Jornalismo esportivo não é só futebol. É vôlei, basquete, tênis e outras modalidades olímpicas e práticas esportivas. E o jornalismo esportivo também não é só sobre a competição em si e os resultados: quem ganhou, quem perdeu, quem conquistou a medalha. Vai muito além disso. É sobre conjuntura, as nuances dentro e fora das quatro linhas, os bastidores e, acima de tudo, sobre vidas no âmbito esportivo. De atletas, treinadores, árbitros, torcedores, profissionais da imprensa, dirigentes, funcionários de clubes e entidades esportivas.
Qualquer assunto que gere algum impacto social no meio esportivo, positivo ou negativo, deve ser objeto de cobertura da mídia especializada no assunto. Daí a importância de abordarmos temáticas necessárias e relevantes que fogem do óbvio noticiário factual da mídia esportiva, levando em conta também questões econômicas, políticas e sociais. Afinal, o esporte não é uma bolha à parte da sociedade. O que acontece lá dentro do campo, na arquibancada, nas quadras e nas piscinas, é reflexo também do que observamos em nossa sociedade.
Neste texto para o blog, listo 10 (entre muitas outras também importantes) pautas que merecem (mais) atenção e espaço na cobertura do jornalismo esportivo brasileiro, tendo em vista a relevância que esses temas se colocam hoje na vida de todos nós.
1) RACISMO
Mediante um aumento expressivo de casos nos últimos anos, envolvendo atletas e torcedores, o racismo se tornou uma pauta frequente nos noticiários esportivos. Especialmente quando vira caso de polícia e encontra vozes de resistência, como a de Vini Jr, atacante do Real Madrid, que se tornou referência no combate ao racismo. Campanhas como “Com racismo, não tem jogo”, da CBF, ganharam força nos jogos, mas ainda são insuficientes. Restam ações mais efetivas, dada a impunidade que predomina em torno do tema. Além de ouvir atletas que passaram pelo problema, vale conferir o trabalho Observatório da Discriminação Racial no Futebol, tem feito um trabalho de destaque, denunciando casos e divulgando periodicamente relatórios sobre o assunto.
2) HOMOFOBIA/LGBTFOBIA
Seja com xingamentos, comentários ofensivos e cânticos nos estádios, a homofobia/LGBTfobia se manifesta em diferentes esferas do esporte diariamente, atingindo sobretudo os atletas. Casos como os envolvendo a jogadora de vôlei Tifanny Abreu (vítima de transfobia) ganharam notoriedade na mídia esportiva. No futebol, o tema ainda é um tabu entre os homens. A rejeição à Camisa 24 é sintomática, nesse aspecto. Poucos são os que falam abertamente sobre a sexualidade, temendo perseguições e represálias. Nas arquibancadas, torcidas de todo País entoam cânticos homofóbicos para times e atletas rivais, fazendo uso de termos pejorativos como “viados”, “bambis” e “stellas”. Alguns clubes, como o Bahia, lideram ações de enfrentamento ao tema, mas de modo geral o debate segue ainda superficial. LGBTfobia/Homofobia é crime previsto em lei, mas a maioria dos casos passa impune. A mídia pode refletir mais sobre isso.
3) MACHISMO/SEXISMO/MISOGINIA
Historicamente ocupado por homens, o mercado de jornalismo esportivo convive, desde o início, com o machismo, que privou (e ainda priva) mulheres de cargos de comando e prestígio na área. O preconceito não fica restrito aos profissionais homens, mas também se estende para a torcida, com piadinhas de cunho machista, misógino e sexista, que visam a todo custo desqualificar ou julgar mulheres mais pela aparência do que pelo conteúdo. Ainda que de forma tardia, essa realidade tem se modificado aos poucos, com mais mulheres no meio esportivo, inclusive em novos postos, como na narração. As frases “Lugar de mulher é onde ela quiser” e “Deixa ela trabalhar”, que buscam enfrentar infinitas situações de machismo na mídia, se tornaram símbolos dessa luta. Denunciar e noticiar novos casos se faz necessário.
4) VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
A recente condenação de Daniel Alves, pelo crime de agressão sexual, na Espanha, abriu os olhos da mídia internacional para a importância de debater e repercutir os casos de violência contra a mulher, envolvendo personagens do meio esportivo. Daniel Alves não é um caso isolado. Robinho é outro ex-jogador condenado por participação direta em estupro, na Itália. A partir do caso dele, várias reportagens e até série de podcasts, no UOL Esporte História, foram desenvolvidas para destrinchar o tema, em uma cobertura de fôlego. Para além desses casos, são recorrentes as denúncias de assédio moral e importunação sexual no meio esportivo, envolvendo jornalistas, árbitras, treinadoras, jogadoras e dirigentes, que merecem visibilidade na mídia, cobrança e o devido rigor de punição dos envolvidos.
