Há tantos assuntos sendo comentados no momento: a faixa da torcida do Náutico que foi proibida pelo julgado, o caso Adriano, as porcentagens dos matemáticos em relação aos tempos que podem ser campeões e os que podem ser rebaixados, as polêmicas a respeito da convocação de Kaká para a seleção e as dúvidas sobre o futuro da seleção etc, etc.
Prefiro compartilhar algumas indagações e descobertas a respeito daquele que está no centro da história do jornalismo esportivo: Mário Filho. Tenho pesquisado os jornais A Manhã e Crítica , nos quais Mário trabalhou. Estava analisando o modo de produção das notícias esportivas especialmente a respeito da participação da seleção na Copa de 1930.
É deliciosa a cobertura que o Crítica faz da Copa de 1930. Cobertura humorada, excessiva e que tentava conferir a Copa e a Seleção uma dimensão especial não muito comum na época. A viagem de navio feita pela seleção rumo ao Uruguai foi narrada quase como um romance folhetim, cheia de personagens pitorescos como, por exemplo, “o homem que aboliu o hábito de sentar para não machucar o terno” ( Crítica , 07/06/1930 ). Esse homem era o jogador Fernando do Fluminense que se recusava a sentar porque, segundo o repórter, temia amassar um terno cintilante e recém-comprado.
Trata-se de um tipo de abordagem bastante diferente da cobertura feita pelos jornais considerados mais tradicionais da época, muito cerimoniosos e lacônicos em relação à Copa de 1930. A cobertura de Crítica já contava com a influência de Mário Filho (que dialogava frontalmente com a linha editorial popular de Crítica ) imprimindo às notícias características fabulatórias, uma técnica que acompanhará sua carreira de jornalista e, sobretudo, de escritor de livros.
Sempre que investigo Mário Filho me lembro de O Negro no Futebol e do momento no qual o autor defende a veracidade de seu texto, afirmando que tudo o que relatava não era fruto da imaginação, mas sim de fatos fidedignamente comprovados. Essa defesa se justificou em grande medida porque O Negro no Futebol era um projeto que objetivava preservar a memória do futebol brasileiro. Um projeto no qual Mário Filho não desejava ser confundido com um romancista.
Perceber Mário Filho como um romancista era um risco um tanto compreensível, dada a qualidade de seu texto e sua tendência de privilegiar um tipo de narrativa capaz de despertar a imaginação do leitor.
Mas vamos conhecer o lado do fato ficcional de Mário Filho. No final da década de 1920, Mário publicou dois livros: Bonecas e Senhorita 1950 . O primeiro foi impresso, ao que parece, na gráfica do jornal de seu pai, sendo vendido nos jornaleiros da cidade. Em várias edições de A Manhã , em 1927, publicou-se um anúncio que dizia: “Peça ao seu jornaleiro BONECAS novela de Mario Rodrigues Filho. O MAIOR SUCESSO LITERÁRIO DO ANNO” (01/07/1927). Já Senhorita 1950 foi vendido nas livrarias e na redação de A Manhã .
Mas além dessas produções, em 1927, Mário publicava periodicamente contos e poemas no jornal A Manhã . E o que se pode depreender da análise dessa breve produção literária é a pouca qualidade da escrita de Mário Filho. A maioria de suas histórias, publicadas nessa época, se concentra em um universo romântico banal que beira o erótico e que em diversos momentos transmite uma visão de mundo sombrio. Não sem motivos, o tema da noite, seus mistérios e sombras percorrem grande parte dos escritos ficcionais de Mário. A noite geralmente serve de cenário de amores sem limites, mas que geralmente eram cercados de emoções e tristezas, como fica claro no poema “Saudade”:
Noite triste: noite de bruma – longa e triste
(…)
Dentro da noite: dentro da noite ouve-se um rumor de água; tão somente – tão somente rumor de água…
Dentro da noite: porque em meus íntimos, amada minha, há somente, tão somente um boato de voz, o boato da tua voz.
Chove porque aqui; aqui tudo chora a tua ausência. E meus olhos estão secos; não sei chorar.
Faz-se noite. Noite triste; noite de bruma longa e triste – sem uma estrela; sem uma estrela e sem céu…
( A Manhã . Espírito Moderno. 27/03/1927)
Essa literatura mostra-se antiquada para uma época de importante renovação artística no país, especialmente por conta do Modernismo. Antiquada e a partir da qual Mário demonstra pouquíssima habilidade na criação de enredos e de narrativas bem construídas e literariamente relevantes. Destaca-se essas pesquisas, o fato de que essas histórias geralmente vieram acompanhadas dos belos desenhos do irmão de Mário, Roberto Rodrigues, ou do ilustrador Guevara. Destaca-se também o fato de que essas histórias publicadas no início do 1º semestre de 1927 vieram em um caderno denominado “Arte e Cultura” que compôs o jornal aos domingos e que posteriormente foi rebatizado de “Espírito Moderno”. Naquele suplemento de uma única página publicavam-se contos, poemas e outras formas literárias de autores conhecidos ou não (Augusto dos Anjos chegou a publicar um poema seu). E quase sempre era possível ler algo de Mário Filho.
Lendo essas histórias de Mário, pelo menos imaginamos que ele se transformaria em um importante personagem do jornalismo esportivo. Sua ambição parecia ser uma literatura de cunho ficcional.
Mas Mário teve um bom senso crítico ou talvez alguns de seus amigos literatos o que precisaram para mudar de ramo. O que sabemos é que Mário deixou de lado aquele tipo de ficção e boato para os esportes.
E o interessante é que foi por meio dos esportes – especialmente o futebol – que Mário pôde realizar enquanto escritor, dono de uma técnica refinada de contar histórias. Foi com o futebol que Mário pode se construir como um grande narrador que mistura fato e imaginação. Essa mistura nutre seu estilo de jornalismo esportivo, assim como a escrita de seus livros sobre futebol, incluindo O Negro no futebol.
Pois como disse seu grande amigo José Lins do Rego na introdução de Copa Rio Branco, 1932, o primeiro livro de Mário sobre futebol: “A Copa Rio Branco teve a sorte de encontrar um historiador que é um romancista. E é nesta aliança do fato com a imaginação que está a grande história que sobreviveu (Grifos meus, 1932, p.8).
Quando se fala na relação entre futebol e literatura, geralmente se costuma afirmar que a Literatura Brasileira foi pouco produzida sobre esse tema, especialmente o futebol. Não é bem assim. Temos os livros de Mário Filho, um narrador de futebol ainda não alcançado especialmente em termos de produtividade.
Seria um problema afirmar a relação entre Mário e literatura?
Creio que não, sobretudo se alargarmos a compreensão a respeito do termo, não fazendo dele uma associação de mentira.
A literatura em Mário se faz presente na sua capacidade de fazer com que jogadores e jogos se cravassem em nossa memória: Jaguaré que rodava a bola na ponta do dedo, Domingos da Guia, Leônidas da Silva e tantos outros que não foram apenas retratados, mas convertido em personagens. Um tipo de conversão que Mário deixou de herança para grande parte do jornalismo esportivo no Brasil.
A literatura, portanto nunca deixou de acompanhar Mário Filho. Esteve apresenta em seus livros, nas suas páginas esportivas e na sua capacidade de perpetuar o futebol para além das quatro linhas do gramado.
Tenho acompanhado com atenção, interesse e entusiasmo os belos textos da Professora Leda e que, certamente, servirão de preciosos subsídios para meus projetos literários. Com imenso prazer, além de cumprimenta-la, eu gostaria de trocar e-mails, se não for inoportuno, porque terei muito o que aprender e a degustar.