O fim da marca “Esporte Interativo” como expansão da Warner Media na América Latina

Em 8 de janeiro, Rodrigo Mattos informou em sua coluna do UOL: “Warner faz mudanças e troca marca Esporte Interativo por TNT Sports”. Por um lado, isso fecha a história de uma proposta inovadora para transmitir esportes e interagir com o público. Por outro, demonstra diferentes movimentos de mercado, em expansão para outros países, mas com poucos agentes na disputa.

No final de 2016, publiquei um artigo com César Bolaño na Revista Chasqui em que apresentamos o histórico do Esporte Interativo a partir de duas estratégias: a aposta em conteúdos regionalizados, com grande destaque para a volta da Copa do Nordeste, em 2013; e a captação de recursos com agentes estrangeiros, com uma parceria inicial de conteúdo com o Yahoo! e a posterior venda para a Turner, completada em 2015 e tendo como marco a aquisição dos direitos de transmissão da Uefa Champions League.

Fonte: Meio e Mensagem

Naquele momento, indicamos que para ser um forte agente na TV fechada era necessário ter mais recursos para disputar os direitos de transmissão de outros torneios e isso só poderia ocorrer com grande captação de recursos que só se daria a partir de uma venda para conglomerado estrangeiro. Para a Turner, foi uma forma de “entrar no mercado brasileiro com uma estrutura já pronta, ainda que por ser melhorada, e com uma marca já conhecida pelo público” (SANTOS; BOLAÑO, 2016-2017, p. 293).

Criado em 2004 a partir de uma empresa que atuava com futebol desde 1999 (a Top Sports), o Esporte Interativo era até então um agente periférico do mercado de TV fechada, sem estar nas duas principais distribuidoras (Net e Sky) – mas com captação satelital –, que apostava em torneios que não recebiam interesse dos concorrentes principais e em mecanismos de aquisição de recursos em novas aplicações tecnológicas de interação com o público – do SMS num clube de pontuação ao aplicativo de streaming EI+Plus.

A Turner já colocou naquele momento algumas partidas do torneio europeu em seus canais TNT e Space, com presença nos pacotes básicos de TV fechada. Em 2016 o EI conseguiria entrar nas distribuidoras líderes de mercado. Além disso, o segundo ano de aquisição marcava a disputa com o Grupo Globo pela transmissão em TV fechada do Campeonato Brasileiro, aproveitando a negociação individual, para transmitir alguns jogos da Série A a partir de 2019. No final do ano, a aquisição da Time Warner pela AT&T, empresa de telecomunicações, com mudança de nome para Warner Media, sinalizava possíveis alterações de atuação – inclusive por limitações regulatórias, pois a empresa estadunidense de telecomunicações é uma das proprietárias da Sky, o que configuraria propriedade cruzada (SANTOS; BOLAÑO, 2016-2017).

Fonte: tntsports.com.ar

Enquanto isso, a Turner ampliou a atuação na América Latina. Em 2017, adquiriu com a Disney (Fox Sports) os direitos de transmissão do Campeonato Argentino e da Supercopa Argentina, criando o canal TNT Sports, que transmitiria também a Copa do Mundo FIFA Rússia 2018. No final daquele ano, adquiriria ainda o “Canal del Fútbol” (CDF), canal de TV fechado existente desde 2003 no Chile, podendo transmitir os torneios organizados pela associação de futebol do país.

Como a marca Esporte Interativo foi mudando

Em termos de formato utilizado, os canais Esporte Interativo mantiveram o padrão tecnoestético que o diferenciava no mercado, com narração que tentava ser mais emocionante – o que gerou o apelido de “Esporte Interagrito” – e diferentes tentativas de interação com o público, com grande atuação nas mídias sociais, fazendo a primeira transmissão pelo Facebook. No conteúdo, a aposta passou a ser a UEFA Champions League, considerado como premium, enquanto Copa do Nordeste, Copa Verde, campeonatos estaduais nordestinos e Séries C e D do Brasileiro seguiam no pacote, mas com menos atenção que outrora.

Mudança mais significativa se deu a partir de agosto de 2018, quando foi anunciado o fim dos canais Esporte Interativo, em que pequena parte do conteúdo esportivo migraria para a TNT, canal dedicado a filmes da Turner. Sobreviveu apenas o conteúdo premium, UEFA Champions League e o Campeonato Brasileiro a partir de 2019 e programas pós-jogos, gerando demissão em massa e diminuindo a quantidade de agentes no mercado – com a fusão do Fox Sports com a Disney acentuando isso.

Ainda que o formato de conteúdo seguisse o que foi construído ao longo da marca Esporte Interativo, desde as transmissões alugadas em canais de TV aberta no início dos anos 2000, particularmente eu já estranhava que mantivessem o símbolo do eI ao lado da TNT, além da sua manutenção nas mídias sociais – com alguns programas que tinham migrado para o Youtube com o tempo se tornando canais à parte na plataforma.

