Fausto dos Santos na Suíça: breve trajetória de um brasileiro na Suíça de 1930

A trajetória de Fausto dos Santos na Suíça em 1933 não é apenas um episódio isolado na história do futebol, mas um caso paradigmático das complexidades que envolviam a migração esportiva no começo do século passado. Este texto busca reconstruir a breve passagem do jogador brasileiro pelo futebol suíço – marcada por adversidades climáticas, problemas burocráticos e construção de memória – para iluminar um fenômeno mais amplo: as barreiras enfrentadas por atletas não europeus em um contexto esportivo em que o futebol estava caminhando para se tornar um negócio, uma indústria ou um mercado.

Fausto, ex-operário negro e campeão pelo Vasco da Gama em 1929, chegou à Europa em 1931 em uma excursão junto ao time de São Cristóvão. O jogador opta por não voltar ao Brasil e fica em Barcelona para defender as cores blaugrana. Entendemos, assim, que o causo de dos Santos se insere em um contexto de diversificação de migrações, que merecem maior relevância, seja com o foco empírico das pesquisas sobre esporte e migração, mas também aquelas mais quantitativas. Para tanto, ilustro o valor do espaço como um dos eixos de diferenciação que podem se somar a outras como teoria pós-colonial, neocolonialismo, interseccionalidade e etc.

La Nación, 31 de agosto de 1931, p. 8.

 

FAUSTO DOS SANTOS NA SUÍÇA: BREVE TRAJETÓRIA DE UM BRASILEIRO JOGANDO NA SUÍÇA DE 1930

Em janeiro de 1933, o Young Fellows anunciou a contratação de Fausto dos Santos, ex-jogador do Barcelona F.C. e do Vasco da Gama[1]. Antes de se juntar ao Young Fellows, o jogador vestiu a camisa do Zürich F.C.  em um jogo contra o  Admira Wien, então campeão da Copa Austríaca, que realizava uma excursão pela Europa com destino final na cidade de Zurique, na Suíça. Além de Dos Santos, o time contou com os austríacos Haftel e Wessely, jogadores do Basel F.C[2].

Abaixo, o leitor pode conferir um poster publicitário que convoca o público para assistir ao jogo:

“Advertisements Column 1”, Neue Zürcher Zeitung, 21 de Janeiro de 1933, p. 8. Acessado em: https://www.e-newspaperarchives.ch/?a=d&d=NZZ19330121-01.2.32.1.

 

A divulgação do jogo fornece um resumo da partida entre Admira Wien e Zürich F.C. Chama a atenção o nome de Fausto dos Santos, grafado em letras maiúsculas  como “DOS SANTOS”, em contraste com os nomes Haftel e Wesseley. Apesar de os três jogadores serem estrangeiro, o brasileiro ganhou destaque, evidenciando a sua relevância para o jogo disputado no campo do Zürich F.C.

 

AS PRIMEIRAS PARTIDAS DE FAUSTO EM PLENO INVERNO SUÍÇO: UMA DERROTA POR 9 A 1 PARA O CAMPEÃO AUSTRÍACO

A partida entre Zürich F.C. versus Admira foi um amistoso realizado no domingo, 22 de janeiro de 1933, no campo esportivo Letzigrund, em Zurique, estádio do Zürich F.C. Segundo as crônicas da época, a equipe vienense demonstrou superioridade técnica, mantendo o controle da bola e realizando passes rápidos, mesmo diante das adversidades de um campo coberto de neve, conforme relatou o La Tribune de Genève[3]. Outro detalhe relevante é que, naquele período, o estádio do Zurich F.C. localizava-se às margens do rio Limmat[4].

As crônicas também destacam que Haftel e Wessely atuaram na defesa ao lado de Fausto dos Santos, mas enfrentaram dificuldades para conter o avanço dos jogadores do Admira Wien, que se mostraram amplamente superiores durante a partida. A neve, mencionada em todas as crônicas, foi um fator determinante no jogo, mas não diminuiu o mérito da vitória dos vienenses[5].

