Sem imagens dos jogos, canais apostam em transmissão com ‘reacts’ e ‘cortes’ com perspectiva torcedora

Enquanto serviços de streaming e emissoras de TV investem milhões na aquisição de direitos para exibirem campeonatos, perfis de mídia esportiva no Youtube “surfam” na internet realizando transmissões que, mesmo sem imagens dos jogos, atraem centenas de milhares de apaixonados por futebol. Mas afinal, o que será que mobilizará tanta gente numa transmissão audiovisual de duas horas que não está mostrando os lances do jogo? Uma das respostas: a curiosidade de coletar as reações dos narradores e comentaristas, os famigerados reagem. Esse formato está a cada dia envolvendo mais pessoas não tão dedicadas a conteúdos esportivos, mas em produções de temas diversos, dos quais as pessoas gostam. 

As principais emissoras de rádio do Brasil, na era do conteúdo expandido para além do AM/FM, que transborda para as mídias digitais (KISCHINHEVSKY, 2016), já vêm fazendo isso há cerca de uma década (BALACÓ, 2019), com destaque para a experiência da Jovem Pan, que conta com quase 5 milhões de inscritos no seu canal esportivo, no Youtube. Mais recentemente, novos atores do mercado de mídia esportiva passaram a explorar esse recurso com sucesso de audiência, como os canais do Youtube Flow Sport Club, Energia 97 FM e Rádio Craque Neto. 

Entre esses três casos, um ponto em comum: a perspectiva torcedora de seus integrantes, expressa com gestos de vibração e “caras e bocas” após um lançamento de gol ou momento importante da partida. Uma postura que contrasta com o ethos do cronista esportivo profissional, que prega o registro (para não dizer imparcialidade) e o distanciamento crítico do fato narrado (FERRARETTO, 2001) em transmissões esportivas. 

Trata-se de uma investigação para gerar uma sensação de pertencimento na audiência, despertando uma identificação no espectador, que se sente representada na transmissão, como se fosse ele ali. Esse movimento ocorre na mesma onda de ascensão de canais no Youtube idealizados por torcedores das principais equipes do País, que transmitem jogos, repercutem resultados e noticiários dos seus tempos de coração.  

O Flow Sport Club, por exemplo, é a “resenha esportiva dos estúdios Flow”, nativa digital do Youtube, que se popularizou durante a pandemia de Covid-19 com o formato em vídeo de mesa-redonda (que simula a mesa-redonda tradicional ). do rádio). Em cena, sentados em uma mesa retangular, uma equipe de três comentaristas reage a uma transmissão de jogo de futebol que eles assistem por um monitor de TV, atrás da câmera. Durante a transmissão, conduzem o debate no melhor estilo “papo de bar” (GUIMARÃES, 2020) e resenha esportiva em podcast (BALACÓ; GUIMARÃES e RUTILLI, 2023), com uma linguagem descontraída, apaixonada, com exaltações, que por vezes passam do ponto com uma língua que faz uso de xingamentos, tal qual um torcedor no estádio de futebol, no bar ou no sofá de casa. Com um canal do Youtube que conta com quase 1 milhão de inscritos, o Flow Sport Club já teve transmissão de jogos com react que superaram a marca de 239 mil visualizações (https://www.youtube.com/watch?v=5kH82AWrz2U) .  

Fonte da imagem: YouTube

Já as transmissões do canal da Energia 97 FM reproduzem no Youtube a jornada esportiva que vai ao ar na emissora paulistana, que opera no dial pela FM 97.1, dedicada principalmente à cobertura dos jogos dos principais clubes paulistas: Palmeiras, Corinthians, São Paulo e Santos . Para cada vez, uma equipe com narrador e comentarista identificados, que torce, vibra e extravasa nos gols dos paulistas e lamenta quando as equipes adversárias marcam, tendo suas reações captadas pelo vídeo. Em jornadas de clássicos paulistas, a transmissão conta com dois narradores, com cada um deles narrando os lances das equipes que ‘representam’. Perto da marca de 1 milhão de inscritos no Youtube, o canal da Energia 97 FM já registrou audiências recentes de mais de 780 mil visualizações ( https://www.youtube.com/watch?v=nPtByC_v7ME&t=6203s ). 

Fonte da imagem: YouTube

Outro fenômeno recente da mídia esportiva é a Rádio Craque Neto, canal do Youtube em formato de web-rádio, idealizado pelo ex-jogador Neto, ídolo do Corinthians e apresentador da TV Bandeirantes. Com sede em São Paulo, o projeto realiza transmissões de jogos em estúdio, no formato react, contando com equipe completa: narrador, comentaristas e repórteres. Neto, de forma especial, participa das jornadas esportivas que envolvem os jogos do Corinthians, clube para o qual assume a torcida. A Rádio Craque Neto conta com mais de 2,3 milhões de inscritos e já teve transmissões recentes que superaram a barreira de 1 milhão de visualizações ( https://www.youtube.com/watch?v=EW_QGTnh7AI ). 

