas, de infraestrutura e da aplicação  de conhecimentos científicos, técnicos e práticos. Os especialistas no ensino e no treino esportivo dominam o campo, são autoridades e formam o alter ego do atleta.

A descrição da cultura brasileira aponta sempre para outros valores: alegria, jeitinho, malandragem, espontaneidade, ginga, erotismo e outros associados. Orgulhamo-nos de nossa capacidade em fazer “gambiarras”. O leitor pode completar a lista. Saliento que, de modo geral, parecemos gostar do elogio da antidisciplina: preferimos o malandro ou Pedro Malasartes ao “Caxias”. Ou, o que talvez seja pior, ficamos entre os dois universos de valores sem poder optar firme e definitivamente por um deles.

Os valores natos de nossa cultura podem ter tido um papel importante quando o esporte não era nem tão científico nem tão técnico e, mais ainda, em alguns esportes coletivos como vôlei de praia e futebol. Esporte nos quais a malandragem ou catimba e a dissimulação da própria ação ou engano do adversário ainda desempenhavam papel de destaque. Mas, na maioria dos esportes, domina, para a obtenção das medalhas, as disposições físicas e psicológicas ordenadas na prática intensa dos valores de competição, disciplina, esforço e sofrimento.

China e Coréia do Sul passaram nas últimas décadas pela adoção dos aplicativos ou programas que, para o historiador Niall  Ferguson  –recomenda-se a leitura de seu livro Civilização, ocidente por oriente–, fizeram ao domínio de Ocidente entre os anos 1.500 e 2.000: competição, ciência, direito a propriedade e regras de funcionamento político, medicina, consumo e a ética do trabalho. Os que possuem experiência do convívio com chineses e coreanos no campo do estudo sabem do valor da disciplina e do esforço no seu cotidiano.

Os valores em pauta estão presentes tanto no esporte quanto no desempenho escolar. China e Coreia ocupam as primeiras posições nos testes  escolares internacionais, sempre com médias nacionais bem acima da média geral. Seria como se os valores destacados (competição, disciplina, concentração, esforço e capacidade de sofrer) também tivessem papel relevante no desempenho escolar, na aprendizagem.

O debate atual a partir dos dados de avaliação da educação básica parece replicar o debate sobre o desempenho nas Olimpíadas. No caso da educação melhoramos, porém não o desejado, e temos o problema de que o desempenho nos testes parece cair com a idade que, talvez, aumente a capacidade de resistir à disciplina e à dedicação. Por vezes, os professores apontam para a falta de disciplina e dedicação, mas, de modo dominante, se queixam da infraestrutura, dos salários, da organização, da burocracia, do material didático, das famílias entre outras coisas. Entretanto, não conheço nenhuma pesquisa que acompanhe o dia a dia de nossos estudantes e que descreva o tempo e as atividades dedicadas ao estudo extra escola. Também não conheço pesquisas que tentem dimensionar a atenção ou concentração de nossos estudantes nas aulas. Se alguém conhece essas pesquisas me informe, sobretudo, se elas têm um caráter comparativo.

Seria possível que uma das incidências sobre o desempenho, esportivo e escolar, seja influenciada por nossa identidade e pelas opções de estilo de vida?

O que estou propondo é que estudemos o desempenho físico e o intelectual a partir do mesmo conjunto de valores, enfim, que paremos de pensá-los como se fossem universos desconectados.

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