Para os historiadores, atentos aos desdobramentos teóricos e metodológicos das últimas décadas, a chamada virada espacial (spatial turn) e a crescente atenção ao meio ambiente como categoria analítica oferecem ferramentas fundamentais para repensar a experiência de jogadores como Fausto dos Santos. Como destaca Doreen Massey em For Space, o espaço não é um mero pano de fundo, um quadro estático, mas um ator central nas relações sociais, capaz de moldar experiências e trajetórias individuais[6]. A partida em questão, disputada sob condições climáticas extremas – um campo coberto por cinco centímetros de neve – , não apenas ilustra as dificuldades enfrentadas por um jogador acostumado ao clima do Brasil, mas também revela como o espaço e o ambiente influenciam as dinâmicas culturais e esportivas.

No caso de Fausto dos Santos, a neve e o frio intenso do inverno suíço não foram apenas obstáculos físicos, mas também simbólicos. Eles representam a intersecção entre meio ambiente, trabalho e mobilidade transnacional, temas importantes aos estudos sobre migração e esporte. Em uma outra área de investigação, a história social tem se voltado cada vez mais para a análise do espaço e do meio ambiente como elementos indissociáveis das condições de existência das populações. No contexto de Fausto, um ex-operário negro que deixou o Brasil em busca do profissionalismo no futebol na Europa, costumes, modos e formas de se inserir no interior de determinada comunidade são fatores a serem considerados em sua trajetória, evidenciando como as diferentes desigualdades podem moldar as experiências de atletas migrantes.

Essa partida, portanto, não é apenas um evento esportivo, mas um convite a integrar em nossas pesquisas e nossos olhares para as fontes, o espaço e o ambiente. Essa abordagem, permite uma análise mais matizada das relações sociais, destacando como esses fatores devem ser lidos como importantes agentes para compreensão das desigualdades que permeiam a vida cotidiana e as trajetórias individuais, também.

Se as crônicas da partida indicam que os austríacos jogaram como mestres da modalidade, por outro lado, a equipe azul e branca, mesmo atuando em casa e contando com reforços, não conseguiu ser páreo para o Admira Viena[7]. Nesse aspecto, é importante destacar que o Admira representava o futebol austríaco em sua plenitude, enquanto o Zürich F.C. encarnava o futebol suíço. Os relatos da época não deixam dúvidas sobre a superioridade técnica e tática dos vienenses, que se impuseram de forma categórica sobre os suíços.

Esse embate entre os dois times não se limitou a uma simples partida de futebol; ele criou comparações entre as práticas esportivas de duas cidades – e, por extensão, de dois países. As semelhanças e diferenças entre o futebol austríaco e o suíço foram postas em evidência, revelando não apenas disparidades técnicas, mas também distintas culturas esportivas. Enquanto o Admira Wien representava um futebol mais refinado, fruto de uma tradição esportiva que já despontava na Europa, o Zurich F.C. ainda buscava seu lugar no cenário nacional e para além das fronteiras nacionais.

De qualquer forma, Fausto dos Santos atuou como meio-campista defensivo, função que, hoje, corresponde ao papel de volante, camisa cinco ou cão de guarda. No entanto, ele enfrentou dificuldades significativas ao jogar em um campo de solo congelado, defendendo um clube com o qual ainda não havia estabelecido entrosamento com os companheiros de equipe[8]. Além disso, o desafio era ainda maior por enfrentar o Admira Wien, atual campeão austríaco, que vinha de uma excursão pela Europa e realizava boas exibições. A crônica da partida sugere que qualquer julgamento precipitado sobre o desempenho de Fausto seria injusto, destacando que ele era, sem dúvida, um grande jogador, mas que, não se sentiu confortável atuando em um campo coberto de neve.

Fausto também atuou pelo Basel F.C. em uma partida contra o Admira Wien, realizada em janeiro diante de 3.500 espectadores[9]. Ele foi escalado para esse jogo devido à ausência de alguns jogadores do Basel, que estavam convocados para a seleção nacional. Os relatos da partida destacam Fausto como um dos principais articuladores de jogadas de ataque, responsável por passes preciosos e pela criação de oportunidades para seus companheiros de equipe[10].

