Patos x Logos – Impressões iniciais de uma memorável disputa olímpica

Rainha desce de paraquedas na cerimônia de abertura (real ou encenado?)

Com o início dos Jogos Olímpicos de Londres 2012, qualquer brasileiro/carioca amante desta loucura chamada esporte e que tenha consciência política viverá um dilema existencialista: viver incondicionalmente a paixão real e inefável com a magia do espetáculo e das magníficas histórias humanas ou exercer a visão racional do porvir superfaturado e do legado incerto que espera a futura sede do monumental evento.

A emoção começou na festa de abertura e a capital inglesa soube apresentar de forma surpreendentemente bem humorada uma nação milenar com suas incríveis “tradições inventadas”. Desde a rainha-mãe, eterno símbolo político de uma Revolução dita gloriosa, passando por ícones do cinema como o espião James Bond e o bruxo Harry Potter, além de uma trilha sonora fenomenal celebrando o universal rock com direito a fechamento com o vovô Paul cantando entusiasmado “Hey Jude”.

Algumas pessoas podem achar este ritual cansativo ou piegas, mas como minha primeira memória olímpica vem de uma época de “boicotes políticos” e um ursinho chorando na antiga União Soviética, desde Misha em Moscou (1980), que acompanho tudo que posso dos Jogos ininterruptamente.  Quando era criança ou adolescente tinha muito tempo para assistir as transmissões pela TV aberta e cheguei a gravar em Seul (1988) várias fitas cassetes TDK para assistir quando retornava da escola, pois o fuso-horário era considerado prejudicial aos estudos e atividades cotidianas pelos meus queridos pais. 

Obviamente a cobertura era restrita a poucas modalidades, câmeras, e correspondentes, mas a intensidade de momentos dourados com Joaquim Cruz nas pistas (1984), Aurélio Miguel (1988) e Rogério Sampaio nos tatames, as gerações de Tande, Marcelo Negrão, Geovani, (1992) além dos prateados Bernard, William, Renan, Montanaro do vôlei masculino, e o futebol em Los Angeles (1984) representado quase que exclusivamente por jogadores do Internacional de Porto Alegre como o artilheiro Kita e Mauro Galvão ou quatro anos depois com craques como Romário, Bebeto, Geovani, Dunga, marcaram indelevelmente minha juventude.

Vinte anos depois de Barcelona, última cidade que foi realmente beneficiada com a realização dos Jogos, o desenvolvimento tecnológico impulsiona a espetacularização do evento supervalorizando plasticamente desde as tradicionais provas de natação com impressionantes imagens sub-aquáticas até takes exclusivos do ping-pong ou do badmington por vários canais de TV fechada, porém infelizmente me faltará o tempo que tinha outrora para acompanhar ao longo da semana o show que continuará até o dia 12 de agosto.

Todavia as impressões iniciais do primeiro final de semana olímpico foram arrebatadoras. Acompanhei a brilhante vitória da judoca Sarah Menezes que lembrou que o Piauí também é Brasil. Estado paupérrimo, que constantemente é alvo de piadas  feita por humoristas como Juca Chaves, membros do Casseta & Planeta e, mais recentemente, Manauê Camargo, que gerou grande polêmica, é também abandonado por políticos de tradição “coronelista” como o Mão Santa. A franzina moça piauiense de sorriso esbelto e olhar gracioso emocionou todo o país no primeiro dia oficial dos Jogos e colocou sua árida terra na História do esporte olímpico brasileiro, fazendo com que o estado, por breves instantes, apareça na mídia por algo diferente das secas, índices de pobreza ou do parque arqueológico da Serra da Capivara. Junto com o inédito ouro, a medalha de bronze conquistada por Felipe Kitadai também emocionou bastante por todas as dificuldades que o atleta ultrapassou e a espontânea alegria que o rapaz irradiava enrolado na bandeira nacional no pódio.

Impactante também foi a inesperada prata de Tiago Pereira. No duelo mais esperado do primeiro dia nas piscinas entre Ryan Lochte e Michael Pelphs, o grande vencedor foi o brasileiro que buscava uma medalha desde Atenas (2004) e que apesar de ótima performance nos pan-americanos e piscinas tupiniquins nunca havia conseguido seu objetivo.

Com imensa superação e força de vontade, o nadador de Volta Redonda, exaltado de forma patética, por um indiscreto comentarista, como mais um do “bando de loucos corintianos” somente por ter o patrocínio do clube paulista, saiu da prova extenuado, com dores de cabeça e físicas.  Em meio a um sublime momento nacional, o apelo ao sentimento clubístico chega a parecer inconveniente e estúpido. Afirmar que no ano da conquista da Libertadores, o atleta do “Curintias”  tinha que ganhar uma medalha é risível, porém emblemático de mais uma face da disputa patos x logos.

O Domingão não trouxe medalhas e as performances individuais ficaram aquém das expectativas no Judô e na Natação, porém as atuações das equipes masculinas do basquete que não disputava um torneio olímpico desde Atlanta (1996) e do futebol com grande atuação de Neymar empolgaram os brasileiros ao longo do dia. A vitória do Vôlei masculino também trouxe esperanças de que a renovada equipe se supere e dispute novamente uma medalha olímpica, independentemente da fraca equipe tunisiana.

A decepção coletiva ficou por conta da ausência da participação brasileira na final do revezamento 4×100 devido a um erro estratégico que foi poupar César Cielo das eliminatórias. O país ficou de fora de uma prova fantástica na qual os franceses surpreenderam os favoritos e chegaram à frente do quarteto fantástico norte-americano que tinha os badalados Phelphs e Lochte como integrantes. Como o maior resquício de um romântico anti-americanismo da adolescência permanece nas competições esportivas, me peguei gritando “Allez le bleue” a partir do momento que o terceiro nadador gaulês caiu na piscina.

Assim sendo, o primeiro final de semana olímpico trouxe muitas emoções e a sensação de vazio muito comum na segunda-feira foi acentuada pela impossibilidade de ficar defronte a caixa mágica da modernidade ao longo do dia.

O leitor atento deve estar se perguntando sobre a disputa entre a paixão e razão sinalizada desde o título, visto que só narrei memórias olímpicas antigas e recentes de forma emotiva. Bem, nestes dias confesso que o patos* ganha de goleada, mas não tem problema pois nós brasileiros teremos mais quatro anos para refletir racionalmente sobre os caminhos, mazelas e desventuras existentes ao se realizar um espetáculo grandioso como uma Olimpíada.

*Utilizamos aqui a palavra “patos” com a grafia presente no livro “Introdução à retórica” de Olivier Reboul.

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