De Jacarepaguá a Guaratiba: os impasses para a permanência do automobilismo no Rio

Entre os anos de 1978 e 1989, o Rio de Janeiro recebeu 10 provas de Fórmula 1 no Circuito de Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade. Durante esses 11 anos, o Rio viu vitórias de Nelson Piquet, Alain Prost e Carlos Reutemann, além da estreia de Ayrton Senna na F1, em 1984, que nunca venceu uma corrida no circuito carioca. Por mais que o Rio já tenha tido um passado relevante no automobilismo internacional e nacional, atualmente, restam poucos resquícios daquela época e a cidade ainda busca voltar ao cenário do esporte.

Autódromo de Jacarepaguá em 2012
Foto: Duda Bairros/Stock Car

A última corrida da F1 no Rio foi em 1989. A situação da segurança e do atendimento médico do circuito de Jacarepaguá estava em xeque por conta do acidente que deixou o piloto francês Philippe Streiff tetrapégico. Isso fez com que a F1 optasse pelo recém reformado autódromo de Interlagos, em São Paulo, para a temporada de 1990. Mesmo com a saída da principal categoria de automobilismo internacional, o circuito seguiu recebendo provas da MotoGP e CART (atual IndyCar). De 2005 em diante, com a saída da MotoGP, o circuito seguiu recebendo apenas provas nacionais, como a Stock Car e a Fórmula Truck.

Em 2007, com a realização dos Jogos Pan-Americanos na cidade, o autódromo sofreu modificações para receber o complexo esportivo do evento. Posteriormente, foi anunciada a demolição do circuito para dar lugar ao Parque Olímpico dos Jogos do Rio 2016. A demolição total do autódromo ocorreu em novembro de 2012, dando fim ao autódromo 38 anos após a sua inauguração, em 1977.

 

O projeto de Deodoro

Na época da demolição do Autódromo de Jacarepaguá, o autódromo de Deodoro serviu de promessa à Confederação Brasileira de Automobilismo, que até hoje mantém sua sede no centro do Rio. À época, as obras estavam previstas para 2013, mas foram suspensas após identificarem o risco de haver granadas e bombas no terreno disponibilizado pelas Forças Armadas. Esse foi o primeiro entrave na construção do circuito, que ficou de lado até 2019. Além disso, a área escolhida para a construção do autódromo faz parte da Floresta do Camboatá, que é uma das poucas áreas extensas de Mata Atlântica no Rio, sendo outro empecilho para a construção do circuito.

Projeto do autódromo de Deodoro
Reprodução: Rio Motopark

Em 2019, o prefeito do Rio, governador do Estado e o presidente da República (Marcelo Crivella, Jair Bolsonaro e Wilson Witzel, respectivamente), anunciaram que, em 2020, o Grande Prêmio Brasil de F1 seria realizado no Rio de Janeiro. Havia também um certo interesse da F1 na construção do autódromo, em 2018, a categoria chegou a registrar a marca “Fórmula 1 Grande Prêmio do Rio de Janeiro”.

Naquela altura, nem o autódromo existia, a proposta parecia mais uma forma de fortalecer o grupo político de Bolsonaro. Com a crise sanitária do Covid-19, a prova de 2020 no Brasil foi cancelada, e, no final daquele ano, São Paulo anunciou a renovação do contrato com a F1 e realizou as corridas seguintes no Brasil. O pouco prazo para a construção do autódromo somado com a falta do aval do Instituto Estadual do Meio Ambiente (Inea), fez com que o projeto caísse por terra, mas seguiu em tramitação até 2021, quando Eduardo Paes, que sucedeu Crivella, anunciou o arquivamento do processo de licenciamento ambiental.

 

O autódromo do Galeão e o retorno da Stock Car ao Rio

Em 2022, a Stock Car resolveu voltar ao Rio – fazia 12 anos que a principal categoria do Brasil não disputava corridas na cidade. Com o município sem um autódromo, a saída encontrada foi improvisar um circuito usando uma pista reserva do aeroporto Tom Jobim, o Galeão. Na época, a corrida foi vista como um retorno do automobilismo à cidade e o ousado projeto de fazer um autódromo em um aeroporto chamou atenção. A única edição realizada teve como vencedor Daniel Serra, na corrida um, e Maurício Ricardo, na corrida dois.