 

FAUSTO DOS SANTOS PELO YOUNG FELLOWS: ENTRE A EXPECTATIVA E A REALIDADE 

A estreia de Fausto dos Santos pelo  Young Fellows ocorreu em um jogo contra o Servette, realizado em Genebra, na Suíça. O periódico Courrier de Genève destacou a chegada do brasileiro, que, após ter conquistado o título de campeão no Brasil em 1929 pelo Vasco da Gama e atuado pelo Barcelona na Espanha, ingressava no time suíço para a temporada que se inciava na primavera[11]. De acordo com Le Tribune de Genève:

O Young Fellows, cujo onze também inclui jogadores de grande valor. Assistiremos à estreia em Genebra do famoso internacional brasileiro Fausto Dos Santos, que, vindo para a Europa com os campeões do Brasil, permaneceu na Espanha, contratado após excelentes partidas pelo F.C. Barcelona. Dos Santos é um jogador completo, comparável aos melhores especialistas britânicos, cuja principal qualidade é a antecipação.[12]

A partida entre Young Fellows e o Servette terminou em um empate sem gols. No entanto, as crônicas do jogo destacavam algumas características de Fausto dos Santos, “dotado de uma alta estatura, captura facilmente as bolas altas. Além disso, possui um jogo sóbrio e muito eficaz e, embora não tenha utilizado todos os seus recursos, sua reputação não é certamente exagerada”[13]. Contudo, a partida foi marcada por uma controvérsia: os organizadores da competição decidiram decretar a vitória do Servette por 3 a 0, alegando que o Young Fellows havia escalado um jogador não qualificado – no caso, o brasileiro Fausto dos Santos[14]. A próxima partida do Young Fellows, contra o Grasshoppers pela liga Suíça, foi cancelada devido à rejeição da documentação pela Federação de Futebol (Fußballkomitee), o que agravou a situação do clube e de Fausto[15]. 

Segundo o historiador João Malaia, o Vasco da Gama, ao tomar conhecimento de que Fausto havia deixado o Barcelona e estaria jogando pelo Young Fellows, negociou seu retorno ao Brasil, pagando mil francos (cerca de 500 mil réis) para repatriá-lo[16]. 

 

‘DE VOLTA À PÁTRIA’

A página da revista Cruz de Malta, de abril de 1933, oferece insights sobre o retorno de Fausto dos Santos e o contexto do futebol brasileiro no início da década de 1930[17]. O texto celebra o retorno de Fausto ao Vasco da Gama após, segundo o texto, uma bem-sucedida passagem pela Europa, destacando sua consagração nos campos europeus, especialmente no Barcelona[18]. O clube, por um lado, enaltece o adentramento ao modelo profissional e, por outro, faz uma menção à “linha dos trabalhadores” – composta por Tinoco, Fausto e Molla[19].

No entanto, é importante notar que a fonte apresenta uma visão idealizada da trajetória de Fausto, omitindo os desafios, adversidades e dificuldades que enfrentou na Europa. Fausto não jogou pelo primeiro time do Barcelona F.C. e, provavelmente, teve dificuldade de se adaptar à Suíça. Além disso, não obteve a permissão para jogar pelo Young Fellows e isso pode ter influenciado em seu retorno. De toda forma, histórias como as de Fausto merecem ser contadas, divulgadas e investigadas a contrapelo. Além disso, nos força a refletir sobre os desafios e as possibilidades de se escrever uma história que transcenda as narrativas nacionais e identitárias, propondo uma abordagem mais ampliada e conectada.

 

REFERÊNCIAS

[1]“Fußball”, Neue Zürcher Zeitung, 20 de Janeiro de 1933, p. 6. Acessado em: https://www.e-newspaperarchives.ch/?a=d&d=NZZ19330120-03.2.22.2.

[2]“Fußball”, Neue Zürcher Zeitung, 21 de Janeiro de 1933, p. 2. Acessado em: https://www.e-newspaperarchives.ch/?a=d&d=NZZ19330121-01.2.12.3.

