Um ano antes do título do Flamengo, Copa Intercontinental teve cobertura morna

Conquista do Nacional não empolgou imprensa carioca e argentina

Em comunicações anteriores, examinamos como o Jornal dos Sports, diário esportivo de maior tiragem dos anos 1960 (Buarque, 2003), cobriu o título do Peñarol, em 1961, como primeiro clube sul-americano campeão da Copa Intercontinental, batizada mais adiante no Brasil, pela imprensa, de Mundial de Clubes. Tal conquista ocorreu num contexto em que essa competição estava longe do zênite dos campeonatos mais relevantes no Brasil, para jornalistas, clubes e torcedores. Também observamos como publicações estrangeiras acompanharam a conquista do mesmo torneio pelo Flamengo, em 1981.

Pretendemos, agora, analisar de que maneira três jornais generalistas[1], sendo dois brasileiros, O Globo e o Jornal do Brasil, e um argentino, La Nacion, trataram o título de outro time uruguaio, o Nacional, em 1980. Este texto é parte de uma pesquisa mais ampla do Grupo de Pesquisa Esportes, Ídolos e Identidades (GEII), coordenado por mim e integrado por alunos da graduação do Departamento de Jornalismo da Uerj, que observa como a imprensa brasileira lidava com os diferentes torneios, cujos organizadores proclamavam seus vencedores “campeões mundiais”.

Nesse sentido, é importante registrar que, no ano em que time uruguaio sagrou-se campeão da Copa Intercontinental, já dois times brasileiros haviam vencido a competição: Santos, duas vezes (1961 e 1962) e Cruzeiro (1976). Portanto, embora, até então, nenhum clube do Rio de Janeiro – estado das sedes de O Globo e o Jornal do Brasil – tivesse conquistado tal título, aquela competição já não era mais um torneio tão estrangeiro à imprensa e aos torcedores brasileiros, ainda que continuasse distante do topo de prioridades, voltadas para os campeonatos estaduais e o nacional.

Diferentemente do Jornal dos Sports, que acompanhou a decisão de 1961 já a partir do desembarque do Peñarol na Europa, tanto os periódicos cariocas, quanto o argentino, pelo menos, nas edições encontradas a partir de palavras-chave, destinaram espaços bem mais modestos à cobertura da final do Nacional contra o inglês Nottingham Forest. Realizada pela primeira vez em jogo único e com sede, também pela primeira vez, em Tóquio, no Japão, o torneio também ficou conhecido à época como Copa Toyota – referência à montadora nipônica patrocinadora da competição. Seu acompanhamento pelos três jornais não contou com qualquer correspondente ou enviado internacional, ficando restrito ao resultado do jogo. A exceção foi O Globo, que, além de abrir espaço mais generoso ao torneio, foi o único a publicar matéria também no dia seguinte à partida.

Nacional y su invicto intercontinental - Club Nacional de Football
Fonte da imagem: Club Nacional de Football

La Nacion, limitou-se a registrar num box a vitória uruguaia, na edição de 11 de fevereiro de 1980: “Nacional campeón intercontinental de futbol”. Em apenas 19 linhas e uma coluna, a matéria limita-se a reproduzir despacho da United Press International (UPI), agência estadunidense internacional de notícias.  Além de informar o resultado e o autor do gol, Waldemar Victorino, o texto faz brevíssimo resumo da partida. Nele informa que, embora os ingleses campeões europeus tenham se lançado decididamente ao ataque no início da partida, não conseguiram vencer a defesa do Nacional, que, num contra-ataque, aos dez minutos, marcou seu gol num lançamento do lateral José Hermes Moreira. Depois disso, os ingleses voltaram a atacar “de forma desesperada”, para tentar empatar a partida, mas seus avanços “foram interrompidos pela brilhante defesa armada pelos uruguaios”.

Além do espaço extremamente modesto, o jornal argentino não classifica, nem no título, nem no curto texto, o Nacional como campeão mundial, mas como vencedor intercontinental. O JB vai adotar outra classificação já no título, em edição do mesmo dia do jornal argentino,: “Nacional é campeão mundial”. O reconhecimento à façanha, no entanto, contrasta com o modesto espaço destinado ao título. Confinado a quatro linhas em duas colunas, a nota é a última matéria em importância da página 27 do jornal.

