Fonte: Montagem feita pelo autor
Quando entrei no grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (Cepos), um dos conceitos que me incomodaram de início foi a “Fase da Multiplicidade da Oferta”, que representaria o aumento do conteúdo com as novas possibilidades de transmissão de informação, casos da TV paga e da internet.
O conceito foi criado por Valério Cruz Brittos (2001) para delimitar um período que já evoluía no início do século XXI como aquele em que o audiovisual, a partir da hegemônica televisão, estaria em vários lugares, do ônibus à mídia móvel – o que faria com que o pesquisador desenvolvesse um outro termo uma década depois, a “PluriTV” (Brittos; Simões, 2011).
Enquanto meu orientador na maior parte do Mestrado, o pesquisador me deixou livre para ponderar sobre o que significava “oferta”, numa relação mais direta à mercadoria midiática que à difusão do acesso. A minha compreensão era que esta fase representaria, na verdade, brechas para conteúdos com preocupação de desenvolvimento social, em detrimento de uma camada muito maior de produtos informativo-culturais que refletiam a extensão do capital sobre este campo. Além da possibilidade de programas e serviços seguirem limitados ao pagamento para acesso.
Mais de uma década depois, ao propor na minha tese uma proposta regulatória sobre o programa midiático futebol enquanto conteúdo de interesse social (Santos, 2021; Santos, 2024), de maneira que jogos de sua prática profissional masculina e de mulheres tivessem de garantir de transmissão pela TV aberta, recebi questionamentos sobre o porquê de não ser a partir da internet.
A justificativa esteve na orientação, na banca de defesa e para artigo em periódico. Era preciso considerar que quando se trata do processo de “plataformização”, seguimos com a mediação controlada por empresas privadas, mas aqui com capital estrangeiro e com ainda menos regulação. Além disso, enquanto alguém que trabalha no sertão alagoano, seguia fundamental tratar do acesso à melhor tecnologia para transmissão audiovisual ao vivo de maneira generalizada.
Acesso, por sinal, é um dos parâmetros de preocupação na atuação do Observatório das Transmissões de Futebóis, parceria do grupo de pesquisa que colidero na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o CEPCOM (Crítica da Economia Política da Comunicação), com o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Ao lidarmos em textos que avaliam o cenário construído de 2012 para cá nas transmissões da prática profissional deste esporte, caso do mais recente, de Fernandes e Ferreira (2024), é impossível não tratar das transmissões pela internet tanto como alternativa a torneios que não teriam exibição quanto como um acesso que só pode ser garantido a partir de pagamento. No acúmulo do último caso, sem ainda uma agregadora adequada de quem transmite, paga-se caro.
Em texto sobre plataformização e pirataria, Iago Vernek Fernandes (2024) usou como exemplo o Flamengo para entender o quanto uma pessoa poderia gastar para acompanhar a partir de audiovisual: “[…] os torcedores do clube rubronegro tiveram que desembolsar cerca de R$ 1.400,00 (mil e quatrocentos reais) ao longo do ano ou uma média de R$ 120,00 (cento e vinte reais) mensais, além do pacote de internet, o qual tem um custo aproximado de R$ 100,00 (cem reais) por mês”.
Para tratar dos limites ao público na I Jornada Observatório de Transmissões de Futebóis e Observatório Social do Futebol, em agosto, usei o caso do Centro Sportivo Alagoano (CSA), pensando numa realidade em que tanto o acesso à internet banda larga quanto a média da renda familiar (R$ 1.100) seriam menores que num estado do Sudeste. Trata-se de um caso na periferia socioeconômica nacional (Alagoas, 2024).
Fonte: Print de postagem do @nossofutebolcanal no Instagram
Gastos para acompanhar um clube nordestino de Série C
O CSA disputou cinco competições de futebol profissional masculino em 2024: Copa do Nordeste (eliminado na primeira eliminatória); Campeonato Alagoano (parou na primeira fase); Copa Alagoas (campeão); Seletiva para a Copa do Brasil (campeão); e Série C do Campeonato Brasileiro.
Nestes campeonatos, há alguns elementos em comum quanto à sua exibição: 1) Alguns jogos por canais do YouTube; 2) Exibição por algumas plataformas de streaming ou pay-per-view (ppv); 3) Presença do ppv Nosso Futebol+.
Há quase 10 anos a Federação Alagoana de Futebol (FAF) transmite, pelo menos, os jogos que não vão para a TV aberta das suas competições por seu canal do YouTube, dos campeonatos de base até os profissionais de homens e mulheres. Assim, tanto o Campeonato Alagoano (exibição de um jogo por rodada também pela Band) quanto a Copa Alagoas tiveram partidas transmitidas pela FAFTV na plataforma de vídeos.
Das outras competições, o Nosso Futebol transmitia um jogo por rodada em seu canal do YouTube, de maneira a atrair o público para a assinatura. Estratégia semelhante para a Série C foi feita pela distribuidora de audiovisual Zapping, que exibia quatro jogos com exclusividade na mesma plataforma de vídeos, mas tinha outros dois confrontos específicos pelo maior pacote de sua plataforma.