[3]“Zurich-Admira (Vienne): 1-9”. La tribune de Genève, 24 de Janeiro de 1933, p. 5. Acessado em:  https://www.e-newspaperarchives.ch/?a=d&d=TDG19330124-01.2.16.13.

[4]“Zurich-Admira (Vienne): 1-9”. La tribune de Genève, 24 de Janeiro de 1933, p. 5. Acessado em:  https://www.e-newspaperarchives.ch/?a=d&d=TDG19330124-01.2.16.13.

[5]“Zürcher Fußballsonntag”, Neue Zürcher Zeitung, 23 de Janeiro de 1933, p. 6. Acesso em: https://www.e-newspaperarchives.ch/?a=d&d=NZZ19330123-01.2.24.1.

[6]MASSEY, Doreen. For Space. London: Sage, 2005.

[7]“F. C. Zürich: Admira Wien 1:9 (1:2) Fussball in Zürich”, Neue Zürcher Nachrichten, 23 de Janeiro de 1933, p. 3. Acesso em:  https://www.e-newspaperarchives.ch/?a=d&d=NZN19330123-01.2.14.1.3.

[8]A citação direta à dos Santos presente na crônica é a seguinte: “Dos Santos, der Brasilianer in der Läuferreihe, fand auf dem ungewohnten Boden nie richtig zu seinem Spiel, sodass sein zweifellos vorhandenes Können nur ansatzweise aufblitzen.” De forma resumida o texto fala que Fausto não conseguiu jogar por conta das adversidades do jogo. Idem Nota 6.

[9]“Fußball-Ergebnisse”. Neue Zürcher Zeitung. 23 de janeiro de 1933, p. 6. Acessado em:  https://www.e-newspaperarchives.ch/?a=d&d=NZZ19330123-01.2.24.2.

[10]“F. C. Basel – Admira Wien 0 : 3”. Der Bund. 23 de Janeiro de 1933, p. 6. Acessado: https://www.e-newspaperarchives.ch/?a=d&d=DBB19330123-01.2.36.10.4.

[11]“Carouge-blue Stars Servette-Young Fellows”. Courrier de Genève. 11 de fevereiro de 1933, p. 5. Acessado em: https://www.e-newspaperarchives.ch/?a=d&d=COU19330211-01.2.31.1.1.3.

[12]“LE FOOTBALL A GENÈVE Etoile-Carouge – Blue-Stars et Servette – Young-Fellows”. La tribune de Genève. 11 de Fevereiro de 1933, p. 5. Acessado em: https://www.e-newspaperarchives.ch/?a=d&d=TDG19330211-01.2.19.1.

[13]“Servette-Young Fellows, 3-0”. Courrier de Genève. 13 de fevereiro de 1933, p. 5. Acessado em: https://www.e-newspaperarchives.ch/?a=d&d=COU19330213-01.2.18.1.6.

[14]“Un match perdu par forfait”. Journal du Jura. 13 de fevereiro de 1933, p. 4. Acessado em: https://www.e-newspaperarchives.ch/?a=d&d=JDJ19330213-01.2.21.6.

[15]“Grasshoppers schlägt Young Fellows 3:1 (1:0”), Neue Zürcher Nachrichten. 20 de Fevereiro de 193. Acessado em: https://www.e-newspaperarchives.ch/?a=d&d=NZN19330220-01.2.18.3.

[16]SANTOS, João Manuel Casquinha Malaia. Revolução vascaína: a profissionalização do futebol e inserção sócio-econômica de negros e portugueses na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934). 2010. Tese (Doutorado em História Econômica) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 420.

[17]‘De volta à pátria’. Cruz de Malta: Revista mensal do CRVG, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, 1933, p. 5.

[18]‘De volta à pátria’. Cruz de Malta: Revista mensal do CRVG, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, 1933, p. 5.

[19]‘De volta à pátria’. Cruz de Malta: Revista mensal do CRVG, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, 1933, p. 5.

Deixe uma resposta