A origem da matéria é Tóquio, indicando que, provavelmente, o jornal limitou-se a reproduzir informação de alguma agência internacional não creditada. O texto resume-se a uma frase: “Com um gol de Victorino, no primeiro tempo, o Nacional de Montevidéu conquistou hoje o Campeonato Mundial de Clubes, ao vencer o Nottingham Forest, da Inglaterra, por 1 x 0.”

A diferença da cobertura entre os dois veículos parece, assim, estar mais na caracterização do torneio e no tratamento mais formal do jornal argentino, grafando o nome composto do autor do gol e nome e o sobrenome do responsável pelo lançamento, enquanto o JB recorre apenas ao prenome como costumava fazer com os jogadores brasileiros. Independentemente da qualificação intercontinental ou mundial, o espaço modesto destinado à competição mostra convergência na hierarquização, ao menos, quando clubes do país de cada veículo não estavam envolvidos.

O Globo, dos três, foi o que deu mais espaço à decisão. Em matéria numa página interna da Editoria de Esportes, de 11 de fevereiro de 1981, chama para a final: “Nacional x Nottingham, uma decisão no Japão”. Em cima, uma foto do goleiro uruguaio, com a legenda: “Rodolfo Rodriguez, o líder e capitão uruguaio”. Apesar de ser o único veículo a acompanhar com ilustrações as matérias da final, o espaço ocupado pela partida está confinado ao rodapé da página.

La historia del invicto intercontinental de Nacional - Club Nacional de Football
Fonte da imagem: Club Nacional de Football

A matéria com procedência de Tóquio, mas seguida pelo nome do jornal entre parênteses, mas sem assinatura de correspondente ou enviado internacional, indica que, provavelmente, a redação desenvolveu o texto a partir de material de agência internacional de notícias, também, não creditada. Diagramada em duas colunas, a matéria informa que “a maior preocupação dos técnicos das duas equipes” que disputam o título da Copa Intercontinental é “o péssimo gramado do Estádio Olímpico”.

O texto traz outros detalhes, como os destaques do Nacional, que contava com quatro integrantes da seleção uruguaia campeã do Mundialito daquele ano: Rodolfo Rodrigues, José Hermes Moreira, Valdemar Victorino e Julio Cesar Morales . E que o adversário, que não faz boa campanha no campeonato inglês, terá o desfalque do apoiador Jonh Mc Govern, que será substituído por Raimondo Ponte, “um suíço radicado na Inglaterra”.  A matéria fecha com as escalações das duas equipes.

Na edição de 13 de fevereiro, embaixo do selinho “Futebol Internacional”, pouco acima do rodapé da página, O Globo titulou: “Nacional dá outro título ao Uruguai”.  Mais uma vez com procedência de Tóquio acompanhada do nome do jornal, a matéria é ilustrada por uma foto do único gol da partida, com a legenda: “Victorino chuta forte. É gol.” Na abertura, a matéria informa que, em apenas um mês, “o futebol uruguaio conquistou dois títulos internacionais de repercussão”.  Além da Copa Intercontinental, o jornal elenca o Mundialito, em Montevidéu, como o outro título de repercussão internacional.

A matéria destina mais dois parágrafos para breve resumo da partida, que inclui a informação de que, após sofrer o gol, o time inglês partiu para o ataque, tendo desferido “18 finalizações contra a meta uruguaia”. O texto fecha com as escalações das duas equipes. Um box embaixo, em duas colunas e 26 linhas, trata da repercussão do resultado na imprensa japonesa e informa que o treinador do Nacional, Juan Martins Mujica, atribuiu a vitória do seu time à observação detalhada do adversário, que incluiu uma viagem a Nottingham: “Filmei tudo”, revela Mujica.

O detalhamento do material colhido aponta, com a exceção de O Globo, para uma cobertura limitada a breves registros, embora o JB classifique, no título, a conquista de “mundial”. A gramática não é seguida nem pela La Nacion nem por O Globo, que classificam a competição de Copa Intercontinental, denominação que vai sofrer mudanças à medida que outros times brasileiros sejam campeões do torneio. É necessário avançarmos na pesquisa para tentarmos identificar em que momento a apropriação do torneio por imprensa, torcidas e clubes vai se refletir na qualificação do torneio como Mundial.

Notas de Rodapé:

[1] Veículos não segmentados que têm seções sobre assuntos variados

Deixe uma resposta