5) VIOLÊNCIA ENVOLVENDO TORCIDAS
A violência envolvendo torcidas de futebol se tornou, nos últimos anos, pauta recorrente da mídia esportiva, especialmente em dias de clássicos e jogos decisivos. Além das brigas entre torcidas e com a Polícia, chamam a atenção também casos como o ataque terrorista sofrido pelo ônibus do Fortaleza, por parte de integrantes de uma torcida organizada do Sport, gerando feridas no corpo e na mente dos atletas. O caso gerou comoção nacional e um festival de notas de repúdio mas, em termos práticos, não resultou em medidas enérgicas no combate de atos violentos no esporte. À mídia, cabe o papel de questionar as autoridades e reforçar a cobrança pela punição aos envolvidos nos atos criminosos e ações concretas de garantia a segurança de todos.
6) SAÚDE MENTAL
No esporte, assim como na vida, atletas lidam diariamente com ansiedade, autocobrança exagerada e pressão por resultados. Problemas que desencadeiam males que afetam a saúde mental. O tema começou a ganhar espaço na mídia esportiva, sobretudo, após a pandemia, quando essa temática veio à tona, de modo geral. Atletas de alto rendimento, como Gabriel Medina e Filipe Toledo, campeões mundiais de surfe, além da ginasta campeã olímpica Simone Biles, chegaram a dar uma pausa na carreira para tratar da saúde mental. No futebol, alguns casos também são conhecidos, como os de Nilmar, Zé Love e Thiago Galhardo, que buscaram ajuda para lidar com distúrbios como depressão e síndromes. Situações que só reforçam a necessidade da mídia conscientizar a sociedade para a importância da empatia e do tratamento dos aspectos emocionais.
7) CAPACITISMO
O capacitismo, preconceito que reduz uma pessoa à sua deficiência, é o outro mal que precisa ser encarado e melhor abordado na cobertura esportiva. O tema fica em evidência pelo menos a cada quatro anos, durante a disputa dos Jogos Paralímpicos, que ganham holofotes na mídia. Na cobertura, é preciso cuidado no trato com os paratletas, que precisam ser vistos como esportistas de alto rendimento, e não como “coitadinhos” ou vistos só pela ótica da “superação” até a conquista de grandes feitos. Perceber as deficiências como características já é um passo inicial. A mídia esportiva também pode cumprir o seu papel se cobrir o tema de forma didática, reeducando a audiência sobre uso de termos que devem ser evitados, como “aleijado” para se referir a uma pessoa paraplégica.
8) XENOFOBIA
A xenofobia, caracterizada como o medo ou aversão a qualquer coisa ou pessoa que seja percebida como estrangeira ou estranha, é mais um dos males que têm assolado o esporte nos últimos anos. É um preconceito que se revela através de cânticos, xingamentos à borda do campo, comentários na mídia e nas redes sociais. No futebol, por exemplo, são comuns os ataques xenófobos aos nordestinos, com insultos que associam a região à seca, miséria e migração para o Sudeste e Sul em busca de melhores oportunidades de emprego. Há também casos de xenofobia contra profissionais que vêm de fora do País, desde atletas até treinadores de futebol. Para além de repercutir notas de repúdio, a mídia esportiva precisa dar mais espaço para que especialistas, como sociólogos, historiadores e advogados, discutam o tema de maneira reflexiva e propositiva.
9) INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
Além do preconceito sofrido por gênero, raça, etnia e orientação sexual, a intolerância religiosa é mais uma mazela que aflige o esporte brasileiro. O caso mais notório no País é do atacante Paulinho que, constantemente, é vítima de xingamentos e comentários preconceituosos nas redes sociais sobre a sua religião, o Candomblé. Diante das críticas, o jogador segue como uma voz ativa de enfrentamento ao tema. A mídia esportiva tem dado espaço ao caso e pode ser mais incisiva no letramento e combate da estigmatização e estereótipos negativos que cercam as religiões de matriz africana, como candomblé e umbanda. Também são observados casos de intolerância religiosa envolvendo atletas de religiões cristãs, que são criticados por falas, discursos e princípios defendidos.
10) GORDOFOBIA
A gordofobia, ato de julgar alguém inferior, desprezível ou repugnante por ser gordo, tem virado rotina no meio esportivo. De modo geral, qualquer atleta que fuja dos ‘padrões’ do corpo atlético costuma ser alvo de deboche e ataques gordofóbicos. No futebol, um caso que chama atenção é o do atacante Walter, constantemente criticado pela sua forma física. No vôlei, no judô e no futevôlei são muitos os casos de atletas que recebem ataques gordofóbicos, com críticas e ataques direcionados aos seus corpos, como se a condição em que vivem pudesse impedi-los de praticar o esporte de forma satisfatória. À mídia esportiva, cabe, cada vez mais, dar a abertura de espaço para denúncia de casos, assim como abordagens de conscientização e reflexão acerca do tema.