Perdemos Todos

No final dos anos 1970, o crítico social norte-americano, Chirstopher Lasch, publicou um livro muito celebrado por acadêmicos e pela imprensa intitulado A Cultura do Narcisimo (no Brasil saiu pela Imago, em 1983). Nesta obra, Lasch dedica um capítulo ao que ele chamou de “degradação do esporte” e afirma categoricamente que o que degrada o jogo é a quebra de regras. Em suas palavras: “quebrar as regras é quebrar a magia”. Ele se referia ao surgimento de intervalos comerciais nos esportes dos Estados Unidos, hoje uma prática comum e rotineira e já incorporada às regras dos esportes profissionais lá praticados.

Em parte inspirado no raciocínio de Lasch, defendi, em 1994, no Departamento de Sociologia da Universidade de Nova Iorque, minha tese de doutorado sobre a “crise do futebol brasileiro”. Na época, trabalhei com material de jornal e com as médias de público nos campeonatos cariocas e brasileiro de meados de 1960 até início dos anos 1990. Um item que aparecia frequentemente na imprensa e que os jornalistas correlacionavam com a queda de público nos estádios era o que se referia ao que se denominou chamar de “viradas de mesa”.

O surgimento do chamado “Clube dos 13”, em 1987, na época um movimento revolucionário, deveu-se em parte a este “mal”. O campeonato brasileiro de 1986 só pôde terminar no início de 1987 para acomodar a presença de um clube grande que não tinha se classificado para as oitavas de final. Isto gerou uma confusão ainda maior no já desorganizado calendário futebolístico no país. Em abril de 1987, a CBF declara que não tinha recursos para organizar o Brasileiro daquele ano. Daí surgiu o Clube dos 13, formado pelos 12 clubes de maior expressão no país e pelo Bahia, considerado, na época a 13ª força do futebol no Brasil. As palavras de ordem eram “organização”, calendário pré-definido no ano anterior ao campeonato, profissionalismo, autonomia para elaborar os campeonatos, transparência adminsitrativa, entre outros quesitos.

Apesar de ter influenciado a Constituição de 1988, no artigo sobre esporte, e de ter inspirado vários parágrafos da Lei Zico, o movimento perdeu força nos anos subsequentes e a CBF voltou ao controle do futebol no Brasil.

No entanto, já faz algum tempo que temos um calendário pré-definido e campeonatos melhor organizados, com tabelas dos jogos anunciados no início das competições. Além disso, a introdução dos pontos corridos se incorporou aos costumes futebolísticos e tendeu a dar maior transparência nos jogos, em que pese as críticas que ocorrem nas partidas finais do campeonato, com times “desinteressados” em vencer seus compromissos.

No entanto, voltando ao raciocínio de Lasch, se entendermos o futebol como um evento ritualístico, a quebra de regras fundamentais significa a destruição do “encantamento” que ele deveria exercer nos torcedores. O episódio envolvendo o rebaixamento da Portuguesa, mesmo se considerarmos a irregularidade da escalação do jogador Héverton, significa uma importante quebra de regras desde a implantação dos pontos corridos. Os torcedores acompanham o campeonato olhando a tabela e sabendo o básico: a) que vitória vale três pontos, empate um; b) que os quatro últimos colocados são rebaixados para a segunda divisão; c) que os quatro primeiros disputam a Libertadores do próximo ano: e d) que o clube que somar o maior número de pontos é o campeão.

A regra que diz que a escalação de um jogador “irregular” equivale à perda de três pontos e mais o número de pontos conquistados era desconhecida da maioria. E ela parece existir para punir casos de escalações irregulares de atletas imprescindíveis a uma equipe. Mas neste caso todos ficariam sabendo de imediato, do juiz ao torcedor, já que se trata de uma “estrela”, de um jogador conhecido.

A lei existe e deve ser cumprida. No entanto, se existe um tribunal é justamente porque existe a razoabilidade da lei. A aplicação da lei neste caso, sem sua razoabilidade – o jogador Héverton estava no banco e só entrou no final de uma partida que dificilmente tiraria a Portuguesa da primeira divisão, poderá trazer consequencias perniciosas ao Brasileirão, principalmente no que diz respeito à credibilidade. Neste imbróglio, não foi somente a Portuguesa que perdeu. A imagem do Fluminense ficou ainda mais arranhada por conta de outras quedas não cumpridas para a segunda divisão. O campeonato se desmoralizou. No final das contas, perdemos todos.

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