Curvas do circuito Cacá Bueno no Galeão
Reprodução: Stock Car

A ideia de usar a pista reserva do Galeão como pista de corrida só foi possível graças às condições da época: a redução dos voos por conta dos reflexos da pandemia de Covid-19. Nas condições atuais, sem as restrições sanitárias e com a transferência de alguns voos do Aeroporto Santos Dumont para o Galeão¹, seria impossível fazer algo parecido naquela região, por conta disso, não houve uma segunda edição do evento. Na última década, o circuito no Galeão foi o mais próximo que o Rio esteve de um autódromo, foi um marco importante, mas evidenciou que o Rio carece de um local adequado e fixo para a realização de corridas.

 

O autódromo de Guaratiba 

Em 2024, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, sancionou a lei complementar que estabelece a construção de um autódromo em Guaratiba, na Zona Oeste do Rio. O projeto tem como inspiração o traçado de Jacarepaguá e promete um parque e zona de proteção ambiental no local, sendo a tentativa mais recente de trazer de volta o automobilismo ao Rio.

Sergio Dias, arquiteto do projeto, disse em entrevista ao Globo Esporte (GE)² que o autódromo pode ser palco da F1, mas também de outras categorias, como a IndyCar e a Fórmula E. O circuito também poderá receber eventos, mesmo modo que Interlagos funciona hoje, recebendo os festivais Lollapalooza e The Town. O traçado inicial do novo autódromo tem 5,020 km de extensão e poderá receber até 18 mil pessoas nas arquibancadas, podendo chegar a cerca de 100 mil em outras áreas. O prazo para a conclusão da obra é de dois anos e meio.

Projeto do autódromo de Guaratiba
Reprodução: Câmara Rio

A construção de um novo autódromo no Rio realçaria o compromisso firmado após a demolição do autódromo de Jacarepaguá, além disso, abriria o leque para novos eventos esportivos e culturais da cidade. Vale ressaltar que a história do automobilismo brasileiro sempre envolveu o estado do Rio de Janeiro, que, em 1909, foi palco da segunda prova oficial de automobilismo no Brasil, em São Gonçalo.

Além da realização dos eventos esportivos, é importante firmar uma base de novos pilotos na cidade. Autódromos como o Interlagos possuem escolas de pilotagem que ajudam a gerar novos talentos. Claro que, para tornar o esporte mais popular e acessível, ainda é preciso romper barreiras elitistas que cercam o automobilismo e impedem que uma vasta camada social não o pratique.


Referências

ELIAS, Rodrigo Vilela. Ascensão e queda da Fórmula 1 no Rio de Janeiro (1977-1990). 2020. 286 f. Tese (Doutorado) – IEFD/UERJ, Rio de Janeiro, 2020.

GOMES, Eduardo de Souza. Os primórdios do automobilismo fluminense: o caso da Corrida de São Gonçalo. Ludopédio, São Paulo, v. 133, n. 51, 2020.

SABINO, F. Circuitos clássicos #12: por dez vezes, Jacarepaguá recebeu GP do Brasil de Fórmula 1. Disponível em: <https://ge.globo.com/motor/formula-1/blogs/f1-memoria/post/2021/01/29/circuitos-classicos-12-por-dez-vezes-jacarepagua-recebeu-gp-do-brasil-de-formula-1.ghtml>.

BIZARELO, R. Novo autódromo do Rio terá traçado em homenagem ao circuito de Jacarepaguá; compare. Disponível em: <https://ge.globo.com/motor/noticia/2024/06/27/novo-autodromo-do-rio-tera-tracado-em-homenagem-ao-circuito-de-jacarepagua-compare.ghtml>.


Notas

¹ Jornal Nacional – Transferência de voos do Aeroporto Santos Dumont aumenta o movimento no Galeão, no Rio. Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2023/10/02/transferencia-de-voos-do-aeroporto-santos-dummont-aumenta-o-movimento-no-galeao-no-rio.ghtml>.

² GE – Novo autódromo do Rio terá traçado em homenagem ao circuito de Jacarepaguá; compare. Disponível em: <https://ge.globo.com/motor/noticia/2024/06/27/novo-autodromo-do-rio-tera-tracado-em-homenagem-ao-circuito-de-jacarepagua-compare.ghtml>.

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