Os “sem-time” e as “ovelhas negras”

Percentual alto e estável de brasileiros que não torcem para times de futebol nos leva a questionar até quando permanecerá hegemônica a crença do “País do futebol”

Qual é a maior torcida do Brasil? Fãs de futebol cientes dos levantamentos mais recentes afirmariam que é a do Flamengo, seguida pela do Corinthians. No entanto, há uma outra “torcida”, oculta e maior que as nações rubro-negra e corinthiana: a dos sem time.

Segundo pesquisa divulgada nesta terça, 17, pelo “Datafolha”, eles são 22% dos entrevistados. Os flamenguistas, consolidados na liderança (entre os que torcem para alguma equipe) desde os anos 1980, compõem atualmente 20% do total e cresceram dentro da margem de erro em relação à pesquisa anterior, de janeiro de 2018. Os corintianos são 14%.

Baseados nesses números, especialistas em marketing esportivo costumam associar a superioridade numérica dos “sem-time” à falta de gestão. Os clubes brasileiros, portanto, seriam “incompetentes na missão de ampliar seu mercado consumidor no ‘País do futebol’ e, por isso, não teriam como competir com a estrutura desenvolvida pelos gigantes europeus”. De fato, o consumo voltado para o futebol no Brasil ainda é ínfimo: em 2018, os brasileiros gastaram R$ 67,7 bilhões com entretenimento e lazer, sendo que apenas R$ 1,1 bilhão diretamente com os clubes de futebol; 1,6% do total. Além disso, surge uma nova geração de brasileiros, entre 12 e 18 anos, já inseridos na cultura de torcer por clubes europeus.

Mas será esse incontestável fenômeno, fruto do futebol globalizado/espetacularizado, o motivo para mais de quinto do país não torcer por time algum?

Apesar de a última década ter sido marcada pela difusão, sem precedentes, de estratégias de marketing em clubes brasileiros e pela “invasão” dos europeus, a quantidade dos “sem-time” nos últimos levantamentos sempre ultrapassou a de qualquer torcida.

Fonte: Globoesporte.com

Inegavelmente, a administração de clubes e da CBF está aquém do zelo pelo torcedor, profissionalismo e transparência que um patrimônio cultural e democrático como o futebol exige. Estudos comprovam o quanto os clubes podem expandir suas marcas e mercados, tanto internamente quanto no exterior, em produtos e serviços para as mulheres, por exemplo, cuja presença em estádios e em debates na mídia tem crescido.

No entanto, quanto aos “sem-time”, é preciso considerar: até onde vai o limite da demanda pelo “produto futebol” e seus derivados (camisas, outros produtos licenciados, programas de sócio-torcedor, audiência na TV)?

Não importa o quão fanático um torcedor possa ser. Manifestar-se em uma pesquisa de opinião como torcedor de um time de futebol é ter, mesmo que minimamente, identidade com esse esporte e empatia por determinado clube. Essas pessoas sempre vão compor um mercado consumidor em potencial e que pode expandir-se graças ao momento do time dentro de campo, às estratégias de marketing e à própria paixão. O futebol não é uma ciência exata e possui exceções: existem apaixonados por futebol que não torcem para nenhum time. Entretanto, a partir do momento em que não se declara qualquer identificação com algum clube, há, na mais otimista das hipóteses, alguém que se mobiliza apenas pela seleção nacional de futebol, geralmente a de seu país de origem, em Copas do Mundo. E esse número também vem caindo drasticamente no Brasil.

Pesquisa Datafolha sobre o interesse dos brasileiros por futebol e que foi realizada em 2018, ano de Copa do Mundo na Rússia.

Portanto, como é possível para um clube, por mais estruturado que seja, expandir seu mercado e influência midiática para esse segmento “não-torcedor”, que provavelmente não gosta de futebol e prefere outras modalidades? Mesmo com estratégias de espetacularização cada vez mais evidentes, cujo intuito é atrair o público para estádios, arenas e telas, o futebol do século XXI, assim como o do século XX, não é unânime. Fãs de Cristiano Ronaldo, Messi e afins: precisamos admitir isso. E bola pra frente.

Diversos grupos, como o “Maldita tela verde”, reúnem comunidades na internet de “sem-time”, que manifestam até rancor pela cultura “monoesportiva” do país, dominada futebol.

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