Como é de conhecimento de todos, no final do mês de fevereiro, o ex-goleiro do Flamengo, Bruno Fernandes de Souza, deixou a cadeia após quase sete anos preso. Em 8 de março de 2013, Bruno foi condenado em primeira instância a pouco mais de 22 anos de prisão como mandante do assassinato da modelo Elisa Samudio. O ex-goleiro recorrera, mas seguia preso, obedecendo a uma ordem de prisão preventiva.
Não é intuito aqui discutir fragilidades do sistema penal no Brasil, muito menos a demora na análise do recurso (recomendo aqui a leitura de texto na “Carta Capital”). Contudo, o habeas corpus concedido pelo ministro Marco Aurélio Mello, do STF, gerou consequências graves em outro campo de reflexão: futebol e feminismo no Brasil. Daí, surgem questionamentos de como um condenado como mandante de assassinato fecha contrato com um novo clube de futebol? Como este tipo de crime não causa repulsa social ao ponto de as pessoas idolatrarem um suposto assassino?
Condenado no Dia Internacional da Mulher outrora, este tipo de situação, a meu ver, expõe não somente a fragilidade social no país no tocante ao feminicídio como também atesta um comportamento claramente machista presente ainda no universo do esporte, principalmente no futebol. O caso despertou, e vem despertando, a revolta de diversos grupos feministas, principalmente em Minas Gerais.
Há décadas as mulheres batalham por seu espaço, e no futebol não é diferente. É cada vez mais comum mulheres marcando presença dentro e fora de campo: torcedoras, jogadoras, árbitras, jornalistas. Recentemente, o debate sobre mulher e futebol ficou aguçado e ganhou repercussão negativa após a polêmica dos uniformes do Atlético-MG, que fez o lançamento apresentando mulheres vestido apenas camisas do clube. Neste caso, o debate sobre o empoderamento feminino por meio do futebol se transformou na luta contra o preconceito e, aqui no blog, o caso foi explorado em post da Leda Costa. Sobre o tema, recomendo a leitura do livro “Nós, Mulheres do Futebol”, de Ellen Dastry e Silvia Bruno Securato.
Mas de volta ao assunto principal, após ganhar direito de liberdade, Bruno fechou contrato com o Boa Esporte, marcando sua volta ao futebol profissional. O Boa Esporte Clube é uma associação esportiva mineira fundada em 1947, que se profissionalizou em 1998, e está hoje na série B do Campeonato Brasileiro de Futebol. Assim, outra pergunta surge: qual a intenção do clube em associar sua imagem a um condenado por assassinato?
Supostamente, a vida de Eliza foi tirada devido à recursa de Bruno ao pagamento da pensão para seu filho. Contudo, consequentemente, não seria exagero pensar em como a vida de uma mulher é deixada de lado quando outras questões parecem mais relevantes. Vale lembrar que a “Lei do Feminicídio” tem dois anos de vigência quando a Lei 13.104 de março de 2015 alterou o artigo121 do Código Penal, introduzindo a lei como qualificadora no crime de homicídio.
E, ainda que, aos olhos da lei, a equipe não esteja cometendo nenhum crime, alegando a reintegração de um cidadão a sociedade, parece que o clube não se preocupa com a opinião pública. Bruno fora recebido com faixas de boas-vindas, fotógrafos e muita comemoração no Boa Esporte, quando várias pessoas pediam para fazer selfies com o goleiro. Seria um interessante caso de idolatria futebolística a ser solucionado por um relações públicas.

Mas enquanto a festa acontecia no Boa Esporte, como já dito, várias manifestações ocorriam no país, principalmente lideradas por mulheres. No centro de Varginha, mulheres encapuzadas e com as mãos pintadas de vermelho protestaram contra o clube de futebol, alegando que este mancharia o nome da cidade e desrespeitaria os torcedores do time. Seria muito afirmar que o clube também assim não estaria mais uma vez legitimando o machismo no futebol quando o crime do qual o goleiro é acusado fica em segundo plano?

Ainda que hoje o cenário no qual mulheres e futebol se relacionam esteja muito mais diverso do que outrora, não foi observado qualquer tipo de manifestação oficial das instituições do futebol brasileiro contrárias a contratação do Boa Esporte. E a vida segue. Fica claro que o clube conseguiu notoriedade na mídia, embora sua imagem pareça manchada e não se saiba se Bruno chegará a atuar pelo clube. Mas também expõe o quanto o futebol não se mistura, e não se preocupa, com causas feministas.