Relatório Apostas Esportivas na Mídia (Outubro 2024)

Este relatório inaugura as publicações no âmbito do projeto Prociência “Nações esportivas: usos geopolíticos e apropriações mercadológicas do esporte no século XXI”, contemplado com uma bolsa pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC da UERJ (edital 2024: “Narrativas de consumo no esporte: mídias, culturas e representações”).

 

Introdução

Após um intervalo nebuloso, entre a autorização de operação durante o governo Temer (lei 13.756/2018) e sua regulação de efetivação, o cenário de apostas esportivas ganhou um novo boato: a lei 14.790/2023, aprovada ao final de 2023 pelo governo Lula. Desde então, muito se discutiu sobre como deveriam ser os moldes da regulamentação em seus mais diversos aspectos (tributação, publicidade, punições). As dúvidas foram sanadas com a promulgação da referida lei em outubro de 2024. A lei transferiu mudanças significativas, dentre elas: obrigatoriedade das casas de aposta disporem de sede e administração no território nacional; e a criação de uma série de regras no que tange à publicidade das apostas (não é permitida propaganda que apresente apostas como solução para problemas financeiros) e à tributação de prêmios (os prêmios líquidos das apostas de cota fixa serão tributados à alíquota de 15%) . A ela, se aumentou à divulgação de uma lista, no primeiro dia de outubro de 2024, com as empresas de apostas online autorizadas a atuar no Brasil pelo Ministério da Fazenda.

É diante desse cenário que monitoramos, ao longo do mês de outubro, o que foi publicado sobre o tema em quatro grandes veículos de notícias (CNN, Estadão, Folha de SP e Terra). Foram coletadas 120 materiais no total. Em meio à discussão sobre valores gastos por beneficiários do Bolsa Família com apostas, descobertas de manipulação de resultados e bloqueio de sites de apostas irregulares, a imprensa tradicional acompanhou e repercutiu cada um desses momentos. A mídia explorou, principalmente, questões como publicidade das apostas, relação de influenciadores com as apostas e o processo de regulação.

Nuvem de palavras: apostas; apostas; empresas; jogos; fazenda; governador.

 

Resultados

Dos quatro veículos midiáticos analisados ??(CNN, Estadão, Folha de SP e Terra), a principal editoria na qual assuntos sobre as casas de apostas foram publicados foi a de Economia, seguida por Política e Esportes. No caso da Folha de SP, existe inclusive uma subedição intitulada “Bets no Brasil”, que é específicamente para cobrir o assunto.

Os principais pontos destacados por todos os jornais catalogados compreendem o estudo do bolsa família e seu uso para realização de apostas, a regulação das publicidades, os problemas de saúde mental decorrentes do vício e da lavagem de dinheiro¹.

Na grande maioria das matérias, a visão ao abordar o assunto “apostas esportivas” é negativa, destacando-se os problemas sociais e os prejuízos econômicos que os prejudicam. O Estadão e a Folha de SP, por exemplo, recorrem a textos de opinião submetidos por colunistas para criticar abertamente as casas de apostas. No entanto, o Terra, até mesmo por ser um portal e não ter necessariamente as mesmas responsabilidades jornalísticas que os demais veículos, possui uma aba em seu site especificamente para promover apostas. Nesse espaço, são fornecidas dicas de quais apostas são seguras para apostar, melhores jogos, palpites para apostas esportivas, além da divulgação de bônus diversos.

Os veículos acionaram, majoritariamente, argumentos de autoridade para fundamentar os materiais. A partir da análise dos textos, foram divulgados que os principais atores acionados pertencem à esfera política, como o Presidente da Câmara, Arthur Lira, e o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad – ambos aparecem em diversas questões. Especialistas em legislação, instituições financeiras (como o Banco Central, principalmente após a divulgação de uma pesquisa a respeito dos beneficiários do Bolsa Família e seus gastos com casas de apostas) e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas, que também são atores recorrentes nas reportagens.

No que diz respeito ao Banco Central (BC), houve um grande número de materiais repercutindo o dado divulgado sobre o gasto dos beneficiários do Bolsa Família com apostas, algo em torno de R$ 3 bilhões de reais em transferências por Pix. Uma análise técnica feita pelo Banco Central repercutiu em jornais do Brasil inteiro (na Folha, por exemplo, a manchete anunciou que “Beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas só em agosto”). Posteriormente, outro estudo, dessa vez; Contratados pelo setor de apostas, estimou que as pessoas contempladas pelo Bolsa Família, gastaram, na verdade, cerca de R$ 210 milhões com apostas no mês de agosto. Essa análise foi realizada pela LCA Consultoria Econômica e, segundo a própria empresa, feita com base na nota técnica emitida pelo Banco Central. Essa nova pesquisa não considera o gasto bruto, e sim a diferença entre o total de apostas feitas e o total pago em prêmios – o que, em teoria, leva em conta uma RTP² de 93% em média. Essa metodologia (a RTP) é praticada pelas apostas associadas ao Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), são elas: Bet365, Flutter (Bet Nacional), Entain (Sportingbet), Betsson Group, Betway Group, Yolo Group, KTO Group, Rei do Pitaco, Novibet, LeoVegas (MGM Grand, parceira do Grupo Globo), Kaizen Gaming (Betano) e SkillOnNet.