Fonte: Meio e Mensagem

Segundo Mattos (2021), a nova marca TNT Sports surge no Brasil dentro de uma proposta panregional, a partir da criação da Warner Media Latin America. Além do Esporte Interativo, o CDF, no Chile, também mudará para o nome em comum. Ainda que tenha se dado agora, repete-se uma estratégia de canais como ESPN e Fox Sports, cujas marcas são unificadas para todos os países em que as empresas atuam.

Cenário de mercado

Se a TV fechada no Brasil viveu um aumento de assinantes do final dos anos 2000 até 2014, de lá para cá os números só apresentaram queda. O cenário econômico no país, com número considerável de pessoas desempregadas, é uma das justificativas mais claras. Por outro lado, o aumento de oferta de blocos de conteúdo audiovisual em separado, gera diferentes prioridades de consumo, para quem pode pagar. Acentua-se isso com a autorização, desde julho de 2020, para a oferta de canais da TV fechada de forma separada na internet, a partir do caso do Fox+ – ver mais em Amaral (2020).

A venda de conteúdo pago pela internet teve crescimento com a quarentena causada pela Covid-19. Sem a possibilidade de público nos estádios, a transmissão audiovisual por um veículo de comunicação torna-se a única forma de acesso possível ao conteúdo esportivo. Ou seja, o momento de oferta de conteúdo audiovisual poderia ser o mais favorável, dadas as restrições à oferta presencial de entretenimento.

Entretanto, isso não deve desconsiderar os problemas econômicos individuais – como mostra o recuo na venda de pay-per-view pela Premier League em novembro do ano passado; e os problemas econômicos agravados com a pandemia, que fizeram com que Globo (Copa do Mundo, Libertadores e Fórmula 1) e Record (Jogos Panamericanos) reconsiderassem contratos de transmissão por causa do valor do dólar; e DAZN (campeonatos europeus de futebol e reestruturação global) e Mediapro (campeonato francês) diminuíssem a atuação em vários mercados, interrompendo acordos.

Neste mesmo blog, em outubro de 2019, apontei que vivíamos um processo de mudança no mercado e que era difícil ver o final disto. A pandemia colocou mais problemas para os agentes em disputa, amplificando até a quantidade de empresas a ofertarem conteúdo gratuito, mas com a centralização de alguns mercados sob pagamento (casos da TV fechada e da oferta pela internet), com a Amazon surgindo por duas frentes ainda em fases iniciais: Prime Video e Twitch (com a transmissão de Athletico X Vasco no Brasileirão).

Com redução das limitações da transmissão ao vivo com a internet 5G e um cenário de recuperação econômica pós-pandemia ainda distantes, a vantagem de guiar o mercado de transmissão de futebol seguirá, em curto prazo, com grandes agentes em termos de potencial financeiro e com os líderes de mercado.

Referências

AMARAL, Bruno do. Anatel decide que canais lineares pela Internet são SVA. Teletime, Brasília, 9 set. 2020. Disponível em: <https://teletime.com.br/09/09/2020/anatel-decide-que-canais-lineares-pela-internet-sao-sva/>. Acesso em: 11 jan. 2021.

MÁQUINA DO ESPORTE. Premier League desiste de pay-per-view e jogos voltam para a BBC e Amazon. Máquina do Esporte, São Paulo, 13 nov. 2021. Disponível em: <https://maquinadoesporte.com.br/futebol/premier-league-desiste-de-pay-per-view-e-jogos-voltam-para-a-bbc-e-amazon>. Acesso em: 11 jan. 2021.

MATTOS, Rodrigo. Warner faz mudanças e troca marca Esporte Interativo por TNT Sports. UOL, São Paulo, 8 jan. 2021. Disponível em: <https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/rodrigo-mattos/2021/01/08/warner-acaba-com-marca-esporte-interativo-canal-se-chamara-tnt-sports.htm>. Acesso em: 11 jan. 2021.

SANTOS, Anderson. Qual o estágio das transmissões de futebol no Brasil? Comunicação, Esporte e Cultura, Rio de Janeiro, 17 out. 2019. Disponível em: <https://www.leme.uerj.br/2019/10/17/qual-o-estagio-das-transmissoes-de-futebol-no-brasil/>. Acesso em: 11 jan. 2021.

SANTOS, Anderson David Gomes dos; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira. Las estrategias de mercado de Esporte Interativo: regionalización y capital extranjero en la televisión brasileña. Chasqui, Revista Latinoamericana de Comunicación, n. 133, p. 283-296, dez. 2016-mar. 2017.

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