Fonte da imagem: YouTube

Linguagem e estratégia de viralização das transmissões digitais 

Nos três casos citados (Flow Sport Club, Energia 97 FM e Rádio Craque Neto), a perspectiva torcedora se manifesta durante as transmissões de jogos por meio de uma atuação performática, em que existe “uma atuação, um modo de se transmitir o acontecimento” , potencializado com exageros, narrativas heróicas, “batalhas” e como “parte de um show” (GUIMARÃES e RUTILLI, 2023, p. 12). Em um cenário onde predomina a busca pelo engajamento em plataformas digitais, o uso de recursos performáticos durante as transmissões objetivam “estreitar as relações entre autor e público e, no caso, entre jornalista (radialista ou comunicador) e audiência” (GUIMARÃES e RUTILLI, (2023, pág. 15).  

Para consolidar as performances dos comunicadores, que surgem durante o “calor” dos acontecimentos durante a partida, esses momentos foram bastante explorados nas plataformas digitais, por meio de vídeos curtos, os chamados “cortes”, veiculados nos perfis de redes sociais como Instagram , Youtube, TikTok e Kwai. Esses vídeos capturam as reações no momento do gol ou em outras situações capitais da partida, mostradas com o potencial de capturar milhares de visualizações, curtidas e compartilhamentos, que rapidamente viram assunto na web . Nesses registros, o destaque máximo costuma ser o narrador. Afinal, sem a performance do narrador ao gritar gol, “um gol seria apenas um gol, sem um relato emocionado, hiperbólico e exagerado do narrador”. (GUIMARÃES e RUTILLI, 2023, p.16).

Há, contudo, entre os exemplos citados, um caso em que a reação do comentarista é a que chama mais atenção, pela popularidade, maneira peculiar e identificação do comunicador com um determinado clube. É o que acontece com o ex-jogador Neto, da Rádio Craque Neto, âncora do projeto e declaradamente corintiano. Com isso, as vibrações e expressões de revolta de Neto durante as transmissões, nos gols a favor e contra o Corinthians, são exploradas de modo quase instantâneo no perfil da web-rádio no Instagram e também no canal do Youtube, com arte gráfica que destaca o dizer “Cortes do Craque Neto”. 

Fonte da imagem: Rádio Craque Neto 10

Para se ter uma ideia do sucesso que os cortes fazem, num contexto de busca incessante pelo engajamento e busca da atenção dos internautas (o que gera, por tabela, monetização, que ajuda a financiar os projetos, devido ao alcance e audiência das publicações) , existem canais do Youtube dedicados exclusivamente a cortes, destacando reações, narrações de gols, falas de impacto em entrevistas e debates. É o caso dos canais “Cortes do Flow Sport Club” e o “Cortes do Casimito” (de Casimiro Miguel, da Cazé TV). E assim, entre transmissões de reações e cortes em redes sociais com performance, caminha a comunicação esportiva digital e plataforma.

Referências 

BALACÓ, Bruno. Futebol nas redes sociais digitais: as emissoras de rádio todas as notícias de Fortaleza na era das transmissões de jogos via streaming . Em: 17º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. Universidade Federal de Goiás (UFG): Goiânia, 2019. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/49428/1/2019_art_bafbalaco3.pdf

BALACÓ, Bruno; GUIMARÃES, Carlos; RUTILLI, Marizandra. A reinvenção da resenha via Mesacast: o modelo brasileiro de podcast esportivo . In: 46º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação: PUC Minas, Belo Horizonte, 2023. Disponível em: https://sistemas.intercom.org.br/pdf/link_aceite/nacional/11/0816202323200964dd83d9eed0d.pdf

FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio: o veículo, a história e a técnica . Porto Alegre: Sagra Luzzato, 2001.

GUIMARÃES, Carlos. O   ouvinte e a mesa-redonda esportiva no rádio:   uma extensão do “papo de bar”. Revista Âncora: revista latino-americana de jornalismo, João Pessoa, v. 7. n.1, p.322-341, jan./jun.2020. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/ancora/article/view/51294/30849

GUIMARÃES, Carlos. RUTILLI, Marizandra. Mais show, menos notícia: o rádio esportivo como performance . Radiofonias – Revista de Estudos em Mídia Sonora, Mariana-MG, v. 14, n. 01, pág. 8- 27, jan./jul. 2023. Disponível em: https://periodicos.ufop.br/radiofonias/article/view/5734/5378

KISCHINHEVSKY, Marcelo . Rádio e mídias sociais: mediações e interações radiofônicas em plataformas digitais de comunicação. Rio de Janeiro: Ed. Mauad, 2016.

 

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