A priori, o BC não se posicionou a respeito dessa contrapesquisa realizada pelas casas de apostas. Em outro momento, no entanto, divulgou uma nota para a Folha de SP dizendo que não havia garantias de que o estudo apresentado está totalmente certo, alegando não ter produzido “documentos preparatórios para uma elaboração da nota técnica”. A respeito do material usado para embasar a pesquisa, o Banco Central não ofereceu informações sobre o que exatamente foi analisado.

Apesar da correção, a relação entre casas de apostas e beneficiários do Bolsa Família já tinha tornado um escândalo. A responsabilidade pelos supostos gastos em apostas foi atribuída, direta ou indiretamente, a essas pessoas – que, por sua vez, já são estigmatizadas pelo preconceito enraizado na sociedade³. Esse estudo, ainda que não fosse sua intenção, transformou uma parcela vulnerável da população em bode expiatório para um problema mais amplo – como apontado pelo jornalista Sérgio Liro em matéria para a CartaCapital(4).

Outra questão frequente na mídia é a questão de manipulação de resultados no futebol e o possível envolvimento dos jogadores nesse esquema. Um dos casos de maior destaque é o do jogador Lucas Paquetá, que está sendo investigado pela Associação de Futebol da Inglaterra (FA) por suspeita de ter convidado cartões amarelos em jogos do West Ham, clube pelo qual atua, para beneficiar os apostadores. Paquetá chegou a ser convocado para depor na CPI das Apostas, mas negou as acusações. Bruno Tolentino, tio do jogador, também foi convocado pela CPI por suspeita de envolvimento em um esquema de apostas. Verifique se ele teria realizado uma transferência de dinheiro para o jogador após este ter recebido um cartão amarelo em uma partida.

Além do caso de Paquetá, o empresário William Pereira Rogatto, conhecido como o “Rei do rebaixamento”, também tomou conta das manchetes com seu depoimento à mesma CPI, quando confessou ter manipulado resultados de jogos para lucrar com apostas. Ele afirmou que esse esquema foi resolvido no rebaixamento de 42 vezes no futebol brasileiro e um ganho de cerca de R$ 300 milhões. Outro caso, dessa vez menos abordado, foi a investigação, pela CPI, da expulsão do jogador do Cruzeiro, Rafa Silva, no jogo entre Athletico-PR e Cruzeiro, válido pela 31ª rodada do Brasileirão 2024, que ocorreu apenas três segundos após o começo da partida com o jogador acertando uma cotovelada em outro jogador do time do rival.

Num panorama geral, o mês de outubro foi marcado por grande interesse da mídia em relação às apostas, principalmente após a promulgação da lei que prometia regularizar a situação das casas de apostas no país. Escândalos envolvendo influenciadores, beneficiários do bolsa família e manipulação em resultados de jogos de futebol foram alguns dos principais tópicos em destaque. É razoável que a questão das apostas esteja longe de acabar – sem sentido de uma regulamentação efetiva. Ainda faz-se necessárias adaptações na lei, o que, por sua vez, será objeto de análise do próximo relatório, que abrangerá os meses de novembro e dezembro, acompanhando mais um capítulo do crescimento do mercado de apostas online no Brasil.

 

Metodologia

Foram escolhidos para análise quatro portais (cnnbrasil.com.br, estadao.com.br, folha.uol.com.br, terra.com.br), listados entre os mais acessados ??na categoria “New & Media” pelo SimilarWeb. A análise foi desenvolvida com a ajuda do software Google NotebookLM. Foram coletadas, no total, 120 matérias, sendo elas: 5 da CNN; 37 da Folha de SP; 75 do Estadão e 3 do Terra.

 


Notas e referências:

¹ Esses eixos temáticos foram obtidos com o auxílio da IA ??do Google (via NotebookLM). Compilamos todos os dados em um arquivo de texto (único e por jornal) e subimos à plataforma. Após esse processo, cruzamos os dados com uma leitura qualitativa do material.

² Do inglês return to player, essa taxa é uma porcentagem de dinheiro que volta aos apostadores. No caso dessa média, de cada R$ 100 apostados, R$ 93 voltariam aos jogadores.

³ DE MARINS, Mani Tebet Azevedo; RODRIGUES, Mariana Nogueira. Estigma, humilhação e controle social entre beneficiários do Programa Bolsa Família. Política & Sociedade, v. 51, pág. 222-246, 2022.

4 LIRO, Sérgio. Os bodes expiatórios do flagelo das apostas. CartaCapital.

 

Redação do relatório

Letícia Ribeiro (bolsista de Iniciação Científica)

Fausto Amaro (coordenador do Projeto)

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