Canal extra a ser pago por assinantes de distribuidoras de audiovisual, o Nosso Futebol+ foi criado pela Claro e Sky como um sistema de PPV de transmissão de torneios de futebol, com destaque para estaduais nordestinos e a Copa do Nordeste, que chegam a ter um canal exclusivo no primeiro semestre do ano. Além dessas competições, transmitiu ainda alguns jogos da Série C. Assim, com assinatura (extra) de R$ 19,90 a R$ 29,90 ao mês, considerando a eliminação do CSA da terceira divisão nacional em agosto, o torcedor do time gastaria, pelo menos, R$ 159,20 no ano.
No caso do Zapping Sports, 5 dos 9 primeiros jogos do CSA estavam exclusivos pelo canal, presente entre os pacotes mais caros da agregadora de conteúdo por streaming. A assinatura com o canal custava R$ 79,90, no primeiro mês, e R$ 89,90 nos demais. Considerando o tempo da equipe azulina na competição, custaria R$ 349,60 no ano para o torcedor acompanhar, especialmente, os jogos enquanto visitante.
Juntamos à parte de pagamento a possibilidade de assinatura de um mês do Star+ (posteriormente juntado ao Disney+), com assinatura mensal de R$ 43,90. Assim, para acompanhar todos os jogos do clube alagoano seriam necessários R$ 831,90. O valor representa 58,9% de um salário mínimo.
Não entra como conta de despesa a discussão de assistir aos jogos da Copa Alagoas pela iTTV, streaming sergipano que não exigia pagamento para ver a competição, mas era necessário se registrar e, logo, fornecer dados para alimentar os algoritmos desta e demais plataformas de acesso sem pagamento. Da mesma forma, não incluímos o valor de internet banda larga de qualidade para suportar os dados em audiovisual (seja em domicílios ou por mídias móveis).
Considerando a possibilidade de ida em jogos como mandante, fizemos ainda o cálculo do “Sócio Marujo Prata”, que dá o direito de ir às arquibancadas altas – que são abertas para a torcida em qualquer partida – sem precisar comprar ingresso. Ao observar a faixa com maior desconto, associação anual, seria necessário pagar mais R$ 600,00 (42,5% do salário mínimo). Ou seja, um valor ainda menor pela metade dos jogos do clube no ano que ver em audiovisual – sem considerar as despesas de locomoção e alimentação.
Somando os dois, um torcedor azulino precisaria pagar R$ 1431,90 para acompanhar todas as partidas possíveis, seja no estádio ou em suas transmissões, o equivalente a quase um salário mínimo (R$ 1.412,00) só com esta despesa.
Considerações finais
Neste texto, apresentamos um exemplo em nível exploratório para termos uma compreensão de um caso prático sobre efeitos da multiplicidade de oferta de telas para transmitir futebol no Brasil para quem pretende consumir o programa midiático futebol ao vivo.
A relevância de ser do estado com a segunda menor renda familiar do país acentua a importância de se ponderar bem mais quando se trata da difusão de telas ainda com a TV aberta mais presente nos domicílios brasileiros. Algo maior quando ainda persiste o desinteresse de agentes de mercado mais tradicionais na exibição das competições na periferia do futebol brasileiro, o que abre espaço para novos e diferentes agentes.
Referências
ALAGOAS. Renda do alagoano aumenta quase 25% em oito anos. Sefaz, Maceió, 1 mar. 2024. Disponível em: https://www.sefaz.al.gov.br/noticias/item/3556-renda-do-alagoano-aumenta-quase-25-em-oito-anos. Acesso em: 29 out. 2024.
BRITTOS, V. C. Capitalismo contemporâneo, mercado brasileiro de televisão por assinatura e expansão transnacional. 2001. 425f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Contemporâneas, Universidade Federal da Bahia – UFBA, Salvador, 2001.
BRITTOS, V. C.; SIMÕES, D. G. Para entender a TV digital: tecnologia, economia e sociedade no século XXI. São Paulo: Intercom, 2011.
FERNANDES, I. V. Plataformização e pirataria: os dilemas das transmissões de futebóis no Brasil. Ludopédio, São Paulo, v. 176, n. 26, 2024.
FERNANDES, I. V.; FERREIRA, J. Transmissões por streaming e democratização do acesso: uma falsa simetria? Le Monde Diplomatique Brasil, São Paulo, 13 set. 2024. Disponível em: https://diplomatique.org.br/transmissoes-por-streaming-e-democratizacao-do-acesso-uma-falsa-simetria/. Acesso em: 29 out. 2024.
SANTOS, A. D. G. dos. Regulação dos direitos de transmissão de futebol: proposição e comparação dos casos de Brasil, Argentina, México, Uruguai, Portugal e Espanha. FuLiA/UFMG, Belo Horizonte/MG, Brasil, v. 9, n. 1, p. 68–89, 2024. DOI: 10.35699/2526-4494.2024.46946. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/fulia/article/view/46946. Acesso em: 29 out. 2024.
SANTOS, A. D. G. dos. Um modelo para regulação dos direitos de transmissão de futebol. 2021. 461 f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Faculdade de Comunicação, Universidade de Brasília, Brasília, 2021.